16 outubro 2011

Fukanzazengi - 41º comentário de Coupey

Isso está além do que o homem ouve e vê - não é um princípio anterior aos conhecimentos e percepções?

O despertar está além do que se ouve e vê. Não pode ser compreendido através de qualquer dos seis sentidos. O sexto sentido é a mente, o cérebro frontal que dirige e controla os outros cinco, é a pequena mente que procura e serve-se dos cinco outros como ferramentas. Nós somos de tal modo dependentes de nossos sentidos, de tal modo temos os pés e punhos amarrados por nossa mente, por nossas ideias e pelas conclusões que daí tiramos, que o coração deixa de lá estar, ele fica perdido no escuro ("coração" aqui significa nossa natureza ao mesmo tempo universal e individual).

O praticante do zen compreende facilmente essa frase de Dogen. Mas ele sabe muito bem que isso não quer dizer que seja preciso rejeitar os sentidos. Rejeitar os sentidos é uma posição moralista (e às vezes ascética). Esta não é nossa prática. Para nós, não se trata de rejeitar os sentidos, mas de cortar os seis órgãos dos sentidos, bem como seus objetos de percepção. Frequentemente, falar disso causa medo. Os praticantes me confessam nos mondo que eles têm medo do ponto de vista "não humano", de não poderem confiar nos seus sentidos. Eu falo da liberdade total, não limitada pelo que vemos através de todos esses pequenos orifícios, não limitada pelo que se ouve por todos esses pequenos orifícios dos lados, e que entra nesse pequenino cérebro. Falo de nos libertarmos do pensamento frontal, de nossas ideias pessoais, que nada têm a ver com a realidade.

Como cortar os seis órgãos dos sentidos? Simplesmente através de uma expiração longa e profunda. Inconscientemente, naturalmente, automaticamente. E é a mesma coisa na vida quotidiana. Na vida quotidiana, não praticamos zazen. Apesar disso, praticamos o momento presente automatica e inconscientemente. Trata-se sobretudo de conhecermo-nos, e também de não sermos tolos. Ainda que isso provoque medo, pouco a pouco, continuando o zazen, nos liberamos desse apego aos sentidos, em notar. Não notamos nada, mas somos felizes.

Efetivamente, durante o zazen, não é difícil de fazer com que os sentidos nada façam. Num dojo, não temos necessidade dos olhos nem dos outros sentidos. "Não há olho, não há ouvido, não há nariz, não há língua", diz o Sutra do Coração que cantamos ao fim do zazen. Os olhos estão semiabertos, mas nada fazem. Os ouvidos estão à escuta e ouvem tudo, mas o que se ouve não é controlado pela mente, não se faz nada com isso. A mesma coisa para o nariz. Mas na vida quotidiana é mais difícil... Os olhos, por exemplo, vão se por a procurar uma bisnaga: são os olhos de um gaki, de um ser esfomeado.Ou os olhos vão procurar uma mulher: poderíamos dizer que se trata de olhos de um obcecado sexual. A mesma coisa para os ouvidos: eles se aprontam para escutar as conversas dos outros  - "Certamente estão falando mal de mim...". São ouvidos de um homem encolerizado, ou talvez de um espião.

Porque se diz que no zazen as orelhas devem estar no mesmo plano que os ombros, o nariz vertical e os olhos horizontais? Porque com a cabeça bem colocada no alto do corpo, a clareza da mente, a sabedoria, podem se elevar.

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