28 agosto 2009

VOCÊ JÁ ESTÁ NO CAMINHO


"Agora, quando buscamos o Caminho,
descobrimos que é universal e completo".

Nessas palavras de abertura, "buscamos" significa que devemos buscar até que tenhamos esclarecido que "o zazen é zazen". "Buscar até que compreendamos verdadeiramente" é o significado da primeira frase. "Agora" significa que deste momento em diante é o ponto de partida para a maneira correta de observar.

O "Caminho" refere-se ao "Caminho de Buda", a que "a mente cotidiana é o Caminho". É cada aspecto da nossa vida. A única diferença entre alguém que já percebeu isto e alguém que não percebeu, é se o eu-ego próprio intervém ou não. Antes de surgirem as suas opiniões, você já é um com cada coisa. Portanto, quando quer que, onde quer que e quaisquer pensamentos surjam, já estamos bem no meio do Caminho, não importa o que estejamos fazendo. Somos pessoas do Caminho. Estamos no meio do resultado, nós somos pessoas que vivem no meio dos resultados.

Em outra obra do mestre Zen Dogen, Gakudo-yojinshu (Orientações para a prática budista), há uma pedaço importante no contexto da nossa busca do Caminho. Aqui está a passagem:

"Primeiro, você deve acreditar que você já está dentro do Caminho. Você tem que acreditar que você está livre de ilusão, de pensamentos ilusórios, ideias confusas, aumento e diminuição, e da compreensão equivocada. Acreditando desta forma, esclareça o Caminho e pratique em conformidade. Esta é a essência do estudo do Caminho".
Como eu disse anteriormente, já estamos no Caminho, portanto, não há ilusão, não há pensamentos ilusórios, nem ideias confusas, nem aumento ou diminuição, e nenhum entendimento equivocado. Estamos livres dessas coisas. Normalmente diríamos exatamente o contrário, pensamos que estamos iludidos com pensamentos ilusórios, ideias confusas, aumento e diminuição, e com entendimento equivocado, mas na prática budista já estamos separados dessas coisas. A passagem acima nos pede para acreditar nisso como um primeiro passo e, em seguida, entrar no Caminho.

Estas palavras foram escritas por Dogen após sua libertação, depois de ter "lançado fora corpo e mente". Em nossa vida diária, como disse, delírio, ilusão e ideias confusas são um fato, são uma realidade inegável para as pessoas. Para simplesmente aceitar esse fato, esta realidade tal como ela é, é o primeiro passo na prática. É a primeira orientação na prática budista.

Estas cinco coisas, ilusão, pensamentos ilusórios, ideias confusas, aumento e diminuição, e o entendimento equivocado, é o que costumamos chamar de paixões que iludem. Para bodhisattvas, estas cinco ilusões, estas realidades, são a iluminação, mas para uma pessoa comum estes cinco aspectos da iluminação são paixões que iludem. Dependendo se o eu-ego é esquecido ou não, essas realidades, como elas são, tornam-se iluminação ou ilusões. A diferença é assim profunda.

"Descobrimos que [o Caminho] é universal e completo" quer dizer que o caminho não tem começo nem fim. Não existe nenhuma fonte do Caminho. Quando você considerar isso, examine à luz da expressão Zen "antes de sua mãe e seu pai nasceram". Em outras palavras, onde você estava antes de seus pais nasceram neste mundo?

"Universal e completo" significa que não há arestas a aparar, de modo que os conflitos não surgem em qualquer situação. É impossível para o atrito surgir, porque essencialmente tudo é um só. Isto significa que o Caminho é onipresente e totalmente livre de restrições. Dogen descreveu isto como "a mente flexível". Ele disse: "Enquanto eu estava praticando com Mestre Zen Nyojo, corpo e mente foram lançados fora. Em outras as palavras, 'a mente macia, flexível, foi alcançada." Independentemente do ambiente, uma mente macia, flexível não é áspera ou angulosa. É a mente que tem a liberdade de ser una com cada coisa. Isto é expressado por "universal e completo".
(1ª parte do 1º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

19 agosto 2009

Zazen

Meia-noite é a verdadeira luz,
A alvorada não é clara.

Estejam muito atentos com a sua postura. Em nossa linhagem do Zen, é pela postura que temos acesso ao espírito correto. Inclinação da bacia é importante, a posição da nuca, a posição das mãos, o olhar: os olhos estão semicerrados, deixando a luz penetrar, mas não vêem nada. Eles estão em repouso.

Meia-noite é a verdadeira luz, a alvorada não é clara.

O poema de Tozan, Hokyozanmai, "O samadhi do espelho precioso", que foi escrito no início do século IX, a idade de ouro do Chan, do Zen, está cheio de imagens poéticas como esta, que visam fazer-nos saborear a inefável, a indizível sabedoria do zazen, dos Patriarcas.

Como no início: "Uma bandeja de prata cheia de neve branca, uma garça coberta pela luz da lua, parecem-se, mas não são iguais, juntando-as, sabemos que são". Ou ainda: "Afastar-se ou tocar: ambos estão errados, pois é como um grande fogo, útil, mas perigoso".

Não há pesquisa literária ou busca de efeito, trata-se simplesmente de se aproximar o mais possível do que é a consciência hishiryo, a justa distância, a justa distância entre sujeito e objeto, a justa distância em relação aos nossos pensamentos, a justa distância em relação às nossas ilusões, a justa distância em relação ao satori, em relação ao despertar.

Outro verso do poema diz: " Não sois o reflexo, mas na verdade sois vós. " O reflexo sou eu, tudo o que é refletido no espelho precioso, no espelho do samadhi, no espelho do corpo-espírito da postura, sou eu. Não há nada em jogo senão eu próprio. "Resolver o caso de toda uma vida", disse Dogen. "Resolver sua dúvida", disse Deshimaru ... E, ao mesmo tempo, eu não sou o reflexo. Se eu me identifico com o reflexo, seja como ilusão ou como satori, como pensamento ou como não-pensamento, eu perco o fio da meada. "Afastar-se ou tocar: ambos estão errados, pois é como um grande fogo." É isto mesmo, hishiryo. Não se deixar apanhar nem pelo pensamento, nem pelo não-pensamento. Não ser dependente de nada.

Quando se encontra a justa distância, através da prática do zazen, vis-à-vis aos nossos mecanismos mentais, às nossas operações compulsivas, então aparece a profunda sabedoria, a sabedoria cósmica, que não é individual, não é pessoal, não é uma invenção do ego, que é não nascido, não criado, que nos precede e nos engloba.

Meia-noite é a verdadeira luz, a alvorada não é clara.

Esta é a verdadeira intimidade com si próprio. Não nos deixamos mais distrair pelos nossos pensamentos, nem por nossa fadiga... Assim, peço-lhes, não desperdicem seu tempo. Não sigam seus sonhos, seus pensamentos... Aqueles que têm alguma prática de zazen sabem que os dias passam muito rapidamente. Mal se tem o tempo de deixar desabrochar o que há de mais precioso, e eis que tudo já terminou.
(kusen de Luc Brossard, discípulo de Deshimaru)

17 agosto 2009

Zazen

Meia-noite é a verdadeira luz,
A alvorada não é clara.

Isto quer dizer que tudo o que apreendemos na nossa consciência pessoal por nosso ego, por nossas categorias mentais, é turvo, embaçado, artificial. A verdadeira luz apenas surge no silêncio interior, na ausência de opinião, no recolhimento e na renúncia de si-mesmo.

É por isso que não devemos apegar-nos às idéias que nos atravessam, às impressões. É por isso que não se deve tentar construir qualquer coisa. A única verdadeira clareza, a da meia-noite, é aquela que se expressa espontaneamente, naturalmente, quando se deixa de lado qualquer interferência.

O sentido próprio dessa frase é a realidade autêntica, essencial do zazen, de nossa prática. É por isso que em zazen, podemos descarregar o nosso fardo, podemos esquecer as nossas tristezas, todos os nossos esforços, toda a nossa ansiedade. Basta estarmos simplesmente presentes em nosso corpo-mente, alerta, desperto.

Meia-noite é a verdadeira luz, a alvorada não é clara.

Isto quer dizer que estamos completamente livres, desobrigados da necessidade de obter, de conseguir qualquer coisa pelo nosso esforço pessoal, por nossa vontade, por nossa intenção. Isto não depende de nós. Precisamos apenas investir na postura, corpo e espírito unificados. Isto, sim, cada um de nós consegue fazer o melhor que pode.

Alongar a região lombar, esticar a coluna, puxar o queixo, empurrar o céu com a cabeça, relaxar as tensões nos ombros e nas costas, colocar as mãos contra o abdome inferior e deixar os cotovelos ligeiramente afastados do corpo, soltar completamente a massa abdominal, deixar a respiração se tornar fluida, ampla e descer abaixo do umbigo com a expiração. Não seguir, não entreter seus pensamentos, não se opor a nada. Assim, espontaneamente, a mente se torna mais clara.
(kusen de Luc Brossard, discípulo de Deshimaru)

Como fazer zazen: http://global.sotozen-net.or.jp/por/how_to_do_zazen.html


01 agosto 2009

Hokyo Zanmai - 33º Comentário de Deshimaru

Seguir assim,
é ser chamado de mestre entre os mestres.

O que significa “mestre entre os mestres”? Significa a essência na essência, o Rei no Rei, o segredo no segredo, é o quarto Go I; "seguir assim" é realizar o Dharma.

Retomemos uma história já contada:

Mestre Tozan, acompanhado por um outro monge, seguia um caminho que o conduziu a uma região de montanhas selvagens e profundas. Numa clareira, um pequeno riacho fluía, eles viram um pedaço de legume flutuando na água. “Certamente um eremita vive nesta montanha”, pensaram, e penetraram mais profundamente na floresta. Finalmente, eles encontraram um velho monge que vivia em uma pequena ermida.

“Por que você vive assim nesta montanha?” Eles lhe perguntaram.

O velho monge, que tinha uma barba branca muito comprida, lhes respondeu:

"Dois touros sujos e cobertos de lama lutavam. Os dois se precipitaram no mar e nunca mais voltaram”.

Tozan, em seguida, fez outra pergunta: “O mestre entre os mestres, o segredo no segredo. Qual é o seu significado? Qual é a coisa primordial?”

E o velho ermitão respondeu:

“Vocês não a encontrarão do lado de fora da porta. Aquilo está encerrado.”

Desde o “Assim é o Dharma” da primeira estrofe ao “mestre entre os mestres” da última, o texto do Hokyo Zanmai forma uma argola, um círculo, um anel, o anel do Caminho. Não existe começo nem fim. Se quisermos alcançar “aquilo”, é preciso compreender o sujeito no sujeito; e o sujeito no sujeito nos remete à realização do “aquilo”.

Apenas a consciência cósmica pode realizar isso automaticamente, inconscientemente, naturalmente, graças ao za-zen.

Eu vos conduzi à margem do rio, cabe a vós saborear a água!