28 julho 2008

Hokyo Zanmai - 11º Comentário de Deshimaru (1ª parte)

É como um bebê recém-nascido
provido de seus cinco sentidos.
Nem indo, nem vindo,
não aparecendo, nem ficando.
“Gugu, dadá”, algo é dito?
Afinal, nada é dito,
pois as palavras ainda não estão corretas.

Gugu dadá são as palavras que os bebês pronunciam como mamã, papá, popô... São frases... palavras?

Os bebês não podem obter os objetos que pedem porque as palavras ainda não estão corretas. Em definitivo, temos completamente, nós também, as cinco posturas, como os recém-nascidos neste mundo: não ir, não vir, não surgir, não ficar, não falar.
Qual é o significado dessas cincos características? Sempre reencontramos esse número cinco. Cinco quer dizer acabado, completo. Com os cinco dedos, a mão está completa.
Nesse 11º poema está o problema das cinco atitudes e da linguagem. Esses versos inspiram-se no Sutra do Nirvana. O bebê não está perturbado nem preocupado. Cristo também disse: “Tornai-vos semelhantes às criancinhas”. Sua consciência é simples. Ele age automaticamente, naturalmente, inconscientemente. Ele quer se expressar pela linguagem, mas seus pais não compreendem, gugu....dadá... No começo, apenas a mãe tem a intuição da linguagem do seu bebê. As posturas não são posturas; as ações dos bebês são primitivas, portanto, inconscientes e naturais.

No Japão, uma monja célebre, Taishin, discípula do Mestre Ryokan, escreveu um poema muito conhecido. Meu Mestre Kodo Sawaki respeitava muito este Mestre que viveu há cerca de trezentos anos. Ryokan não desejava viver num templo, mas apenas numa pequenina ermida. Era mendicante, e suas caligrafias hoje, têm um valor de mercado superior às do próprio Dogen e do imperador. Sua discípula e assistente, a monja Taishin, compôs e lhe dedicou este poema:
“Se eu não o tivesse encontrado,
mesmo contando dez vezes dez,
talvez não pudesse compreender cem”.


À época de Buda, conta-nos uma história indiana, um rei, acompanhado de uma pessoa muito bonita, partiu para a montanha. Enquanto o rei dormia, a jovem mulher fugiu e foi visitar um eremita que fazia zazen numa ermida muito pequena. Este eremita recebia muitas mulheres... O rei ficou ciumento. Porque as mulheres estão em contemplação diante desse eremita?... e encolerizou-se contra ele. Foi visitar o eremita, mas ele tinha uma paciência enorme. O rei perguntou-lhe o que fazia, e o eremita respondeu-lhe:
“Eu pratico a paciência.
- Ficareis encolerizado se vos perseguir?
- Não, jamais, disse o eremita.
- Mesmo se vos matar? Perguntou o rei.
- Não”, respondeu o eremita.
Então o rei cortou-o em pedaços, pedacinho a pedacinho, os dedos, as mãos, as orelhas, as pernas...No sutra que conta essa história, o nome do rei é “aquele que corta em pedaços”, o “cortador”. Mas, curiosamente, o eremita não teve nenhuma ferida, e não morreu...
O eremita tinha uma atitude não egoísta, não pessoal... Se não temos ego, não é preciso morrer. Se nossa postura é egoísta, devemos morrer quando alguém tem a intenção de nos matar. É o que nos diz o sutra do diamante cortador. A não postura é a postura acabada, com total abandono do ego. Deveis ser como um bebê, mas isto não quer dizer ser um bebê. Os bebês são sem medo, sem problema, sem complicação, eles são muito livres, brincam francamente, honestamente, sem apego algum.