29 dezembro 2006

Sandokai - 12º Comentário de Suzuki

Um e todos, o sujeito e o objeto estão relacionados
E, ao mesmo tempo, são independentes.
Estão relacionados, mas funcionam diferentemente,
Mantendo cada um o seu próprio lugar.

No último comentário, expliquei como as pessoas se apegam a ji, “coisas”. Isto é comum. A característica do ensinamento de Buda é ir além das coisas – além dos vários seres, idéias e coisas materiais. Quando dizemos “verdade”, habitualmente queremos dizer algo que podemos imaginar. A verdade que podemos imaginar ou pensar é ji. Quando vamos além dos mundos objetivo e subjetivo, alcançamos a compreensão da unicidade de todas as coisas, a unicidade da subjetividade e objetividade, a unicidade do de dentro e do de fora.
Por exemplo, quando vocês sentam em zazen, vocês não estão pensando em nada, nem observando nada. O foco de vocês está a metro e pouco à sua frente, mas vocês não observam nada. Ainda que muitas idéias venham à cabeça, nós não pensamos sobre elas – elas vêm e vão, isto é tudo. Nós não as entretemos – não as convidamos para ficar ou lhes oferecemos comida ou qualquer coisa. Se elas vêm, tudo bem, e se elas vão, tudo bem. Isto é tudo. Isto é zazen. Quando praticamos desta maneira, mesmo que não tentemos, nossa mente inclui tudo. Não esperamos nem estamos preocupados com algo que possa existir além de nosso alcance.

O que quer que falemos sobre qualquer momento está dentro de nossa mente. Tudo está dentro de nossa mente. Mas habitualmente pensamos que existem muitas coisas: há isto, e isto, e isto aquilo. No cosmo, há muitas estrelas, mas neste exato momento só podemos alcançar a lua. Em alguns anos, poderemos alcançar alguns planetas e, eventualmente, algum outro sistema solar. No Budismo, mente e ser são unos, não são diferentes. Como não há limites para o ser cósmico, não há limites para nossa mente: nossa mente alcança todas as partes. Ela já inclui as estrelas, de modo que nossa mente não é apenas nossa mente. É algo maior que a pequena mente que pensamos que seja nossa mente. Esta é a nossa compreensão.

17 dezembro 2006

Sandokai - 10º Comentário de Deshimaru

A essência de todos os objetos visíveis possui segundo cada objeto
Qualidades e aparências distintas.
A origem da voz altera-se segundo a alegria
ou sofrimento.
Esta profundeza obscura é o mundo
Da combinação dos elementos
Em todas as direções,
Acima, abaixo, ao meio.
Mas em presença da luz, os objetos são claros,
E em sua posição existencial,
Podemos distinguir o que é puro do que é contaminado.

Os objetos dos sentidos possuem numerosas características muito distintas. O objeto visível tem uma cor e uma forma. Pode ser imaculado ou sujo, grande ou pequeno, redondo ou quadrado, longo ou curto. Um exemplo:
O céu azul.
Os telhados vermelhos.

O rosto é claro, podemos vê-lo à vontade no espelho límpido, enquanto os órgãos sexuais permanecem na escuridão.

A voz da alegria não é a voz do sofrimento, e não se perceberá da mesma forma a cor de um calção e de um kesa.

A percepção da voz e das cores predomina. Ela é representativa da atividade das seis portas. Os objetos visíveis têm uma forma, uma figura. São montagens da luz. A voz não tem forma, é montagem das sombras. A voz é profundidade. E, nesta profundidade, numerosos elementos se combinam (os sons agudos e graves, fortes e fracos).

O som do vale e seu eco ressoam muito longe nas profundezas...

10 dezembro 2006

Sandokai - 11º Comentário de Suzuki

Os primeiros versos do poema são a introdução: “O espírito do grande sábio da Índia transmitiu-se intimamente, diretamente, secretamente, do Leste para o Oeste”. Aqui, “grande sábio” pode também significar eremita. Ao tempo de Sekito, havia muitos eremitas taoístas que se orgulhavam de seus poderes sobrenaturais e que buscavam algum tipo de elixir para prolongar a vida. Eles não estavam muito interessados na prática budista e não podiam compreender porque praticar zazen era tão necessário. Esta também era uma questão para Dogen Zenji. Se todos temos natureza buda, porque é preciso praticar? Dogen padeceu muito com este ponto. Ele não podia resolver este problema através do estudo intelectual.

Quando vocês realmente conhecem a si próprios, vocês se dão conta de quão importante é praticar o zazen. Antes que vocês saibam o que estão fazendo, vocês não sabem porque praticamos. Vocês pensam que são bastante livres, que o que quer que façam são escolhas suas, mas, na realidade, vocês estão criando karma para vocês e para os outros. Vocês não sabem o que estão fazendo e então pensam que não há nenhuma necessidade de praticar zazen. Mas temos que pagar nossas dívidas e ninguém mais pode pagá-las. Por isso é que é preciso praticar. Para cumprir com nossa responsabilidade, praticamos. Devemos. Se vocês não praticam, não se sentem bem e também criam problemas para os outros. Mas se vocês não sabem disto, dizem, “Porque é necessário praticar o Zen?” Mais ainda, quando vocês dizem, “Temos natureza buda”, podem pensar que natureza buda é algo como um diamante na sua manga. Mas a verdadeira natureza buda não tem nada a ver com isto. Um diamante é ji, não é ri. Estamos sempre envolvidos com o mundo de ji sem realizarmos ri.

Tem uma outra coisa em que estou muito interessado. Tradicionalmente, como vocês sabem, os budistas dizem que o Budismo não durará para sempre. Os sutras dão vários tempos, mas habitualmente dizem que ele perecerá 1500 anos após a morte de Buda.

De acordo com a tradição, nos primeiros quinhentos anos, ao tempo dos discípulos diretos de Buda ou dos grandes-discípulos, haveria grandes sábios como Buda. Este é shobo, o tempo do Buda. Nos quinhentos anos seguintes, haveria pessoas que praticariam zazen e estudariam Budismo. Este é zobo, o tempo da imitação do dharma. Em mappo, o último período, começando mil anos depois da morte de Buda, as pessoas não observariam os preceitos. Leriam e cantariam os sutras, mas se interessariam pelo zazen. Seria difícil encontrar pessoas que praticassem zazen e compreendessem o ensinamento. Isto é verdade realmente. As pessoas hoje em dia não observam os preceitos.

E, em mappo, as pessoas estariam envolvidas com as idéias de vazio e ser, mas não compreenderiam o que elas realmente significam. Falamos sobre vazio e vocês podem compreendê-lo. Mas mesmo que vocês possam explicar muito bem, é ji, não é ri. O vazio real será experimentado – não experimentado, mas realizado – através da boa prática. Desta forma, a finalidade do Sandokai é deixar claro o que é vazio, o que é ser, o que é escuridão, o que é claridade, qual é a verdadeira fonte do ensinamento, e quem são os vários seres que são amparados pela verdadeira fonte do ensinamento.