27 dezembro 2009

COMO SENTAR EM ZAZEN



Ao fazermos zazen, é desejável que tenhamos um quarto calmo. Devemos ser moderados no comer e beber.

O texto do Fukanzazengi visto até agora é basicamente um prefácio. De agora em diante, chegamos ao núcleo real do zazen. Em resumo, zazen não é um meio. Uma vez que já é o resultado, zazen é a condição onde corpo e mente caíram. Como o zazen é o resultado final, eu gostaria que vocês compreendessem que, no caso do Zen, não se trata de fazer algo daqui em diante. Causa e efeito são simultâneos. Por favor, entendam que o zazen não é um meio de atingir algo – ele é o resultado final. O problema é que enquanto estamos exatamente no meio do resultado, nós não podemos verificá-lo como sendo nosso. Por esta razão, ainda que sejamos o próprio resultado, nós vamos buscar outro resultado. Isto não está de acordo com o Dharma. No entanto, o hábito de buscar resultados nos é trazido pelo funcionamento do eu-ego. Por isto é que preciso esquecer este eu-ego.

Porque não podemos verificar diretamente o resultado como-ele-é? Eu gostaria de lembrar-lhes que isto é devido à ignorância “sem começo”. Esta ignorância é algo que todos os budas do passado certamente possuíram, incluindo o Buda Xaquiamuni e Bodhidharma. Ninguém nasce um buda. Eu gostaria de enfatizar isso. Xaquiamuni, antes de realizar a unicidade com a estrela da manhã, vivia numa condição de ilusão e ignorância, tal como nós agora. Sua mente não estava em paz e ele estava no meio de um grande conflito do qual não conseguia se libertar. Ele estava exatamente na mesma situação difícil em que nos encontramos agora.

É melhor praticar o zazen num lugar tão quieto quanto possível. Aqueles que são novatos no zazen estão particularmente vulneráveis a distrações que vêm de fora. Por esta razão, escolham um lugar com tão poucas distrações quanto possível. Também comam e bebam moderadamente – muita comida fará com que nos sintamos sonolentos.
(Primeira parte do 3º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

17 dezembro 2009

RENUNCIANDO AO EU-EGO


“Devemos prestar atenção ao fato que mesmo o Buda Shakyamuni praticou zazen durante seis anos. Dizem também que Bodidharma teve que praticar zazen no templo de Shao-lin durante nove anos para poder transmitir a mente-de-Buda. Já que estes sábios de antanho eram tão diligentes, como podem os praticantes do dia presente deixarem de praticar o zazen? Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós mesmos”[“Aprendam o passo atrás que acende a luz interior para iluminar o Eu”].

Aqui Dogen nos adverte para que não sejamos negligentes com nossa prática. E devemos também notar que não podemos encontrar Zen ou iluminação nos registros deixados pelo Buda Xaquiamuni, Bodhidharma ou outros iluminados que transmitiram o Dharma. Demos lembrar quando praticamos que a prática Zen requer que devamos “parar de correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós mesmos”. “Correr atrás de palavras e de letras” refere-se ao reino da consciência. Significa que não importa quantos sutras e comentários vocês tenham lido, ou quantas palestras sobre os registros dos budas e iluminados vocês tenham escutado, tudo isto ocorre no reino da consciência. Vocês nunca deixam o reino da consciência.

Como devemos cuidar de esquecer o ego-eu? Quando vocês perceberem – quando vocês virem ou ouvirem e assim por diante – façam cada coisa voltar para trás para vocês mesmos. Este é o “passo atrás que acende a luz interior”. Então perguntem, “Quem é que vê?” "Quem é que ouve?” Perseguindo e estudando isto, a divisão entre a coisa vendo e a coisa vista desaparecerá. Isto quer dizer que quando vocês virem, façam-no completamente, e quando ouvirem, façam-no rigorosamente.

Alguns dentre em vocês que estão fazendo shinkantaza receberam instruções para se imaginarem temporariamente como um espelho. Nem o próprio espelho que reflete uma imagem nem a imagem refletida no espelho se dão conta do que está acontecendo. Disseram para vocês se sentarem como um espelho desta maneira. Mas a coisa estranha é que as pessoas habitualmente checam para ver o que está refletido no espelho. Eu penso que esta é a condição contínua do zazen de vocês. Esta espiadela para ver o que está no espelho é que chamamos de função da consciência do ego-eu. Isto tem que parar.

Uma outra expressão de Dogen, similar ao “dar um passo atrás para realizar o Caminho”, é “Levantar o Eu e levá-lo adiante para verificar as coisas chama-se ilusão. Quando as coisas aparecem e confirmam o Eu, isto se chama iluminação”.

Ao fazermos isso, nosso corpo e mente naturalmente cairão fora, e nossa natureza original de Buda aparecerá. Se desejarmos realizar a sabedoria do Buda, devemos começar a praticar imediatamente.

Quando vocês perseveram nessa prática de esquecer o eu pequeno e individual, corpo e mente cairão naturalmente. Não esperem até amanhã para fazerem as coisas sobre as quais lhes tenho falado. Não esperem até que tenham compreendido rigorosamente o princípio. Façam o esforço imediatamente agora. “Imediatamente” quer dizer sem a intervenção de pensamentos. Há uma expressão “esquecer sentando”. Eu gostaria que vocês se absorvessem em zazen até o ponto em que se esquecessem sentando.
(Última parte do 2º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

14 novembro 2009

RENUNCIANDO AO EU-EGO


Creem que já ganharam o caminho, iluminaram suas mentes, e ganharam o poder de tocar os céus. Creem que estão perambulando no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o caminho absoluto, que está além da iluminação mesma.

Aqui se trata do “poder de tocar os céus” que a pessoa imagina que passou a ter por ganhar o Caminho, ou por ter tido um kensho. A despeito de quão real esta condição possa parecer, a mente, na realidade, está dispersa. Na vida real, não terá nenhuma utilidade.

Quando vocês têm um vislumbre de uma sala através da porta, nada sabem do que realmente está lá dentro. Deste modo, só pode acabar como uma grande fantasia para vocês. Dizer, “É isso!”, não terá qualquer significado. Algumas pessoas ridicularizam esse tipo de compreensão como equivalente ao de alguém que simplesmente deu a si próprio o diploma de médico. Para compreender verdadeiramente – realmente saber ou ver – é “não saber”. A verdadeira sabedoria é “saber, mas sem que permaneça qualquer percepção daquele saber”.

Anteriormente, as palavras “orgulhosas de suas compreensões” apareceram. Estar orgulhoso significa sentir-se melhor que outro. Vocês devem se dar conta de outros para que se sintam orgulhosos. Estar orgulhoso em comparação com outra pessoa é perceber um objeto simplesmente para sentir-se orgulhoso. Suas ideias ainda não desapareceram completamente. Este é um terreno que vocês devem observar e examinar.

Em algum momento da prática, vocês podem se encontrar perplexos, confrontando “a montanha de prata, a montanha de ferro”. Por favor, não lancem mão de macetes para tentar romper esta montanha. O único caminho para a grande iluminação ocorrer consiste em ser “a montanha de prata, a montanha de ferro” que está à frente de seu caminho. Eu gostaria que vocês se exercitassem ainda mais. Não se refreiem enquanto continuam a sentar.

É possível esquecer o ego a qualquer tempo em qualquer lugar. Em relação ao caminho do zazen, não qualquer correlação com o tamanho da experiência da pessoa. Esquecer o eu-ego é algo que certamente pode ser feito por qualquer um, a despeito de quão profunda ou prolongada foi sua experiência. De certa forma é vantagem ter pouca experiência em zazen e pouco conhecimento do Zen. A razão é que quando vocês sabem pouco sobre a teoria ou ensinamento do Zen, vocês não ficam o tempo todo comparando o que vocês sabem com suas condições atuais. Por outro lado, quanto mais experiência e conhecimento vocês tiverem do Zen, mais provável que, sem se darem conta, verifiquem a condição de seu zazen com o que vocês conhecem.
(4ª parte do 2º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

25 outubro 2009

RENUNCIANDO AO EU-EGO

Por exemplo, algumas pessoas estão orgulhosas de suas compreensões, e acham que estão ricamente agraciadas com a sabedoria do Buda.

A despeito do quão maravilhosamente vocês possam explicar o Budismo e o zazen, não importa o quanto vocês tenham aprendido de outros sobre a iluminação e o vazio, se não for algo verdadeiramente de vocês, isto é nada. Apenas por pronunciar a palavra “fogo”, suas bocas não queimam, e apenas por pensar em comer, seus estômagos não se enchem. O que aprendem de outros não é o bastante.

Muitas pessoas dizem coisas assim, “Eu tive uma experiência de esquecer-me de mim mesmo, mas agora não é mais assim”. Contudo, a questão é a condição exatamente agora. A experiência passada não é a questão. Não se trata de obter um lampejo de algo como o Dharma ou o sentimento de como é esquecer o eu-ego.

Faz muito tempo, um monge Zen esqueceu-se de si mesmo ao ver uma flor. Do mesmo modo, Kyogen despojou-se de corpo e mente ao ouvir um som. Algumas pessoas ficaram muito enfermas porque ao ouvir essas histórias elas comparam suas próprias experiências com as experiências de pessoas do passado. Elas imaginam que sua condição é a mesma e tornam-se presas disto, ainda que tenham sido elas próprias que a criaram.

Associada à expressão “orgulhosas de suas compreensões”, devo mencionar a história de um monge, faz muito tempo atrás, chamado Daie, que dizia, “Tive dezoito grandes iluminações e mais umas pequenas que posso contar”. O que isto quer dizer? Todas elas, grandes ou pequenas, foram falsas, não foram genuínas. Satori não é uma coisa que acontece duas vezes. Acontece apenas uma. Em outras palavras, não é uma experiência.

Quando tomamos banho, usamos um pano para nos lavar. Quando terminamos, torcemos o pano até que não tenha mais água. Depois de certo tempo, se torcermos de novo, mais água pode sair do pano. Mesmo quando repetimos isto várias vezes, é difícil secá-lo completamente. A iluminação deve ser como um pano que foi torcido até ficar completamente seco.

Por essa razão, tanto o Buda Xaquiamuni quanto Bodhidharma, padeceram muitas dores e sofrimentos fazendo zazen. A mensagem aqui é que a prática não termina com um mero “lampejo de sabedoria”, ou depois de esquecer o ego várias vezes. Abandonar corpo e mente necessita ser feito apenas uma vez. Da mesma forma, quando se resolve verdadeiramente um koan, então deve ser possível resolver todos os outros.
(3ª parte do 2º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

16 outubro 2009

Homenagem a John Daido Loori, falecido dia 9 de outubro passado, sucessor de Taizan Maezumi

RENUNCIANDO AO EU-EGO


Do ponto de vista do Dharma, nós somos essencialmente a própria liberdade. Nós já somos liberados, um corpo completamente livre. Mas do ponto de vista do eu-ego, não é nada assim. Todos os tipos de restrições surgem por conta do eu-ego. Continuemos com o texto.

"Contudo, o fato é que se houver a menor diferença desde o começo, entre você e o caminho, o resultado será uma separação maior ainda que aquela entre o céu e a terra".

Se o eu-ego for percebido mesmo no menor detalhe, quanto mais vocês praticarem, mais vocês se afastarão do Caminho, do Dharma e do Zen. Vocês se distanciarão cada vez mais das coisas.

"Se surgir o menor pensamento dualista, perderás tua mente de Buda".
ou
"Se o menor gostar ou não gostar surge, a mente se perde em confusão".


Porque não sabemos que o caminho é essencialmente um, ficamos aborrecidos quando não gostamos de algo e mergulhamos em desejos quando gostamos de algo. Daí a expressão “se o menor gostar ou não gostar surge” (pensamento dualista).

“A mente se perde em confusão” (“perderás tua mente de Buda”) refere-se a perda e ganho ou amor e ódio, isto e aquilo, bom e mau. Isto significa ver uma coisa como duas. Estas duas coisas colidem e caem no reino dos demônios lutadores, ou asuras. Chega ao ponto em que duvidamos até mesmo do significado de nossa existência como seres humanos. Isto acontece porque não esclarecemos a natureza de nossa mente real, de nosso Eu verdadeiro, ou da Verdade. Como se diz frequentemente, a ilusão consiste em ver uma coisa como duas. É o sofrimento de dividir e comparar. Iluminação significa realizar que enquanto as coisas estão separadas, essencialmente tudo é um.

Deste ponto em diante no Fukanzazengi, Dogen escreve sobre várias precauções que se deve tomar no que diz respeito ao caminho da prática. Ele assim procede para corrigir os erros que surgem na prática de tal forma que possamos nos mover na direção correta. De qualquer modo, o objetivo primário é esquecer o eu-ego.

Todo o dia recitamos os “Quatro votos do Bodhisattva”. O primeiro voto é conduzir todos os seres do lado da ilusão para o lado da iluminação. A fim de conseguir isto, o segundo voto é eliminar todas as paixões ilusórias, por mais que inexauríveis. O terceiro voto é estudar todos os ensinamentos do Dharma, por mais numerosos que sejam. São os ensinamentos do Buda Xaquiamuni, os chamados 84.000 portões do Dharma. Finalmente, fazemos o voto de alcançar o intransponível Caminho do Buda. Este é o voto que fazemos para esclarecer o Caminho, em outras palavras, o esforço que prometemos fazer para compreender o Eu verdadeiro.

Recitamos esses versos de novo e de novo para que nossa prática não se encerre simplesmente na nossa auto-satisfação.
(1ª e 2ª partes do 2º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

08 outubro 2009

Ítaca

Se partires um dia rumo a Ítaca,
faz votos de que o caminho seja longo,
repleto de aventuras, repleto de saber.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o colérico Posídon te intimidem;
eles no teu caminho jamais encontrará
se altivo for teu pensamento, se sutil
emoção teu corpo e teu espírito tocar.
Nem Lestrigões nem os Ciclopes
nem o bravio Posídon hás de ver,
se tu mesmo não os levares dentro da alma,
se tua alma não os puser diante de ti.
Faz votos de que o caminho seja longo.
Numerosas serão as manhãs de verão
nas quais, com que prazer, com que alegria,
tu hás de entrar pela primeira vez um porto
para correr as lojas dos fenícios
e belas mercancias adquirir:
madrepérolas, corais, âmbares, ébanos,
e perfumes sensuais de toda a espécie,
quanto houver de aromas deleitosos.
A muitas cidades do Egito peregrina
para aprender, para aprender dos doutos.
Tem todo o tempo Ítaca na mente.
Estás predestinado a ali chegar.
Mas não apresses a viagem nunca.
Melhor muitos anos levares de jornada
e fundeares na ilha velho enfim,
rico de quanto ganhaste no caminho,
sem esperar riquezas que Ítaca te desse.
Uma bela viagem deu-te Ítaca.
Sem ela não te ponhas a caminho.
Mais do que isso não lhe cumpre dar-te.
Ítaca não te iludiu, se a achas pobre.
Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,
e agora sabes o que significam Ítacas.
(Konstantin Kafavis, trad. José Paulo Paes)

06 outubro 2009

VOCÊ JÁ ESTÁ NO CAMINHO


“O caminho está completamente presente exatamente onde estás,
Então do que adianta a prática?”

“Exatamente onde estás” é aqui, exatamente agora. Agora. Agora. Agora. Isto quer dizer residindo pacificamente aqui exatamente agora. Não é bom procurar o Caminho em outro lugar que não aquele onde se está exatamente agora. Uma vez que o Caminho está sempre exatamente aqui, essencialmente não há necessidade de shikantaza, prática de koans, ou de acompanhar a respiração. Resumindo uma vez mais, “exatamente aqui”, também pode ser expresso de outras maneiras, tais como “pacificamente habitando dentro da lei da causalidade”. De outro modo não há caminho para a prática. Se vocês podem viver desta forma, então não há necessidade de dar nem mesmo um passo na direção da prática.

Esta passagem é sobre a condição exatamente agora e a condição da prática. Essas palavras foram escritas a partir da perspectiva de alguém que alcançou o Dharma. Do ponto de vista do Dharma, não há dúvida de que é este caminho. Mas não é assim para as pessoas. A despeito do quanto saibam, as paixões ilusórias (cobiça, raiva e ignorância) ou a iluminação sempre lhes acompanham. Consequentemente, o estado real da suas vidas será de sofrimento.

Os seres humanos experimentam uma ampla gama de estados emocionais e racionais, incluindo alegria, raiva, tristeza, compreensão e não compreensão. Todos são parte do Dharma ou Caminho. Nós podemos livremente sentir essas coisas, livremente pensar essas coisas. Que outra liberdade além desta estariam procurando? Eu realmente gostaria que vocês acreditassem que, nas nossas condições atuais, nós estamos dotados do Dharma, neste caminho.

Durante os quarenta e nove anos que o Buda Xaquiamuni expôs o Dharma, ele nunca disse, “Acreditem em mim”. Diferentemente, ele sempre disse, “Acreditem no Dharma. Acreditem em vocês mesmos”. Isto é algo em que vocês devem acreditar resolutamente. Se não o fizerem, sua prática não será clara. Porque vocês não podem acreditar completamente que a prática do Zen é o estudo de si mesmo, é que vocês começam a procurar o Dharma no raciocínio ou nos ensinamentos de Budismo. Ou procurar em outro lugar e sair correndo para a direção oposta. Esta parece ser a sua condição atual.

A prática do Amida Butsu, ou Amithaba, é disseminada no Japão. Eu acho que muitos de vocês sabem que ela envolve a recitação de “Namu Amida Butsu” enquanto se faz uma prostração. No Zen Budismo, uma pessoa que recita “Namu Amida Butsu” já é Amida Butsu. O objeto em direção ao qual as pessoas se prostram, principalmente Amida Butsu, e a pessoa que está fazendo a prostração são uma coisa só.

Esta parte agora é muito importante. Quando você resolveu acreditar, não é bom que a crença permaneça. Acreditar quer dizer que há alguém (“você”) que está acreditando. Em outras palavras, quando se acredita em algo verdadeiramente, a crença deve desaparecer. Eu gostaria que vocês compreendessem claramente que devem abandonar aquilo em que estão acreditando. A condição da crença pura é absoluta. É uma condição onde dúvidas e crença, num sentido dualístico, desapareceram. Crença e dúvida, crença e descrença são, ao fim, as ideias de pessoas. A condição onde crença e dúvida desapareceram é o que chamamos de “Dharma” ou “Caminho” ou “agora”.

Há uma metáfora que ilustra o quão isto é difícil. É comparável à imensa improbabilidade de, tendo uma agulha caído no fundo do mar, um fio de seda que caia do céu passe pelo buraco daquela agulha.
(6ª e última parte do 1º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

30 setembro 2009

“Na verdade, o corpo completo da realidade está muito longe da poeira do mundo”

Todos os fenômenos do mundo que percebemos e observamos são o Dharma e o próprio Caminho. Isto é “o corpo completo da realidade”. Naturalmente, isto quer dizer que não há a menor possibilidade de que poeira suja, como as paixões ilusórias ou a iluminação, ilusão ou realização, possa entrar.

“Quem pode crer em algum meio de limpá-lo?”

Como não há pó ou sujeira, então não há qualquer necessidade de limpeza. Neste ponto eu gostaria de relatar a anedota envolvendo Daiman Konin, o Quinto Patriarca na China depois de Bodhidharma.

A fim de escolher seu sucessor, Daiman Konin arranjou uma maneira de testar os monges quanto ao verdadeiro Eu. Inicialmente, um monge chamado Jinshu deu a seguinte resposta: “Nossa condição é como um espelho. Devemos sempre limpá-lo, de outro modo naturalmente ficará turvo. Constantemente se esforcem para mantê-lo limpo; nunca o deixem que se encha de poeira”.

Em resposta a isto, Daikan Eno, outro monge que praticava com Daiman Konin, escreveu: “Essencialmente nada há. Onde podem a poeira e a sujeira se acumular?” “Essencialmente nada há” significa que fundamentalmente todas as coisas surgem por conta da lei da causação e consequentemente não têm substância. Como não há substância, poeira e sujeira – em outras palavras, as paixões ilusórias e a iluminação – não podem se acumular em lugar algum. Esta foi a maneira que ele respondeu à questão. Eu creio que está claro para todos vocês quem passou no teste. Naturalmente, foi Daikan Eno, conhecido como Huineng em chinês.

Entretanto, se não tivéssemos escutado os ensinamentos budistas e fôssemos pensar na prática no sentido comumente aceito, teria sido mais fácil aceitar a resposta de Jinshu, “Constantemente se esforcem para mantê-lo limpo; nunca o deixem que se encha de poeira”. Esta parece ser a maneira correta de praticar, mas é completamente equivocada. Esses dois pontos de vista estão tão separados como o céu e a terra.
(4ª e 5ª partes do 1º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

26 setembro 2009

VOCÊ JÁ ESTÁ NO CAMINHO

O ensinamento supremo é livre,
então porque deveríamos estudar os meios de atingi-lo?

O ensinamento supremo, o veículo do Dharma, é o meio de dar vida e utilizar o Caminho. Como ele é utilizado? Você pode imaginá-lo como um barco no qual todas as coisas são carregadas para a outra margem. “Porque deveríamos estudar os meios para atingi-lo?” Esta é a maneira de esquecer a si mesmo (“eu”) sendo sinceramente cada coisa. É isto propriamente tudo que é necessário. Porque, então, é preciso gastar tempo concentrando na prática?

Às vezes falo do zazen do corpo, fala e pensamento. Zazen do corpo é a forma de zazen quando estamos sentando. É a condição do zazen samadhi. Samadhi da prática até o ponto em que não há a menor margem para a entrada do pensamento. Zazen da fala são os sutras que recitamos pela manhã – basta recitar o Sutra do Coração e os Quatros Votos do Bodhisatava”. Zazen do pensamento inclui idéias misturadas e outros pensamentos tais como fazer planos. Zazen do corpo, fala e pensamento, todos ocorrem separadamente da consciência do eu-ego. O veículo do Dharma funciona ativamente desta forma.
(3ª parte do 1º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

05 setembro 2009

VOCÊ JÁ ESTÁ NO CAMINHO

Torna-se desnecessário distinguir entre “prática” e “iluminação.”
Nós já estamos no meio do caminho. Nós já estamos no meio da Verdade. Não há necessidade, então, de qualquer meio ou procedimento para a prática ou libertação, para a iluminação ou kensho. Estas coisas são todas completamente desnecessárias. Basta deixar as coisas como elas são, esquecendo o eu-ego, que é o objetivo, o objetivo final da prática.

Uma coisa que eu gostaria de adverti-los é que acabo de enunciar uma explicação do ponto de vista do Dharma, de como é dentro do Dharma. Mas não é tão fácil do ponto de vista dos seres humanos. Vocês estão fazendo um grande esforço e sofrendo dores consideráveis porque não estão livres do eu-ego. O ego-consciência de si é extremamente tenaz nessa maneira. Eu gostaria de adverti-los de novo e de novo para que não escutem apenas a explicação de como ele é sob a telha do Dharma. Por favor, não aceitem simplesmente uma explicação dele.
(2ª parte do 1º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

28 agosto 2009

VOCÊ JÁ ESTÁ NO CAMINHO


"Agora, quando buscamos o Caminho,
descobrimos que é universal e completo".

Nessas palavras de abertura, "buscamos" significa que devemos buscar até que tenhamos esclarecido que "o zazen é zazen". "Buscar até que compreendamos verdadeiramente" é o significado da primeira frase. "Agora" significa que deste momento em diante é o ponto de partida para a maneira correta de observar.

O "Caminho" refere-se ao "Caminho de Buda", a que "a mente cotidiana é o Caminho". É cada aspecto da nossa vida. A única diferença entre alguém que já percebeu isto e alguém que não percebeu, é se o eu-ego próprio intervém ou não. Antes de surgirem as suas opiniões, você já é um com cada coisa. Portanto, quando quer que, onde quer que e quaisquer pensamentos surjam, já estamos bem no meio do Caminho, não importa o que estejamos fazendo. Somos pessoas do Caminho. Estamos no meio do resultado, nós somos pessoas que vivem no meio dos resultados.

Em outra obra do mestre Zen Dogen, Gakudo-yojinshu (Orientações para a prática budista), há uma pedaço importante no contexto da nossa busca do Caminho. Aqui está a passagem:

"Primeiro, você deve acreditar que você já está dentro do Caminho. Você tem que acreditar que você está livre de ilusão, de pensamentos ilusórios, ideias confusas, aumento e diminuição, e da compreensão equivocada. Acreditando desta forma, esclareça o Caminho e pratique em conformidade. Esta é a essência do estudo do Caminho".
Como eu disse anteriormente, já estamos no Caminho, portanto, não há ilusão, não há pensamentos ilusórios, nem ideias confusas, nem aumento ou diminuição, e nenhum entendimento equivocado. Estamos livres dessas coisas. Normalmente diríamos exatamente o contrário, pensamos que estamos iludidos com pensamentos ilusórios, ideias confusas, aumento e diminuição, e com entendimento equivocado, mas na prática budista já estamos separados dessas coisas. A passagem acima nos pede para acreditar nisso como um primeiro passo e, em seguida, entrar no Caminho.

Estas palavras foram escritas por Dogen após sua libertação, depois de ter "lançado fora corpo e mente". Em nossa vida diária, como disse, delírio, ilusão e ideias confusas são um fato, são uma realidade inegável para as pessoas. Para simplesmente aceitar esse fato, esta realidade tal como ela é, é o primeiro passo na prática. É a primeira orientação na prática budista.

Estas cinco coisas, ilusão, pensamentos ilusórios, ideias confusas, aumento e diminuição, e o entendimento equivocado, é o que costumamos chamar de paixões que iludem. Para bodhisattvas, estas cinco ilusões, estas realidades, são a iluminação, mas para uma pessoa comum estes cinco aspectos da iluminação são paixões que iludem. Dependendo se o eu-ego é esquecido ou não, essas realidades, como elas são, tornam-se iluminação ou ilusões. A diferença é assim profunda.

"Descobrimos que [o Caminho] é universal e completo" quer dizer que o caminho não tem começo nem fim. Não existe nenhuma fonte do Caminho. Quando você considerar isso, examine à luz da expressão Zen "antes de sua mãe e seu pai nasceram". Em outras palavras, onde você estava antes de seus pais nasceram neste mundo?

"Universal e completo" significa que não há arestas a aparar, de modo que os conflitos não surgem em qualquer situação. É impossível para o atrito surgir, porque essencialmente tudo é um só. Isto significa que o Caminho é onipresente e totalmente livre de restrições. Dogen descreveu isto como "a mente flexível". Ele disse: "Enquanto eu estava praticando com Mestre Zen Nyojo, corpo e mente foram lançados fora. Em outras as palavras, 'a mente macia, flexível, foi alcançada." Independentemente do ambiente, uma mente macia, flexível não é áspera ou angulosa. É a mente que tem a liberdade de ser una com cada coisa. Isto é expressado por "universal e completo".
(1ª parte do 1º Comentário de Harada sobre o Fukanzazengi)

19 agosto 2009

Zazen

Meia-noite é a verdadeira luz,
A alvorada não é clara.

Estejam muito atentos com a sua postura. Em nossa linhagem do Zen, é pela postura que temos acesso ao espírito correto. Inclinação da bacia é importante, a posição da nuca, a posição das mãos, o olhar: os olhos estão semicerrados, deixando a luz penetrar, mas não vêem nada. Eles estão em repouso.

Meia-noite é a verdadeira luz, a alvorada não é clara.

O poema de Tozan, Hokyozanmai, "O samadhi do espelho precioso", que foi escrito no início do século IX, a idade de ouro do Chan, do Zen, está cheio de imagens poéticas como esta, que visam fazer-nos saborear a inefável, a indizível sabedoria do zazen, dos Patriarcas.

Como no início: "Uma bandeja de prata cheia de neve branca, uma garça coberta pela luz da lua, parecem-se, mas não são iguais, juntando-as, sabemos que são". Ou ainda: "Afastar-se ou tocar: ambos estão errados, pois é como um grande fogo, útil, mas perigoso".

Não há pesquisa literária ou busca de efeito, trata-se simplesmente de se aproximar o mais possível do que é a consciência hishiryo, a justa distância, a justa distância entre sujeito e objeto, a justa distância em relação aos nossos pensamentos, a justa distância em relação às nossas ilusões, a justa distância em relação ao satori, em relação ao despertar.

Outro verso do poema diz: " Não sois o reflexo, mas na verdade sois vós. " O reflexo sou eu, tudo o que é refletido no espelho precioso, no espelho do samadhi, no espelho do corpo-espírito da postura, sou eu. Não há nada em jogo senão eu próprio. "Resolver o caso de toda uma vida", disse Dogen. "Resolver sua dúvida", disse Deshimaru ... E, ao mesmo tempo, eu não sou o reflexo. Se eu me identifico com o reflexo, seja como ilusão ou como satori, como pensamento ou como não-pensamento, eu perco o fio da meada. "Afastar-se ou tocar: ambos estão errados, pois é como um grande fogo." É isto mesmo, hishiryo. Não se deixar apanhar nem pelo pensamento, nem pelo não-pensamento. Não ser dependente de nada.

Quando se encontra a justa distância, através da prática do zazen, vis-à-vis aos nossos mecanismos mentais, às nossas operações compulsivas, então aparece a profunda sabedoria, a sabedoria cósmica, que não é individual, não é pessoal, não é uma invenção do ego, que é não nascido, não criado, que nos precede e nos engloba.

Meia-noite é a verdadeira luz, a alvorada não é clara.

Esta é a verdadeira intimidade com si próprio. Não nos deixamos mais distrair pelos nossos pensamentos, nem por nossa fadiga... Assim, peço-lhes, não desperdicem seu tempo. Não sigam seus sonhos, seus pensamentos... Aqueles que têm alguma prática de zazen sabem que os dias passam muito rapidamente. Mal se tem o tempo de deixar desabrochar o que há de mais precioso, e eis que tudo já terminou.
(kusen de Luc Brossard, discípulo de Deshimaru)

17 agosto 2009

Zazen

Meia-noite é a verdadeira luz,
A alvorada não é clara.

Isto quer dizer que tudo o que apreendemos na nossa consciência pessoal por nosso ego, por nossas categorias mentais, é turvo, embaçado, artificial. A verdadeira luz apenas surge no silêncio interior, na ausência de opinião, no recolhimento e na renúncia de si-mesmo.

É por isso que não devemos apegar-nos às idéias que nos atravessam, às impressões. É por isso que não se deve tentar construir qualquer coisa. A única verdadeira clareza, a da meia-noite, é aquela que se expressa espontaneamente, naturalmente, quando se deixa de lado qualquer interferência.

O sentido próprio dessa frase é a realidade autêntica, essencial do zazen, de nossa prática. É por isso que em zazen, podemos descarregar o nosso fardo, podemos esquecer as nossas tristezas, todos os nossos esforços, toda a nossa ansiedade. Basta estarmos simplesmente presentes em nosso corpo-mente, alerta, desperto.

Meia-noite é a verdadeira luz, a alvorada não é clara.

Isto quer dizer que estamos completamente livres, desobrigados da necessidade de obter, de conseguir qualquer coisa pelo nosso esforço pessoal, por nossa vontade, por nossa intenção. Isto não depende de nós. Precisamos apenas investir na postura, corpo e espírito unificados. Isto, sim, cada um de nós consegue fazer o melhor que pode.

Alongar a região lombar, esticar a coluna, puxar o queixo, empurrar o céu com a cabeça, relaxar as tensões nos ombros e nas costas, colocar as mãos contra o abdome inferior e deixar os cotovelos ligeiramente afastados do corpo, soltar completamente a massa abdominal, deixar a respiração se tornar fluida, ampla e descer abaixo do umbigo com a expiração. Não seguir, não entreter seus pensamentos, não se opor a nada. Assim, espontaneamente, a mente se torna mais clara.
(kusen de Luc Brossard, discípulo de Deshimaru)

Como fazer zazen: http://global.sotozen-net.or.jp/por/how_to_do_zazen.html


01 agosto 2009

Hokyo Zanmai - 33º Comentário de Deshimaru

Seguir assim,
é ser chamado de mestre entre os mestres.

O que significa “mestre entre os mestres”? Significa a essência na essência, o Rei no Rei, o segredo no segredo, é o quarto Go I; "seguir assim" é realizar o Dharma.

Retomemos uma história já contada:

Mestre Tozan, acompanhado por um outro monge, seguia um caminho que o conduziu a uma região de montanhas selvagens e profundas. Numa clareira, um pequeno riacho fluía, eles viram um pedaço de legume flutuando na água. “Certamente um eremita vive nesta montanha”, pensaram, e penetraram mais profundamente na floresta. Finalmente, eles encontraram um velho monge que vivia em uma pequena ermida.

“Por que você vive assim nesta montanha?” Eles lhe perguntaram.

O velho monge, que tinha uma barba branca muito comprida, lhes respondeu:

"Dois touros sujos e cobertos de lama lutavam. Os dois se precipitaram no mar e nunca mais voltaram”.

Tozan, em seguida, fez outra pergunta: “O mestre entre os mestres, o segredo no segredo. Qual é o seu significado? Qual é a coisa primordial?”

E o velho ermitão respondeu:

“Vocês não a encontrarão do lado de fora da porta. Aquilo está encerrado.”

Desde o “Assim é o Dharma” da primeira estrofe ao “mestre entre os mestres” da última, o texto do Hokyo Zanmai forma uma argola, um círculo, um anel, o anel do Caminho. Não existe começo nem fim. Se quisermos alcançar “aquilo”, é preciso compreender o sujeito no sujeito; e o sujeito no sujeito nos remete à realização do “aquilo”.

Apenas a consciência cósmica pode realizar isso automaticamente, inconscientemente, naturalmente, graças ao za-zen.

Eu vos conduzi à margem do rio, cabe a vós saborear a água!

25 julho 2009

Hokyo Zanmai - 32º Comentário de Deshimaru

Escondei vossa prática, agi discretamente,
aparentai como um louco ou um idiota.

Estar demasiadamente íntimo, em uma relação estreita demais com a verdade, é uma deficiência para compreendê-la. Nós não podemos ver a montanha quando estamos no cume. Se somos muito íntimos das pessoas, e muito próximos delas, não podemos compreender seus pontos importantes. Mas a verdade longínqua torna-se secreta e misteriosa. Se estamos muito perto do mundo sexual, muito íntimos, a sua importância diminui, em contrapartida, muito longe, o mundo sexual assume um grande significado, e os desejos crescem.

Não ficar muito próximo, não se afastar demais: é o Caminho do meio no budismo.

"Não é preciso perseguir a verdade, nem dela escapar”, lê-se no Shodoka. O Zen não é nem muito íntimo com a verdade, nem muito distante dela. Esta é, sem dúvida, uma aparente contradição, mas é preciso ainda abraçar os extremos.

Mestre Kezan escreveu: "A aparência exterior do monge Zen dever ser como a luz do farol sob o sol do meio-dia”. A montanha e os campos banhados em silêncio, sem movimento, mas a cada ano, a relva viva renasce. A grande terra silenciosa é pesada e imóvel... O monge Soto Zen deve ter o corpo em harmonia com a vida social, e a mente brincando com a criação da natureza.

Eis uma história Taoísta a esse respeito:

Um amigo de So-Tsu disse: "No meu jardim existe uma grande árvore, uma árvore Cho (carvalho). Seus ramos são nodosos, sinuosos, irregulares e os brotos são tão retorcidos que não servem para nada".

Esta árvore cresceu à beira da estrada, e era tão pouco interessante e atraente que ninguém prestava atenção. Não era uma árvore "útil".

Alguns disseram a So-Tsu: "Sua ensinamento é como este carvalho, muito profundo e muito grande, mas pouco útil na vida quotidiana”.

So-Tsu disse: "Você conhece o texugo e seu método de caça? Oculto, achatado no terreno, assiste os ratos brincando e, em seguida, com um salto rápido, pega um. Este animal é muito inteligente e circunspecto. Sua técnica de caça é excelente. No entanto, por vezes, cai nas armadilhas do homem e se deixa matar. O búfalo selvagem, ao contrário do texugo, tem uma cabeça grande como uma nuvem. Não sendo comestível, é perfeitamente desnecessário. Sem inteligência, não conseguindo nem mesmo perseguir um rato, ele se contenta em comer capim. Ele vive sossegadamente em grandes pradarias. Ele não cai em armadilhas como o texugo”.

E So-Tsu continuou: "Perto do caminho, no meu jardim, esta grande árvore inútil ... eu não me importo com ela. Vocês podem replantá-la em um campo nas proximidades ou em outro terreno. Por favor, saboreiem a vida à vontade, facilmente, calmamente, debaixo desta árvore. Esta árvore, inutilizável, nunca será abatida e sua vida será longa. Ela não conhece nem medo nem ansiedade, não se preocupem com ela".

Assim é o monge Zen.

16 julho 2009

Hokyo Zanmai - 31º Comentário de Deshimaru

Não seguir não é o dever filial do filho,
Não obedecer não é ser um verdadeiro súdito.

O filho que não segue o pai não tem nenhum sentimento filial. Os súditos que não obedecem ao rei, não são seus assistentes. Seguir, obedecer, significa, de fato, entrar em harmonia com a ordem cósmica.

Esta ordem tem uma importância essencial. Se ela é esquecida, tudo se quebra, e a felicidade não pode ser alcançada.

10 julho 2009

Hokyo Zanmai - 30º Comentário de Deshimaru

O súdito deve obedecer ao rei,
O filho deve seguir seu pai.


Não há qualquer idéia de feudalismo neste versículo. O Rei é a questão mais importante, a verdade eterna. A essência do Zen.

O Buda disse:

"Quando o rei do espírito é justo
Os seis súditos não são
Nem bem nem mal".

Os “seis súditos”: olhos, orelhas, nariz, língua, corpo e consciência constituem as ilusões e paixões, ou bonnos.

O verdadeiro Rei não pensa sobre seu estado de rei. O verdadeiro Buda não pensa se ele é Buda. Este é o verdadeiro Hishiryo, o "Rei do Samadhi", guardado numerosos súditos.

Numa conferência realizada no Templo de Eihei-ji, as primeiras palavras de Dogen foram estas:

"A preeminência não é nem útil nem eficaz.
Não é necessário, apesar de estarmos adiantados,
concorrermos com os outros discípulos.
Não devemos esperar o grande Satori.
Apenas praticar Dokan, o anel do Caminho.
A incessante continuidade é essencial.
Plenitude, sem falta."

Tudo se torna Dokan, pois o za-zen cria o enredo da vida diária, guia nossas vidas, dia após dia.
Os servos, os súdiots desejam apreender a posição de Rei. Mas eles não podem, porque só um rei pode compreender o segredo desta posição.

Apenas um Buda compreende outro Buda.

O Rei nem sempre é um rei. Os bonnos aparecem. Ele quer comer... fazer amor... ele está triste ... ele se lamenta... É seguir os bonnos. Mas o Rei não pensa um instante em se tornar rei. Ele não pensa um instante em praticar o que já está bem. Nele, o conceito de medo por aquilo que está mal não existe mais. O conceito de ambição para o mais alto cargo não o toca mais. As medalhas e condecorações estão fora de seu pensamento, mas, para os súditos a coroa de ouro e as medalhas do rei são necessárias. O Rei não tem necessidade de praticar za-zen, mas os súditos devem fazê-lo. O Rei, sem súditos, não é um rei, e os súditos, sem o Rei, já não são mais súditos. Ambas as posições devem estar em perfeita unidade e harmonia. Mas apenas o Rei compreende o segredo do Rei. Os súditos não podem delinear Hishiryo, encontrá-lo de maneira exata, mas eles podem compreender mais profundamente os bonnos e, assim, alargar o âmbito da consciência Hishiryo. Os bonnos são sem substância, mas pelo za-zen, podemos aprofundar mais através do Hokyo Zan Mai.

Se quiserdes compreender o estado de Hishiryo, deveis espezinhar toda inteligência comum.

"O homem velho tem o rosto de um bebê, e o filho tem bigodes brancos”, disse o Mestre Jiun.

O filho deve seguir seu pai:

O pai é a montanha, o filho, as nuvens brancas. A montanha verde é o pai das nuvens brancas, e as nuvens brancas são os filhos da grande montanha verde.

25 junho 2009

Hokyo Zanmai - 29º Comentário de Deshimaru

O homem de madeira canta,
a mulher de pedra se levanta e dança.


Este homem de madeira não está excitado sexualmente, ele não experimenta nenhuma sensação particular; apesar disto, ele canta cheio de alegria e felicidade. O poder mágico não foi buscado, ele corre espontaneamente, naturalmente de Hishiryo.

Quando nossas costas começam a coçar e pedimos a alguém que nos coce, há um ponto preciso para ser encontrado, o ponto que é fonte da coceira. Do mesmo modo, devemos atingir o centro da essência do budsmo, isto é, zazen.

"Estamos plenos de felicidade,
o rio perfumado inebria todo o castelo".

O castelo de nosso corpo é secretamente transformado pela essência da transmissão do Buda.

20 junho 2009

Hokyo Zanmai - 28º Comentário de Deshimaru



Hiei, graças à sua grande habilidade,
atingiu o alvo a cem passos.
Mas quando as flechas se encontram em pleno vôo,
como pode ser uma questão de habilidade?

O grande Mestre Hiei tinha um discípulo, Kisho. O discípulo, ingênuo, não conseguia vencer o seu Mestre. O Mestre era o Mestre. O discípulo também esperava a morte de seu mestre... Mas o Mestre, era muito forte e gozava de excelente saúde, não estava prestes a morrer! Kisho decidiu, então, matar seu Mestre. Um dia, quando ele treinava arco e flecha em um campo, o Mestre Hiei cruzou o campo. Neste exato momento, mirou seu Mestre e disparou uma flecha. Mas o Mestre disparou também. As duas flechas encontraram-se em pleno vôo e caíram. O discípulo atirou nove vezes. A cada vez, a flecha do Mestre interrompia a de seu discípulo. Kisho tinha dez flechas. Hiei tinha apenas nove. O discípulo disparou a décima, a última e única flecha. Hiei defendeu-se usando sua lança. Ele interceptou a flecha em pleno vôo com a sua arma.

Nada mais restava a seu discípulo senão fazer sampai. O Mestre e o discípulo se abraçaram.

“Oh! Grande Mestre!
- Oh! Grande Discípulo!"

Seus egos desaparecidos, esvanecidos, eles entraram na eterna relação de pai para filho, de Mestre para discípulo ...

O sol brilha, a lua gira, as nuvens se movem no céu levadas pelo vento, do vale até o cume das montanhas. Os rios correm a partir de sua nascente até o mar. Sempre naturalmente, inconscientemente. A luz está por toda parte. O verdadeiro Mestre se harmoniza com a ordem cósmica ou com a ordem à sua volta. Ele segue a atmosfera, o ambiente, por meios que não são técnicas. Não há mais diferença entre ele e o meio.

14 junho 2009

Toda vez que a manhã está sendo começada nos
meus olhos, é assim...

Essa luz empoçada em avencas.

As avencas são cegas.
Nenhuma flor protege o silêncio quanto elas.

Ó a luz da manhã empoçada em avencas!
(Manoel de Barros, Cadernos de Apontamentos, II)

11 junho 2009

Hokyo Zanmai - 27º Comentário de Deshimaru


Porque a alguns lhes falta algo,
procuram
assentos preciosos ou vestes adornadas.
Porque outros têm uma ampla visão,
gatos
e vacas brancas.

Qual é o espírito de horror, medo, que os mestres da transmissão devem mudar? Como os homens se sentem fracos, os mestres da transmissão devem seguir a ordem social, como os animais domésticos, como gatos ou vacas. Os homens, ou a maioria deles, possuem a mais elevada verdade, o satori. Eles têm medo de usar estes ítens raros, essas coisas que eles consideram como tesouros, porque eles não são nem rei nem imperador. Também são obrigados, pois o desejam, a abandonar o caminho que, segundo sua opinião, é um artigo raro e valioso. No Sutra do Lotus, pode-se ler este método de ensino:

“O Buda, ou o Mestre, deve encontrar uma maneira de penetrar nos intestinos do asno ou a cavalo.

Era uma vez um filho de um rico proprietário de terras que se tornou mendigo, vagando por muitos anos. Separado de sua família por um longo período, ele tinha esquecido o rosto de seus pais e de seu lar. Mas, um dia, as circunstâncias fizeram com que ele se encontrasse em frente a uma bela casa. Considerando cada elemento da casa como tesouro, janelas, cortinas, portas..., tomado de pânico, ele se preparou para fugir novamente. Seu pai, que o havia reconhecido, para trazê-lo de volta, teve que usar um subterfúgio, uma vez que o seu filho, muito assustado, não lhe havia reconhecido. Ele enviou um dos seus servos, seguro e fiel, vestido de um manto sujo e usado, para seguir seu filho.

O empregado se tornou um mendigo, entrou no grupo de mendigos onde estava o filho de seu patrão, partilhando a sua má alimentação. Posteriormente, o pai contratou o filho como um servo, e ordenou-lhe que fosse auxiliar na cozinha e lavar os banheiros. Mais tarde, ele foi autorizado a trocar de roupa e entrar na sala da família. Ao fim e ao cabo, o espírito do filho se transformou e se adaptou à riqueza. E, finalmente, seu pai lhe fez chamar e lhe disse, “Você é meu filho. Você deve aceitar a meus bens”.

O que significa isto?

Isto é o shiho.

O filho não podia acreditar que ele houvesse saído deste homem rico. O shiho lhe certifica.

10 junho 2009


Com a brisa da tarde
a água bate
contra as pernas da garça.

(Buson)

04 junho 2009

Hokyo Zanmai - 26º Comentário de Deshimaru

Como a falha do tigre,
Como os olhos noturnos do cavalo.

Segundo a tradição popular, na Ásia, quando um tigre devora um ser humano, suas orelhas se rompem - este é o seu ponto fraco. O cavalo tem pelos brancos no joelho e, à noite, quando galopa, estas manchas parecem com olhos. Nem suficiente ou demais, a verdadeira beleza é sempre imperfeita.

Eis uma história a retirada do livro “A justeza da areia e da pedra”, de Mestre Muju.

“Um mensageiro, doente, epiléptico, deveria ir ter com alguém na noite. Em seu caminho, ele tem que atravessar uma pequena ponte de madeira sobre um rio rápido. Olhando para a corrente de água a partir da ponte, é acometido por uma crise de epilepsia, cai na água, e flutua seguindo a corrente. Na manhã seguinte, ele acorda do outro lado ... vivo”. Em um estado de morte aparente, ele caiu na água, e assim ele pode continuar a viver. Se fôssemos fazer o mesmo sem estarmos inconscientes, certamente iríamos morrer!

Durante o meu primeiro encontro com o Kodo Sawaki, no templo Soji-ji, ele emprestou-me três livros, incluindo a biografia do monge mendicante Tosui. Chefe de um grande templo, Mestre Tosui escapou, abandonando todas as suas roupas de monge para se juntar a um grupo de leprosos mendicantes. Em tempos remotos, os leprosos, perseguidos, eram forçados a se recolher em comunidades. Um de seus discípulos correu atrás dele. Tosui lhe disse: “É muito difícil seguir-me! Abandona tudo, mesmo teu koromo e teu kesa. Só este tapete de palha será suficiente para tu dormires”.

O discípulo partiu com Mestre Tosui.

Um dia, Mestre Tosui pediu-lhe para cavar um buraco para enterrar um homem morto com hanseníase. O discípulo obedeceu. Quando o grande buraco estava pronto, Tosui ordenou: "Segura, pois, as pernas, enquanto eu carrego a cabeça”.

O corpo do cadáver estava completamente apodrecido pela lepra e o discípulo tinha náuseas de repugnância. Eles o observaram, por instantes, na terra. Momentos depois, o discípulo para se recompor, pediu alguma comida a Tosui. O Mestre lhe respondeu: “Toma pois, a sopa, aquela lá!” Nessa sopa, deixada pelo morto, a supuração de feridas estava misturada com o líquido. "Eis a tua refeição de todos os dias. Não contes com comer legumes ou carne!” O discípulo se disse: “Se eu não tomar esta sopa é que a minha decisão é fraca! Tenho de comer!” Mas o primeiro gole ficou parado em sua garganta; ele não pôde engolir a sopa contaminada. O Mestre Tosui disse: "É duro! Tornar-se meu discípulo é muito difícil, e isso não é possível para ti”. O discípulo começou a chorar, e Tosui continuou: "Minha dimensão e a tua não são as mesmas. Nossas circunstâncias são diferentes. Tu não podes ser um mendigo. Tu tens que ser chefe de um templo.” E, posteriormente, o discípulo se tornou um monge.

Tosui, ele, permaneceu completamente um mendicante, dormindo, onde podia, em celeiros, e morreu com oitenta e oito anos, perto do templo Antai-Ji, em Kyoto. Ao final de sua vida, um rico comerciante de saké o protegeu, fazendo com que vendesse vinagre feito a partir de restos de saké. De tempos a tempos Tosui fugia da loja de seu patrono para ir dormir em um estábulo. Ele sempre carregava consigo uma imagem do Buda Amida que pendurava bem ou mal nas paredes do estábulo.

Ele escreveu sobre isso um pequeno poema:

“Aqui, é estreito e sujo,
Mas eu lhe ofereço este estábulo”.