21 setembro 2011

Fukanzazengi - 39º Comentário de Coupey

Além do mais, é perfeitamente impossível para nossa mente discriminativa, compreender seja como os Budas e patriarcas procuravam exprimir a essência do Zen a seus discípulos com o dedo, vara, agulha ou martelo, ou como eles passavam a iluminação com um hossu, punho, bastão ou grito. Nem pode este assunto ser captado através de poderes sobrenaturais, ou através de uma visão dualista da prática e iluminação.

Quando começou a praticar como mestre, Dogen tinha um ponto de vista favorável em relação aos diferentes métodos, como gritos e golpes de punho, empregados pelos mestres zen para despertar seus discípulos. Foi apenas depois que ele começçou a criticar essa maneira de educar, particularmente empregada nas escola Rinzai.

...com o dedo...


O Mestre Gutei era célebre por seu modo de educar com o dedo, mais precisamente com o polegar. Um dia, uma monja perguntou ao Mestre Gutei, "Qual é a essência do budismo?" Ele não soube o que responder. Então ela se foi, nada impressionada. Mais tarde, quando seu mestre Tenryu lhe visitou, Gutei lhe fez a mesma pergunta, "Qual é a essência do budismo?" Tenryu, sem nehuma palavra, levantou o polegar. Gutei ficou completamente surpreso. Ele obteve o satori. Compreendeu que a essência do zen nada mais era do que um polegar para cima. Ele pôs-se então a educar seus discípulos com esse método. Quando não podia responder alguma pergunta com palavras, "O que é mu, ku?', "o que é o satori?", ele levantava seu polegar. E muito tempo depois, ele morreu assim, brandindo seu polegar.
Um dia li uma frase do escritor Bukowski que dizia algo como, "Quando vocês não podem dizê-lo em palavras, é porque o que têm a dizer nada vale". Mas esse não era o caso de Gutei que trasmitia sem palavras, apenas com o seu polegar. E é certamente mais eficaz mostrar seu polegar do que torcer a orelha de seu discípulo dizendo "Acorde!" ( O Mestre Deshimaru também empregava seu polegar, não para responder perguntas, mas para explicar, comentar, trocar algo com alguém durante um mondo).

Uma vara...
(em algumas versões, "um mastro")

Diz-se que Ananda, o segundo patriarca da linhagem budista - Buda, Mahakashyapa, Ananda - realizou a verdade quando ouviu o mastro de um templo cair por terra.

Uma agulha...
O discípulo de Buda, Anirhuda, caía no sono sempre que o Buda pregava. Escandalizado com sua própria preguiça, ele fez votos de nunca mais dormir e trabalhar dia e noite sem descansar. Buda lhe assinalou diversas vezes que certamente um monge não devia ser preguiçoso, mas que trabalhar em excesso e sem descanso era errado. Anirhuda lhe respondeu: "Não posso esquecer os votos que fiz". Em seguida, ficou cego. Um dia, ela tentava cerzir seu kesa, mas não podia passar a linha na agulha. Isto foi relatado ao Buda que o veio ver em sua choupana. "Anirhuda, disse-lhe da porta, dá-me tua agulha e tua linha e eu costuro o teu manto". O velho monge reconheceu a voz de seu mestre e perguntou: "Vós praticais a compaixão e as boas ações há longo tempo, porque deveríeis ajudar-me a enfiar essa linha?" Buda lhe respondeu: "Como tu, não posso esquecer os votos que fiz". Com essas palavras, Anirhuda obteve o satori.

Um martelo...

Dizia-se que o bodhisatva Manjusri ensinava o Dharma servindo-se de um martelo.

Eles passavam a iluminação com um hossu...

Um hossu é um espanta-moscas. É também um espanta-moscas para espantar as moscas humanas. Trata-se de um bastão com cerca de 30cm de comprimento, guarnecido em sua ponta com pelos de iaque. Não deve ser confundido com o kotsu, bastão encurvado que é o sinal do mestre, usado no dojo e durante os sesshins.

Um punho...

Dogen faz sem dúvida alusão ao golpe de punho de Taigu, quando golpeou Rinzai, que por sua vez golpeara seu mestre Obaku...

Um bastão...

Trata-se seguramente de uma referência ao kyosaku ou "bastão de despertar", que entrou em uso no século IX, na época do Mestre Seppo. Em algumas linhagens ainda se utiliza, como na linhagem do Mestre Deshimaru. Mas no Japão e nos Estados Unidos, a tradição do kyosaku está desaparecendo.

Mestre Tokusan dizia, "Trinta golpes de bastão se você falar, trinta golpes se você se calar!" E tem a história célebre do "bastão de merda" de Mestre Unmon que, quando um monge lhe perguntou "O que é Buda", ele repondeu, "Um bastão de merda".

Um grito...
Mestre Baso era conhecido por seus gritos. Uma vez ele gritou tão forte que seu discípulo Hyakujo ficou surdo durante alguns dias... Cem anos mais tarde, Rinzai tornou-se célebre por seus gritos. Ele gritava "kwat!" em resposta a muitas perguntas que lhe faziam. Um kwat é uma exclamação sem nenhum sentido em particular. N'O Rugido do leão", Mestre Deshiumaru conta várias histórias sobre o método kwat do Rinzai. É quase sempre a mesma coisa: a maior parte do tempo a pergunta é; "Qual é a essência do budismo?" e, em resposta, Rinzai grita: "Kwat!" Depois o monge faz gasshô (às vezes Rinzai respondia levantando seu hossu). Esse grito era utilizado para balançar a mente e fazê-la balançar para fora de seus pensamentos dualistas, quando estamos centrados no ego, estamos automaticamente num estado completamente dualista. É um grito que também é servido nas artes marciais, um grito que vem do kikai tandem. Não se trata de uma energia individual, pessoal, o que é pessoal tem apenas um pouco de força, mas da energia universal.

Essas são velhas histórias, mas a coisa existe ainda hoje em dia. Muitos mestres, por exemplo, desde Gutei ou Rinzai, estendem seus polegares ou gritam "kwat!" Mas isto é completamente falso. É impossível imitar esse modo de fazer. É impossível explicar o budismo tomando emprestado do dedo de Gutei ou  a língua de Rinzai, e mesmo tomando emprestado expressões do Dharma. O que é importante não é a expressão mas a sinceridade. Não há nada a imitar, nada a tomar emprestado. Por essa prática, nós aprendemos a criar.

Cada um tem uma esperiência completamente pessoal do satori. Todos aqueles que conheceram o Mestre Deshimaru, em todo o caso muitos de seus discípulos mais próximos, foram, um dia, penso eu, golpeados ou despertados por qualquer coisa que ele disse ou fez. E isso não se passou necessariamente no dojo, pois não é apenas em zazen que alguém pode obter seu despertar, mas não importa em qual situação. Um dia, lembro-me que estávamo snas escadas, Mestre Deshimaru pediu que eu tomasse notas durante o acampamento de verão, todas as notas, do que ele dissesse no dojo. Eu lhe respondi que não queria, que eu queria fazer zazen. Ele então me disse: "Zazen não é importante. Nada importante". Aquilo foi um verdadeiro choque. Se alguma vez eu tive o satori, foi naquele momento! Além disso, eu quase cai na escada.

Nem pode este assunto ser captado... através de uma visão dualista da prática e iluminação.

O mestre não é pessoal, ele é universal. E é o encontro entre o pessoal e o universal que pode criar o despertar, a compreensão, a realização. Mesmo quando se pode experimentar os estado do Buda Xaquiamuni por uma palavra ou um grito, isto não pode ser apreendido inteiramente pelo pensamento dualista do homem.