28 maio 2007

Shoji soku nehan

Perguntaram ao mestre Luhan Shuren:
- O que é o nirvana?
O mestre respondeu:
- O samsara.
- Mas o que é o samsara?
O mestre disse:
- O que é que eu acabo de te dizer?

27 maio 2007

Sandokai - 16º Comentário de Suzuki (cont.)

Diz Dogen Zenji, “Se não há rio, não há barco”. Mesmo que exista um barco, não será um barco. Um barco pode tornar-se um barco porque há um rio. Habitualmente, porque as pessoas compreendem as coisas de apenas um modo, elas se tornam apegadas ao mundo objetivo ou a algo que elas vêem. Sua compreensão é de que algo existe independente delas. Esta é nossa maneira habitual de compreensão. “Aqui há algo muito doce para comer”. Mas bolo se torna bolo porque queremos comê-lo. Por isso fazemos um bolo. Não há bolo sem nós. Quando compreendemos as coisas desta maneira, estamos vendo bolo, mas não estamos vendo bolo. Isto é cumprir os preceitos.

Talvez você mate algum bicho ou inseto. Mas quando você pensa, “Há muitas lacraias aqui e elas são insetos daninhos, tenho que matar esta aqui”, você está compreendendo as coisa apenas de uma maneira dualística. Na realidade, as lacraias e os seres humanos são um. Não são diferentes. É impossível matar uma lacraia. Mesmo que você pense a matamos, não a matamos. Ainda que você esmague a lacraia, ela continua viva. Aquela forma momentânea pode esvanecer, mas enquanto o mundo inteiro, incluindo nós mesmos, existir, não podemos matar uma lacraia. Quando atingimos esta compreensão, podemos cumprir completamente nossos preceitos.

Mas mesmo assim, não devemos matar qualquer coisa sem razão nem matarmos inventando uma razão de conveniência. “Devo matar lacraias porque elas comem vegetais”. “Nada há de errado em matar animais, por isso mato lacraias”. Não é nosso caminho matar animais com desculpas de raciocínio. Na realidade, quando você mata um animal, você não se sente tão bem. Isto também está incluído no nosso entendimento: “Tenho que matar ainda que não me sinta bem com isto. Ainda tenho que matar um animal mesmo que não seja possível”. As coisas andam dessa maneira no grande mundo.

Não é maneira de guardar os preceitos apegar-se a alguma idéia de matar ou não matar, ou a alguma razão para matar ou não matar. O modo correto de guardar os preceitos é ter uma compreensão completa da realidade. É como você não mata. Compreendem? Como você compreende minha palestra, como você pratica o zazen, é como você não mata. Em outras palavras, você não deve viver no mundo da dualidade apenas. Você pode observar o mundo do ponto de vista dualístico e do ponto de vista do absoluto. “Não é bom matar” é o ponto de vista dualístico. “Ainda que você pense que matou, você não matou” é o ponto de vista absoluto. Mesmo que você viole seus preceitos, se depois de fazê-lo você se arrepende, se você diz “Desculpe-me” para a lacraia, é o modo de Buda. Deste modo sua prática continuará. Você pode pensar que se há preceitos você deveria observá-los literalmente ou você não pode ser budista. Mas se você se sente bem apenas porque você observa algum preceito, isto tampouco é caminho. Desculparmo-nos quando matamos um animal está incluído nos nossos preceitos. Todos estão envolvidos neste tipo de atividade. Mas o modo como fazemos e o sentimento que temos pode não ser o mesmo para todos. Uma pessoa não tem nenhuma idéia de preceitos ou consecução. Uma outra está tentando sentir-se bem através da atividade religiosa ou pela observação dos preceitos. Isto não é o caminho budista.

O caminho budista, em uma palavra, é jihi, compaixão. Jihi quer dizer encorajar as pessoas quando elas estão se sentindo positivas e também ajudá-las a se livrarem de seu sofrimento. É amor verdadeiro. Não é apenas dando algo ou recebendo algo ou observando os preceitos que nós praticamos nosso caminho. Praticamos nosso caminho com as coisas como elas ocorrem naturalmente, indo com as pessoas, sofrendo com elas, ajudando a aliviar seu sofrimento e encorajando-as a prosseguir. É assim que observamos os preceitos. Vemos algo, mas não vemos algo. Sempre sentimos a unicidade dos mundos objetivo e subjetivo, a unicidade do olho e da forma, a unicidade da língua e do paladar. Deste modo não precisamos nos ligar a algo de uma maneira especial, e não temos que nos sentir especialmente bons em função de nossa prática budista. Quando praticamos desta maneira, somos independentes. É disto que Sekito está falando.

“Mas todas as existências, como as folhas da árvore, são alimentadas pela raiz”. Olhos, nariz, língua, ouvidos, vista, cheiro, gosto e audição, todos são dharmas, e cada dharma está enraizado no absoluto que é a natureza buda. Quando observarmos muitas coisas, devemos olhar além de sua aparência e saber como cada coisa existe. Por causa da raiz, existimos, por causa da natureza buda absoluta, existimos. Ao compreendermos as coisas desta maneira, temos a unicidade.
No Bonmo-kyo, uma escritura importante sobre os preceitos, está dito, “Ver é não ver e não ver é ver”. Comer carne é não comer carne, não comer carne é comer carne. Você compreende os preceitos de uma maneira apenas. Você observa os preceitos ao não comer carne. Mas não comer carne é comer carne. Na realidade, você está comendo carne. Entende? É assim que observamos os preceitos. “Não cometa atos não castos”. Ver uma mulher é não ver uma mulher. Não ver uma mulher é ver uma mulher.

Havia dois monges viajando juntos que chegaram a um rio onde não havia ponte para cruzá-lo. Quando estavam de pé à margem, apareceu uma bela mulher. Um deles atravessou o rio com ela às suas costas. Mais tarde, o outro monge ficou furioso. “Você é um monge! Violou o preceito de não tocar uma mulher. Porque fez isso?” O monge que ajudou a mulher replicou, “Você ainda está carregando a mulher. Eu já a esqueci. Você é quem está violando os preceitos”. Talvez não fosse completamente correto para um monge carregar uma mulher. Mesmo assim, como todos os seres humanos são amigos, devemos ajudá-los mesmo que isto signifique violar um preceito budista. Pensar sobre os preceitos de uma maneira limitada é, na realidade, violar os preceitos. Assim, ver a mulher é não ver a mulher. Quando o monge atravessou o rio com ela nas suas costas, na realidade não a estava ajudando. Compreende? Não ajudá-la, era ajudá-la no sentido verdadeiro.

Quando você se envolve com o sentido dualístico dos preceitos – homem e mulher, monge e leigo – isto é violar os preceitos e é uma compreensão pobre do ensinamento de Buda. Sem qualquer idéia de alcance, sem qualquer idéia de uma prática significativa, simplesmente sentar é o nosso caminho. Nosso zazen é estar completamente envolvido na meditação sentada. E é como observamos nossos preceitos. Às vezes estaremos aborrecidos, às vezes sorriremos. Às vezes estaremos enlouquecidos com nossos amigos, às vezes lhes dirigiremos uma palavra gentil. Mas, na realidade, o que estaremos fazendo é apenas observando nosso caminho. Não posso explicar isto tão bem, mas acho que vocês entendem o que quero dizer.

14 maio 2007

Sandokai - 16º Comentário de Suzuki

Para os olhos, há a cor,
Os ouvidos percebem os sons, o nariz, os odores,
A língua diferencia o salgado do doce.
Mas todas as existências, como as folhas da árvore,
São alimentadas pela raiz.

Na minha última palestra, expliquei o sentido da independência de tudo. Embora as coisas sejam interdependentes em relação umas às outras, ao mesmo tempo, cada ser é independente. Quando cada ser inclui o mundo inteiro, cada ser é realmente independente.

Sekito falava sobre a natureza da realidade em um tempo em que a maioria das pessoas, esquecendo tudo sobre este ponto, julgava qual escola do Zen estava certa ou errada. Foi por isto que Sekito escreveu esse poema. Ela falava da realidade a partir do ponto de vista da independência. A escola do Sul é independente e a escola do Norte é independente, e não há nenhuma razão para que devêssemos compará-las para decidir qual é a correta. Ambas as escolas expressam a totalidade do Budismo à sua própria maneira – da mesma maneira que a escola Rinzai tem sua própria abordagem da realidade e a escola Soto tem sua própria abordagem. Sekito Zenji salienta isto. Embora ele se refira à disputa entre as escolas do Norte e do Sul, ele fala ao mesmo tempo sobre a natureza da realidade e sobre o que é o ensinamento budista em seu sentido verdadeiro.

Agora quero explicar esses versos que descrevem a realidade do ponto de vista da independência. “Olho e visão, ouvido e som, nariz e cheiro, língua e paladar”. Parece que Sekito fala dualisticamente sobre a dependência dos olhos em seus objetos. Mas quando você vê algo, você vê em seu sentido verdadeiro de que não há nada para ser visto nem ninguém para ver. Apenas quando você analisa é que há alguém vendo algo e algo que é visto. É uma atividade que pode ser compreendida de duas maneiras. Eu vejo algo, mas na realidade não há ninguém vendo e nada para ser visto. Ambas são verdadeiras. Aqui Sekito fala sobre a unicidade do olho e da forma. È como os budistas observam as coisas. Compreendemos as coisas de um modo dualístico, mas não esquecemos que nossa compreensão é dualística. Eu vejo. Ou alguém ou algo é visto por alguém. São interpretações de sujeito e objeto que nossa mente pensante produz. Sujeito e objeto são um, mas também são dois.

Sekito diz que para os olhos, há forma. Mas ao mesmo tempo não há olhos nem forma. Quando você diz “olhos”, olhos incluem a forma. Quando você diz “forma”, forma inclui os olhos. Se não há forma e nada para ser visto, olhos não são mais olhos. Olhos tornam-se olhos porque há algo para ser visto. O mesmo é verdade para ouvidos, nariz e língua.