30 setembro 2007

Sandokai - 18º Comentário de Deshimaru

Ao avançar vossos pés,
Aqui e agora,
Não há perto nem longe.
A menor dúvida vos colocará
A rios e montanhas de distância dele.


Andar pelo Caminho não significa estar perto ou longe. O problema não está aí.

Andar... Se permanecermos concentrados aqui e agora, um passo após o outro, chegaremos ao fim. Se experimentarmos a menor dúvida quanto à distância, não poderemos chegar jamais.

“Quando chegaremos?” A distância é grande, o tempo passa. E, enquanto pensamos, esquecemo-nos de caminhar.

No Soto Zen, fazer zazen e, em seguida, obter o satori, não está correto. Fazer zazen, aqui e agora, é satori, verdade. Uma pessoa que pratica o zazen para obter o satori poderá fazer zazen até a sua morte sem nunca compreender esse satori. Zazen é em si mesmo, satori. Devemos praticar zazen com a concentração do último zazen antes de nossa morte. Este zazen torna-se, então, a ação mais importante. Tal é o verdadeiro zazen.

16 setembro 2007

Sandokai - 20º Comentário de Suzuki

Recebendo estas palavras, deveis
Compreender a grande realidade.
Não julgueis por quaisquer padrões.
Se não podeis compreender o Caminho,
Mesmo quando andais neste Caminho,
Não o podereis alcançá-lo.

“Recebendo estas palavras, deveis compreender a grande realidade” – Koto wo uke te wa subekaraku shu wo seu beshi. Koto quer dizer “palavras”. Koto também inclui tudo: palavras, coisas e idéias que vemos ou ouvimos. Uke te quer dizer “receber” ou “escutar”. Shu é “a fonte do ensinamento”, que está além das palavras. Quando escutarem as palavras, vocês devem compreender a fonte do ensinamento, a grande realidade. Habitualmente ficamos agarrados às palavras, de tal forma que se torna difícil enxergar o verdadeiro significado do ensinamento. Dizemos que as palavras ou o ensinamento é o dedo apontando a lua. As palavras apenas sugerem o significado real da verdade. Se vocês se agarrarem ao dedo que aponta a lua, não poderão ver a lua. Não devemos agarrar-nos às palavras, mas devemos saber o significado real das palavras.

À época de Sekito, cada mestre tinha seu próprio jeito de introduzir o ensinamento real a seus discípulos. Como os alunos agarravam-se às palavras ou métodos particulares de seus professores, o Zen dividiu-se em muitas escolas e ficou difícil para os alunos saberem qual era o verdadeiro caminho. Na realidade, imaginar qual era o verdadeiro caminho já estava errado. Cada professor estava sugerindo o verdadeiro ensinamento, à sua maneira, da mesma fonte que era transmitida do Buda. Agarrar-se às palavras sem conhecer a fonte do ensinamento está errado, e isto era o que muitos professores e alunos da época de Sekito estavam fazendo. Por isso, Sekito aqui diz: recebendo essas palavras, vocês devem compreender a fonte do ensinamento que é transmitida do Buda e está além da maneira própria de cada professor de expressar ou sugerir a verdade.

A próxima sentença é, “Não julgueis por quaisquer padrões”. Vocês não devem estabelecer regras por vocês mesmos. Não devem se agarrar a regras ou ficar preso a elas. A maioria das pessoas faz isto. Quando vocês dizem, “Isto está certo!” ou “Isto está errado!”, vocês estabelecem regras. E porque dizem isso, naturalmente se agarram a elas ou ficam presos a elas. Isto foi porque o Zen dividiu-se em várias escolas. – Soto, Rinzai, Obaku, Ummon, Hogen e Igyo, Originalmente havia um ensinamento, mas cada professor ou seus discípulos estabeleceram uma escola, e ficaram agarrados a sua “família” e ficaram presos por ela. Eles compreenderam o ensinamento de Buda de acordo com seus padrões e então se agarraram à sua compreensão e pensaram que aquele era o ensinamento de Buda. Em outras palavras, eles se agarraram ao dedo que apontava a lua. Se três professores estavam apontando a lua, cada um tinha seu próprio dedo, e então já havia três escolas. Mas a lua é uma. Por isso Sekito diz para não estabelecer qualquer padrão.

Isto é muito importante para a nossa prática. Temos tendência a estabelecer nossas próprias regras, “Esta é a regra de Tassajara”, vocês podem dizer. Mas as regras são o dedo que aponta como temos boa prática em Tassajara de acordo com a situação. As regras são importantes, mas vocês não devem pensar: “Este é o único caminho”, “Nossas regras são o ensinamento permanente verdadeiro” ou “As regras deles estão erradas”. Vocês não devem se agarrar à sua compreensão própria das coisas. Aquilo que é bom para uma pessoa, nem sempre é bom para outra. Assim, vocês não devem fazer regras para todos. As regras são importantes, mas não se agarrem a elas nem as imponham a outros.

Quando vocês entram em um mosteiro, não devem dizer, “Tenho meu próprio jeito”. Quando vocês vêm a Tassajara, devem obedecer às regras de Tassajara. Não devem estabelecer suas próprias regras. Ver a lua real pelas regras de Tassajara é o jeito de praticar em Tassajara. As regras não são o ponto. O ensinamento que as regras capturarão é que é o ponto. Vocês naturalmente compreenderão o ensinamento real ao observar as regras.

Este ponto pode ser perdido por todos nós desde o começo. A maioria das pessoas começa a estudar o Zen para saber o que é o Zen. Isto já está errado. Elas estão tentando estabelecer alguma compreensão ou regras por elas mesmas.

A maneira de estudar o Zen deve ser do modo como um peixe pega seu alimento. Ele não tenta capturar nada. Ele nada simplesmente. Se alguma coisa boa aparece – snap! Ainda que esteja muito quente, vocês observam as regras de Tassajara, comendo no zendô quente como um peixe nadando a toa e se alguma coisa boa aparece – snap! Vocês obterão algo porque estão agindo assim. Não sei se vocês se dão conta, mas como vocês estão seguindo as regras, vocês obterão algo. Mesmo que vocês não tenham nada ou não estudem nada, vocês, na realidade, estão estudando, como um peixe que não parece saber o que está comendo. Isto é tudo. Devemos estudar o Zen desta maneira. Compreender não quer dizer compreender algo com suas cabeças.

Se vocês perguntarem a um estudante de Zen, “O que é bom?”, sua resposta pode ser “Algo que você deve fazer é bom, e algo que você não deve fazer é ruim”. É tudo. Não ficamos pensando tanto sobre o que é bom ou ruim.

Dogen Zenji diz, “O poder de “não deve” é bom”. Isto é algo intuitivo, nossa função mais íntima, nossa natureza inata. Nossa natureza inata tem sua própria função antes que vocês digam “bom” ou “ruim”. Às vezes parece ser bom, às vezes, ruim. Esta é a nossa compreensão. Mas a nossa natureza inata está além da idéia do bem e do mal. Ficar divagando porque praticamos zazen neste tempo tão quente nos leva à confusão. Devemos ser como o peixe, sempre nadando a toa no rio. Este é estudante Zen. Dogen Zenji diz, “O pássaro não precisa saber o limite do céu ou o que o céu era antes de nele voar”. Os pássaros simplesmente voam no grande céu. É como praticamos zazen.

Vocês não devem tentar estabelecer padrões por vocês mesmos. São palavras muito precisas. Podem não querer dizer muito, mas, na realidade, quando Sekito diz isto, ele os está esperando com um grande bastão. Quando vocês disserem algo, ele responde, “Não estabeleçam regras para vocês! Não tentem compreender através de suas cabeças!” Ele lhes espera assim! [Suzuki Roshi segura um bastão pronto para golpear]. Então não podemos dizer nada. Hai! [Sim!] – é tudo. Vocês não precisam nem dizer hai!. Vocês devem fazer as coisas como uma mula ou um burro.

Vocês podem pensar que isto é uma submissão absoluta, mas não é. É o caminho para compreender a fonte do ensinamento. Temos a tendência de ficar imaginando o que seja a fonte. Não é algo que se possa compreender através das palavras, mas algo que se tem quando se faz as coisas muito naturalmente e intuitivamente, sem dizer “bom” ou “ruim”. O tempo vai passando e não temos tempo de dizer “bom” ou “ruim”. Devemos seguir o fluxo do tempo, momento após momento. Vocês devem seguir com o tempo. Quando vocês ficam cansados de fazer alguma coisa, vocês podem falar mal disto ou daquilo, apenas para matar o tempo. Mas quando vocês vêem os legumes no jardim quase secos por conta do calor, vocês não têm muito tempo de discutir o qual é a coisa mais adequada para fazer hoje. Enquanto discutem, ficam cada vez mais famintos. Então, o pessoal da cozinha deve ir para a cozinha e preparar a comida para a próxima refeição. Esta é a coisa mais importante.

Isto não quer dizer que seja perda de tempo pensar sobre as coisas. É bom pensar sobre as coisas, mas não devemos nos agarrar demais às palavras ou regras. Este ponto é muito delicado. Devemos continuar nossa prática em Tassajara sem ignorar as regras e sem nos agarrarmos às regras. É isto o que Sekito está sugerindo.

E então ele diz, “Se não podeis compreender o Caminho, mesmo quando andais neste Caminho, não o podereis alcançá-lo”. O único jeito é usar os seus cinco órgãos dos sentidos onde quer que vocês andem e simultaneamente compreender a fonte do ensinamento. Se vocês não fizerem isso, ainda que movam seus pés ou prática, não poderão alcançar o verdadeiro caminho.

Assim, a coisa mais importante não são as regras, mas encontrar a verdadeira fonte do ensinamento com seus olhos e ouvidos onde quer que estejam. Este é o caminho direto para conhecer a fonte do ensinamento, sem estabelecer um caminho particular para vocês. Se vocês se agarrarem às palavras, não verão o caminho verdadeiro através de seus próprios olhos, ouvidos, narizes e línguas. Se vocês se agarrarem a regras e ignorarem a experiência quotidiana da vida, ainda que pratiquem zazen, não funcionará. Adquirir alguma experiência direta da vida quotidiana sem pensar “Rinzai” ou “Soto”, “este caminho”, “aquele caminho”, é a coisa mais importante. É desta maneira que entendemos a fonte verdadeira do ensinamento transmitida do Buda.

O caminho verdadeiro pode ser um bastão. O caminho original de Buda podia ser uma pedra. Como Mestre Ummon dizia, poder ser papel higiênico. Qual é o verdadeiro caminho? O que é Buda? Buda é algo além de nossa compreensão. Buda poderia ser qualquer coisa. Em vez da palavra “Buda”, poderíamos simplesmente dizer “papel higiênico”, ou “três libras de cânhamo”, como disse Tozan. Então se alguém lhes perguntar, “Quem é Buda?”, a resposta pode ser, “Você também é Buda”. Se alguém perguntar, “O que é a montanha?”, vocês podem responder, “A montanha também é Buda”. Em japonês dizemos mo mata – “também”. Vocês não devem dizer simplesmente “Isto é Buda”. Esta afirmativa pode levar a alguma incompreensão. Mas se vocês disserem, “Isto também é Buda”, está tudo bem. Quando alguém pergunta, “Onde está Buda?”, vocês podem dizer, “Aqui está Buda também”. “Também” não é tão definido. Buda também pode estar em outro lugar. O segredo da assertiva Zen perfeita é “Nem sempre é assim”. Enquanto vocês estiverem em Tassajara, essa é nossa regra, mas nem sempre é assim. Vocês não devem se esquecer deste ponto. Isto também é uma regra de Buda. Quando vocês sabem disso, não há perigo e vocês não provocarão nenhuma incompreensão. É dessa maneira que vocês se libertarão de uma prática egoísta. Ainda que vocês pensem que estão praticando o caminho de Buda, vocês estão inclinados a envolverem-se em uma prática egoísta quando dizem, “O caminho deve ser como isto”. Vocês devem dizer definitivamente, “Este é nosso caminho de Tassajara”. Mas devem estar prontos para aceitar algum outro caminho.

Isso é bastante difícil – ter uma confiança rígida e forte em sua própria prática e ser flexível o bastante para aceitar também o caminho do outro. Vocês podem achar que estar pronto para aceitar o ensinamento do outro não seja um caminho rígido. Mas, a menos que vocês estejam prontos para aceitar a prática de outros, vocês não podem ser tão rígidos com sua própria prática. Rigidez pode transformar-se só em teimosia. Apenas quando vocês estão prontos para aceitar a opinião de alguém, vocês podem dizer “Você deve fazer assim!”. Quando outras pessoas chegam, podemos observar seu jeito. De outro modo, vocês não podem ser tão rígidos com vocês mesmos.

Habitualmente rigidez significa ser estrito, ser apanhado por sua própria compreensão e não dar espaço à compreensão de outros. Quando alguém perguntava a opinião de meu mestre sobre algum assunto, ele sempre dizia, “Quando você me pergunta, minha opinião é esta!” [Suzuki golpeia a mesa com seu bastão]. Quando ele dizia isso, era muito enfático. Ele podia ser tão enfático porque dizia, “Quando você me pergunta”. Este é o nosso caminho. Ser apenas você mesmo para aceitar também a opinião do outro. A cada momento vocês devem intuitivamente saber o que fazer. Mas isto não quer dizer que vocês devam recusar as opiniões dos outros.

Na vida quotidiana, há dao, o caminho, e se vocês não praticarem no meio da atividade quotidiana, não há aproximação do caminho verdadeiro. Isto é o que Sekito quer dizer. Não se agarrem às palavras. Não estabeleçam seus próprios padrões e os imponham sobre os outros. Não é possível impor regras sobre outros de qualquer maneira porque cada pessoa tem seu próprio caminho e deve ter seu próprio caminho.

02 setembro 2007

Sandokai - 17º Comentário de Deshimaru

Se não podeis compreender o Caminho,
Mesmo quando andais neste Caminho,
Não o podereis alcançá-lo.


Este enunciado encontra-se igualmente no Shobogenzo de Dogen no capítulo que trata do tempo. Aqui e agora, o tempo é muito importante. Devemos compreender aqui e agora. Se não pudermos compreender, não poderemos garantir o sucesso futuro. Alguns dizem sempre: “Espera, espera!”, mas não podemos descuidar do trabalho.

O aqui e agora inclui a eternidade. A ação de aqui e agora é ação do corpo, ação da palavra, ação da consciência. Se as ações não são justas, o futuro sofrerá uma influência negativa. O não agir, inclusive, é dar um mau passo para o futuro. Por isso, nos templos zen, é preciso alinhar bem os sapatos. Antes do zazen sempre observo a posição dos sapatos. Com isto posso compreender as consciências e as características do dia, aqui e agora.

Certas pessoas me dizem, “Estou muito ocupado, tenho pouco tempo, não posso fazer zazen. Se tivesse tempo, logo faria zazen, mas tenho que ganhar dinheiro... depois farei”. É uma loucura! No dia seguinte, a morte pode chegar... Na vida moderna, a morte chega de improviso. Lamentar-se de nada adiante. Aqui e agora é o que importa.