29 maio 2011

Fukanzazengi - 31º Comentário de Coupey

Shikantaza por Nishijima

Finalmente, tendo regulado corpo e mente desta forma, tomemos uma respiração profunda, movamos nosso corpo para frente e para trás, para a esquerda e para a direita, e então sentemo-nos tão firmemente quanto um rochedo.

Desde a morte do Meste Dogen em 1253, muitos mestres serviram-se de seus textos, sobretudo do Fukanzazengi, para desenvolver seu próprio ensinamento. Mestre Keizan, por exemplo, foi certamente inflluenciado poe esta passagem. No texto a seguir vê-se que ele diz, à sua maneira, a mesma coisa que Dogen. Traduzo livremente: "Quando vos sentardes em zazen, não vos apoieis contra uma parede, uma porta ou qualquer suporte. Não vos senteis em um lugar com vento. Não vos senteis em um lugar exposto à altura [penso que ele fala aqui do cume de uma montanha: não façam zazen no pico de uma montanha]. Não vos senteis no meio de incêndios, inundações ou bandidos. E não vos senteis de frente para o mar [na verdade, praticar zazen em frente a um horizonte não é uma boa ideia, mais vale praticar de frente a uma parede]. Não vos senteis onde é muito claro ou muiot escuro, muito quente ou muito frio [eis Dogen em estado puro]. Não vos senteis entre os vadios, gente ruidosa ou entre as playgirls". (Pesssoalmente , não vejo problemas praticar ao lado de vadios ou playgirls, desde que eles não se mexam e não desmanchem a atmosfera...).

Pensemos no não-pensar. Como assim? Pensando além do pensar e do não-pensar [Hishiryo]. Esta, é a base mesma do zazen.

Hishiryo. Hi é a negação mas com o sentido de além. Shiryo, pensar. Eis a essência do zazen. Mais concretamente hishiryo significa "pensar, não pensar". Não é um conceito mas ação no momento presente, aqui e agora. É o zazen que praticamos.

Eis um poema japonês:

"A lua não pensa que ela se reflete,
Tanto quanto a água não pensa que reflete.
O lago de Hirosawa".

Eis a primeira parte de um poema de Daichi Sokeu que captura bem o conjunto desse oitavo parágrafo do Fukanzengi. Esse poema se intitula O que experimento durante o zazen:

"A mente é ku,
O estado é tranquilo,
O corpo em equilíbrio absoluto.
É como uma lanterna solitária
Que ilumina a si mesma sob o sol".

18 maio 2011

Fukanzazengi - 30º Comentário de Coupey


Com os olhos continuamente mantidos abertos, ...

Numa entrevista realizada com lutadores de artes marciais e intitulada "A vida é um combate" (1), Mestre Deshimaru fala da importância dos olhos. Ele conta como, quando os olhos do adversário se movem, se perturbam, exitam, este é o momento em que o outro ataca. É pelos olhos que se enxerga a fraqueza de seu adversário.
Um dia, no dojo de Pernety, assisti a um combate de dois mestres de kendo. O Mestre Deshimaru lá estava com seus discípulos. Um dos dois mestres era bem idoso. Ele estava no 13º dan (o que fazia rir o Mestre Deshimaru que não havia ultrapassado o 6º dan, ao qual havia atingido faz muito tempo...). Então os dois mestres se confrontaram sem mover uma pestana. Eles se olhavam nos olhos. Ao final, o velho mestre ganhou, mas foi difícil saber porque. Poder-se-ia quase dizer que a luta foi combinada antes.
Assim, nos diz Dogen, os olhos devem permancer sempre abertos, um pouco abertos focalizados sobre nada. Se a cabeça estiver bem reta com os ombros e o queixo naturalmente reentrado, automaticamente o olhar cai a cerca de um metro de nós. O olhar se dirige ao interior de nós mesmos. O ensinamento de Buda começou antes de Buda. Ele começou quando o primeiro homem que olhou a si próprio.

Mestre Hetsu disse que "os que praticam zazen com os olhos fechados são semelhantes aos demônios na caverna negra" (2). Essa caverna de demônios é uma imagem, uma metáfora zen. A vida no interior dessa caverna de demônios é a vida daquele que está fechado com seu ego apenas. Quando fechamos os olhos, podemos, com efeito, ficar confortavelmente instalados com nossos fantasmas, nossos sonhos, nossa imaginação, o que não é possível quando ficamos com os olhos semi-cerrados e dirigidos ao nosso interior. E esse conforto não tem nada absolutamente a ver com a tranquilidade profunda do zazen. Zazen não é a calma da caverna dos demônios, nem tampouco a paz de nossos pensamentos agradáveis.

(1) Isso não é dito num espírito de competição, de "quem é o mais forte" ou de "quem vai ganhar", o que é apenas uma falsa visão da vida. Trata-se de um combate de si-mesmo contra si-mesmo, com seu ego. "A vida é um combate" quer simplesmente dizer que é preferível não contar com um outro, não ter fé em um outro homem. Melhor ter fé no Dharma.
(2) Diz-se às vezes caverna da montanha negra.

...devemos respirar calmamente pelas narinas.

Em zazen, não é preciso fazer ruido com a respiração. Pela necessidade de inspirar e expirar muito ar, não é a quantidade que importa, mas a profundidade. E se nos concertrarmos na profundidade não faremos nenhum ruido.

Hoje em dia, os instrutores falam muito da respiração e, nos mondo, as pessoas fazem muitas perguntas a esse respeito. Nos tempos antigos, tratava-se de um ensinamento secreto, destinado exclusivamente aos discípulos que tinham cerca de dez anos de prática atrás deles. Hoje em dia, estamos sempre apressados, queremos aprender tudo e depressa. Rapidamente, aprendemos a prática em todos os detalhes, o corpo, a respiração, a mente. Depois como coser um rakusu, um kesa, depois como tomar os votos de boddhisattva, nos ordenarmos monge, monja. E depois que compreendemos tudo isso, vamos embora...

Dogen nos diz para respirarmos "calmamente", calma e imperceptivelmente. E, desse maneira, os pensamentos cessam. O corpo harmoniza-se com a mente ou a mente harmoniza-se com o corpo e, então, a sabedoria pode surgir.

03 maio 2011

Sutra do Diamante

 
uma poesia se como sutra
inscrita como pintura
rupestre para a leitura
do futuro. caligrafia oriental.

um poema se como mantra
canta como pássaro
encanta como música
do presente. jingle comercial

uma poética se como silêncio
fala como uma flor
do campo. um mestre
do passado. som de cristal.

(ANIBALOLIVEIRAFREIRE, 2007)

Fukanzazengi - 29º Comentário de Coupey

Sentemo-nos perfeitamente eretos, nem inclinados para a esquerda, nem para a direita, nem para frente, nem para trás. Nossos ouvidos devem estar no mesmo plano que nossos ombros e os nossos narizes alinhados com o umbigo.


Este não é um método novo, mas um método trasmitido pelos patriarcas e mestres desde os tempos mais remotos até os dias de hoje. Os textos que usamos hoje em dia para descrever essa postura datam de 700 a 800 anos atrás.

Um dia caiu em minhas mãos um pequeno texto do antigo tibetano traduzido para o inglês. Ele conta o ensinamento ministrado por mestre chan (zen) no Tibet nos anos 700, antes que o budismo tibetano existisse. Esse texto não está à venda, ou o encontramos ou não o encontramos, talvez dependa do karma de cada um... Nesse texto lê-se: "Quando vos sentardes, alongai o dorso de tal forma que ele fique reto, não acompanheis vossos pensamentos e praticai tanto quanto possais" - exatamente como falamos hoje nos dojos, 1300 anos mais tarde.

No zazen, portanto, a cintura é esticada, a coluna vertebral ereta, a cabeça bem posicionada sobre os ombros. A bacia é levemente basculada para a frente ao nível da quinta vértebra lombar, isto é, na base da coluna, logo acima do sacro. Nessa região da quinta lombar (a primeira vértebra móvel) situa-se o ponto chave da postura de zazen. A partir desse ponto podemos corrigir nossa postura e, desta forma, criar o equilíbrio perfeito, que permite uma expiração profunda. Os músculos abdominais ficam em expansão, sem crispação, sem relaxamento. E graças a isso, podemos pensar com o corpo.

A língua deve estar colocada contra o céu da boca, e os lábios e dentes firmemente cerrados.

No zazen, a boca fica fechada. Isto parece evidente, mas não é necessariamente assim no começo da prática. Há vinte anos atrás eu achava que essa atitude - a boca fechada e os dentes se tocando - criava uma rigidez no maxilar, mas mudei meu ponto de vista. Pois quando esticamos inconscientemente a nuca para o alto, mantendo o queixo levemente para dentro, os dentes se tocam. Ao contrário, praticar com a boca aberta, ou com a boca fechada com os maxilares abertos, não é uma postura de despertar. O mesmo se aplica para os que mantêm a boca aberta e os maxilares afastados. A posição da língua é igualmente importante: algumas pessoas costuma colocar a ponta da língua contra os dentes desde pequenas, o que acaba por torná-las dentuças. Isto também não está certo. A língua deve tocar o palato levemente à frente, com a boca fechada e os dentes se tocando naturalmente.