29 junho 2008

Hokyo Zanmai - 10º Comentário de Deshimaru

É como estar diante de um espelho precioso:

a forma e seu reflexo se observam.

Não sois o reflexo,

mas na verdade sois vós.




As relações que o cosmo mantém com a consciência, ou sabedoria, são as mesmas que existem entre a forma e o reflexo no espelho. Essa sabedoria é simbolizada tradicionalmente nos dojos japoneses por uma estátua do Bodhisatva Manjusri, portador da coroa da sabedoria. Sua coroa é composta de cinco Budas, representando as cinco direções, resumindo o cosmos:


1. Ao centro, Buda Dainichi simboliza o sol, a sabedoria imanente, a consciência transcendental.


2. A leste, Buda Ashuku simboliza a paz, a imobilidade, a potência e a força.


3. A oeste, Buda Amida simboliza a vida universal.


4. Ao sul, Buda Hosho simboliza os tesouros materiais (prata, outo, diamante) e espirituais.


5. Ao norte, finalmente, Buda Fuku simboliza os fenômenos.
Se abrirmos um dicionário budista no número cinco (go), ficaremos surpreendidos pela quantidade de significados a ele associados. Há os cinco dedos da mão, os Go I, os cinco elementos (céu, vento, terra, fogo e água), e as cinco sabedorias criativas:
1. Sabedoria de Hishiryo ou sabedoria do céu;
2. Sabedoria da consciência Alaya ou sabedoria do grande espelho;
3. Sabedoria da consciência Mana ou sabedoria do mundo fenomênico;
4. Sabedoria da observação que permite cortar todas as dúvidas;
5. Sabedoria da terra ligada aos cinco sentidos e à ação.
A cada uma dessas sabedorias corresponde uma atitude ilusória, um comportamento errôneo que deve ser ultrapassado:
1. Shinken: apego às opiniões, incapacidade de compreender. Assim, tendo em nosso corpo uma fonte de vida, alguns deduzem que existe uma alma (atman), que nos sobrevive depois da morte. O Buda, e depois dele Nagarajuna, dizem que não se pode colocar nem a existência nem a não existência da alma.
2. Enken: opiniões extremas. Por exemplo, crença na vida eterna depois da morte ou crença em nada após a morte. São opiniões extremas. Como saber? Ninguém nunca voltou! Ou também, opiniões categóricas no campo social, uma vez que nada nunca é totalmente branco ou preto.
“A escuridão existe na luz,
não vejais apenas o lado escuro”,
diz o Sandokai.
3. Jaken: opiniões amorais ou imorais. Alguns não sabem diferenciar o bem do mal. Outros têm más práticas.
4. Kenshin Ken: opiniões errôneas oriundas de dados incertos. Algumas práticas religiosas têm uma dimensão pouco elevada ou deságuam na mortificação. Outro exemplo: os dois erros da idolatria e da iconoclastia.
5. Kaigen Chu Ken: opiniões fundadas em preceitos errôneos. Proibições religiosas ou superstições...
A prática do zazen permite-nos cortar esses cinco tipos de erros e chegar, assim, à compreensão e à realização das cinco sabedorias. Em zazen, no começo, pensamos com cérebro pré-frontal, depois esses pensamentos do pré-frontal se esgotam, a consciência se aprofunda, penetra até o cérebro primitivo ou rinencéfalo, e a córtex entra numa fase de repouso. Em seguida, podemos atingir o tálamo, o cérebro intuitivo.

21 junho 2008

Hokyo Zanmai - 9º Comentário de Deshimaru (final)

Um discípulo perguntou ao Mestre Yakusan: "Como devemos pensar em zazen?", e Mestre Yakusan lhe respondeu: "Devemos pensar pelo não-pensamento". Então o discípulo fez uma outra pergunta: "Como se pode pensar pelo não pensamento?" E Yakusan respondeu: "Hishiryo". Depois Mestre Dogen usou esta palavra em seu kusen. "O mundo de Hishiryo é o de Buda". Silêncio absoluto, como em zazen.

Não é sem linguagem. Uma linguagem é necessária. Esta linguagem será como a de um bebê ou de um mudo. Linguagem secreta do Buda. Um monge perguntou: "De quem é o aniversário hoje?" Respondem-lhe: "É o aniversário do sogro da mulher do cunhado da irmã... Não é o aniversário de qualquer outro! Hoje é o aniversário de meu irmão!" A filosofia sufoca-se nas categorias!


Mestre Mezan nos diz: "A melodia de Bodhidharma não é uma música de flauta de cinco furos. Essa melodia vem do céu azul".


A melodia de Bodhidharma é o Zen, ela não pode ser limitada por cinco ou vinte e cinco tonalidades. Não pode, também, ser colocada numa partitura. Em plena liberdade ela foi criada no vasto céu azul. É uma música natural, sem matriz, além de todo formalismo.

15 junho 2008

Hokyo Zanmai - 9º Comentário de Deshimaru (2ª parte)




"O caminho da serpente na relva,

Apenas a serpente o compreende".



É i shin den shin - de minha alma à tua alma!



Mestre Yoka, que escreveu o Shodoka, era um monge Tendai. Depois de ter estudado o budismo Tendai, Yoka compreendeu finalmente que o verdadeiro budismo se aprendia i shin den shin com um meste autêntico. Foi então visitar o Sexto Patriarca Eno. Chegou fazendo tinir um pequeno sino preso no alto de seu bastão de monge, e postou-se de pé à frente de Mestre Eno.

Eno chamou-lhe a atenção de que um monge deve se comportar bem e que isto é importante.
"Porque estás de pé, com tua bolsa sobre os ombros? Porque manténs teu chapéu de monge na cabeça? Tu estás verdadeiramente muito mal!"
Yoka lhe respondeu:
"Tudo passa depressa. O tempo se acelera. A morte está próxima. Não posso esperar. Preciso resolver, convosco, o problema da vida."
Mestre Eno respondeu-lhe:
"Nossa vida é eterna. Devemos ir além da morte, além da mudança. Porque não fazes isto? Porque não conheces o eterno imutável? É preciso compreender os dois. Tu, tu compreendes apenas o tempo que passa depressa..."
Mas Yoka era muito forte nas discussões e, ao fim, Eno lhe diz:

"Nyoze, nyoze. De acordo, de acordo!"

E concede a autenticação a Yoka, que se enche de alegria.
"Compreendo agora i shin den shin. Posso regressar para minha casa. Agradeço-vos infinitamente, Mestre!"
Eno lhe diz:

"Fica esta noite em meu templo. Porque partes tão depressa?"
E Yoka dormiu aquela noite no templo. Desde então Yoka possui um outro nome: "O satori de uma noite".
Yoka ficou vivamente impressionado com a resposta de Mestre Eno. Essa resposta inspirou o primeiro poema do Shodoka:
"Caro amigo, não vês este homem do satori
que parou de estudar e está inativo?"
Isto quer dizer que o homem do Zen que procura a verdade interrompe os estudos e as ações conscientes, apenas pratica o zazen e, se alguém o observa, responde que tem muito tempo. Ele faz zazen. Senta-se sem se mover.
É-nos necessário ir ao Mui, ao "além", sem artifícios, insconscientemente, naturalmente. Um dia, diante de cerca de 80 000 pessoas, Buda pediu a Vima para fazer um mondo com Manjusri. Vima então perguntou a Manjusri: "O que é Mui?" Manjusri respondeu: "O Buda disse, 'Uma criança é Mui. O mundo de Hishiryo, a condição da consciência de Hishiryo, o espírito de Hishiryo são Mui".