31 julho 2011

Cigarra

casca oca
a cigarra
cantou-se toda
Basho (1644-1694)

30 julho 2011

Fukanzazengi - 35º Comentário de Coupey


A lei suprema aparece sozinha.

Pode-se constatar que, uma vez mais, que esta frase de Dogen não tem nada de intelectual sou filosófica. Não se pode esquecer que o Fukanzazengi descreve a prática do zazen. Alguns parágrafos antes Dogen descrevia como adotar a postura. No parágrafo seguinte, como terminar o zazen. Portanto, quando nos diz nessa passagem que "a lei suprema [o Dharma], aparece sozinha!", isto literalmente quer dizer que no momento preciso em que fazemos zazen  o Dharma se manifesta, não apenas ao seu tempo.

Nesse contesto, a lei suprema, o Dharma, quer dizer "verdade, princípio do universo, ordem cósmica." Então porque o verdadeiro Dharma se manifesta? Como ele pode se manifestar? Simplesmente porque não somos nós próprios que praticamos e que estamos sentados de frente para a parede. Não é o si mesmo. Não é o senhor X ou a senhora Y. Nas situações comuns, quando não estamos natural e inconscientemente concentrados, sabemos muito bem quem é, quando se pratica o esporte, por exemplo, ou quando administramos ou escutamos uma conferência. Sabemos que é o corredor Fulano ou o professor Sicrano que querem convencer, Mas quando estamos sentados em zazen, o conceito de "si mesmo", de indivíduo, até mesmo o de "nós", não existem mais. "Quem", portanto, está sentado em zazen?

A lei suprema aparece sozinha. Pois é nesse momento preciso que não existe nenhuma distância entre o Dharma, zazen e nossa natureza original. Penso que se pudermos compreender isso pelo nosso corpo, esse Dharma se manifestará não apena no dojo, mas por toda parte, não importa em que momento, não importa em que situação. E o que experimentamos, oque vivemos em zazen, se espalhará para a nossa vida quotidiana.

Seguramente cada um de nós é diferente, alguns, por exemplo, são mais lentos que outros, Também a prática do Dharma é diferente para cada um de nós. Ela depende de nossas respectivas situações e de nossas vidas individuais. Não existe um "estilo" único de prática. Apesar disso, para que o Dharma se manifeste, a prática contínua, a prática crescente é, penso eu, essencial. E toda a discussão que tenha lugar antes que estejamos numa verdadeira busca do Caminho, nada mais é que maku mozo, ilusão.

Um dos koans que ouvimos repetidamente é, "O que Bodhidharma trouxe do Ocidente? O que Bodhidharma trouxe com ele da Índia?" Se fosse possível responder a essas perguntas em uma só palavra, eu diria, nada. Por quê? Porque não há nada a trazer, O Dharma já estava lá e seu ensinamento consistiu simplesmente de dizer e mostrar às pessoas que esse Dharma do zen existia por toda a parte, mesmo entre eles.

24 julho 2011

Shoji soku nehan

Perguntaram ao mestre Luhan Shuren:
- O que é o nirvana?
O mestre respondeu:
- O samsara.
- Mas o que é o samsara?
O mestre disse:
- O que é que eu acabo de te dizer?

23 julho 2011


Mansjuri e Vimalakirti

".............................................
Quando os bodhisattvas deram as suas explicações, todos eles dirigiram-se ao príncipe coroado Manjusri: 'Manjusri, qual é a entrada dos bodhisattvas na não dualidade?'

Manjusri respondeu: 'Bons senhores, todos vós falaram bem. Não obstante, todas as vossas explicações são em si mesmas dualidade. Não conhecer nenhum ensinamento, não expressar nada, para não dizer nada, não explicar nada para não anunciar nada, não indicar nada e não designar nada - isso é a entrada na não dualidade.'

Então o príncipe coroado Manjusri disse ao Licchavi Vimalakirti, 'Todos nós temos dado os nossos próprios ensinamentos, nobre senhor. Agora, possa você elucidar-nos no ensino da entrada no princípio, da não dualidade!'

Após isto, o Licchavi Vimalakirti manteve-se em silêncio, nada dizendo.

O príncipe coroado Manjusri aplaudiu o Licchavi Vimalakirti: 'Excelente! Senhor, excelente, nobre! Esta realmente é a entrada na não dualidade dos bodhisattvas. Aqui não há nenhum uso para sílabas, sons e ideias.'

Quando esses ensinamentos foram declarados, cinco mil bodhisattvas entraram na porta do Dharma da não dualidade e atingiram a tolerância do não nascimentos de coisas."
Sutra de Vimalakirti. 9. A porta do Dharma da não dualidade (final).

20 julho 2011

As espadas de Manjusri e Vimalakirti

Manjusri sustenta no ar a espada que mata pessoas.
Vimalakirti saca a espada que dá vida às pessoas.


19 julho 2011

Fukanzazengi - 34º Comentário de Coupey

Se isto chegarmos a entender, estaremos completamente livres, como um dragão que obteve água, ou um tigre reclinado na montanha.

Em zazen, as redes e armadilhas jamais poderão atingir-nos. Quando estamos além das armadilhas e redes, somos como o dragão ou o tigre. Essas são imagens zen muito conhecidas que simbolizam o grande discípulo ou o grande mestre. Devemos praticar assim: como o dragão que entra no oceano ou o tigre que penetra na montanha. Isso quer dizer que devemos entrar na nossa morada natural. Está aí a nossa prática. E para isso é preciso que não se crie nenhuma distância entra nós e oque nós fazemos - zazen. Isso não é um processo cerebral, mas um processo do corpo: corpo e mente. Tanden.

Essa imagens de dragão e tigre me ajudaram bastante no começo de minha prática. O Mestre Deshimaru se servia delas bastante em seus ensinamentos. Eu então pensava que os dragões e tigres nunca eram pegos em redes ou armadilhas... Mas hoje eu sei que as redes e armadilhas das quais falava o Mestre Dogen não são apenas armadilhas para coelhos, mas também são armadilhas para tigres e dragões...

Um dia, o Mestre Deshimaru havia dito que o dragão às vezes vive nas nuvens. Normalmente imaginamos o dragão mergulhando no oceano. No meio das nuvens é muito frio e não é seu ambiente natural. E, além disso, ele fica em perigo de morte por conta da fênix. às vezes o dragão está só. Ele se sente abandonado, ele não está bem, como pude ver meu mestre algumas vezes. Mas desde que o dragão, mestre ou discípulo, regressem ao mar, no grande oceano do zazen, ele reencontra seu ambiente natural, original. Ele então se liberta de sua redes e torna-se livre, forte e tranquilo. Isso ocorre da mesma forma com o tigre quando atravessa a planície. Ele tampouco está sempre à vontade. Além disso, sempre podem lhe dar um tiro a qualquer momento... Mas quando penetra na floresta, ele fica de novo protegido. Ele entra em sua casa e reencontra sua verdadeira condição, sua verdadeira intimidade. Sem estar influenciado pelos dez mil fenômenos exteriores, como quando entramos em nossa casa e somos naturalmente nós mesmos.

Penso que há sempre armadilhas e redes. Por toda a parte. E para todo o mundo. Dogen afirma a ausência de armadilhas durante o zazen, mas creio que isto dependa da maneira como praticamos. Seguramente em um zazen correto, isto é, um zazen onde não estejamos aprisionados por nossos pensamentos dualistas, é possível. Mas mesmo que pratiquemos um zazen simples, isto não quer forçosamente dizer que não cairemos em armadilhas ou redes. Existem tantas armadilhas: armadilhas das palavras, dos livros, dos sutras, da Bíblia, do Corão... E, em zazen, armadilha de querer atingir alguma coisa, de categorias, ainda que seja difícil permanecer presos a categorias durante todo um zazen. E depois, há tantas outras armadilhas: a do amor individual, pessoal, por exemplo. Nem todo o mundo tem o poder de amar sem cair nas armadilhas da paixão ou do ciúme.

Nossa prática consiste em enfrentar tudo isso e de reconhecer como tal: bonno. Ilusões. Pois geralmente as redes e armadilhas nada mais são que nossos produtos pessoais, nascidos de nosso pensamento dualista. É por isso que a maior parte dos ensinamentos zen (e também não budistas) têm propósitos como: "No caminho, não há nem sul, nem norte, nem oeste, nem leste". Pois se pensamos que existe um sul, um norte e que Bodhidharma de fato veio do Oeste, estamos simplesmente ao ponto de criar categorias. Estamos mesmo em pleno formalismo, seguimos apenas um caminho, o que não é de modo algum praticar o Caminho dos mestres e patriarcas... Mas aquelas armadilha e redes, diz-nos Dogen, não podem jamais atingir zazen.

17 julho 2011

Gota de Orvalho

Ao sol da manhã
uma gota de orvalho
precioso diamante.
Basho (1644-1694)

13 julho 2011

Sesshin de Inverno no Busshinji 2011

Fukanzazengi - 33º Comentário de Coupey

O Zazen não é “meditação passo-a-passo.” Ao invés, é tão somente a agradável e fácil prática do Buda, a realização da sabedoria do Buda.

Diz-se que a prática do zazen é, ela própria, satori. Este conceito, mencionado aqui por Dogen pela primeira vez, tornou-se em seguida um dos pilares de seu ensinamento. Isto é profundo e difícil de compreender com a cabeça. Eu penso mesmo que só podemos compreender após longos anos de prática. Ainda que zazen seja satori, como nos asseguram Mestre Dogen, Mestre Deshimaru e todos os outros mestres da transmissão, isto não quer dizer absolutamente que fazendo zazen podemos atingir o satori. Quem é que atingiu o satori?

Eis que aparece a verdade, não mais havendo ilusão.

Quando cheguei ao zen em 1972 no dojo de Peterny, foi isso o que realmente me golpeou. Vendo os outros na postura, e assumindo eu mesmo a postura, me disse: "Vejam lá, isto não é o pensamento! Não é a cabeça, não são ideias, não são conceitos.  Não é a percepção. Não é a sensação, não é o que se vê, não é o que se escuta, não é o que se sente, o que se pensa. É mais do que tudo ação no aqui e agora". E eu não me enganei. Mais tarde, quando encontrei meu mestre, quando comecei a me familiarizar com o ensinamento e, sobretudo, a compreendê-lo com as vísceras, realizei que o que havia sentido era, com efeito, o tema central da prática budista.

Não pensem nunca que zazen é inatividade, Quando o corpo começa a desabar sobre o zafu, tensionamos a coluna lombar a partir da quinta vértebra lombar. Quando as mãos escorregam para a frente, as trazemos de volta contra a parte de baixo do abdômen. Quando o queixo cai para a frente, o trazemos de volta alongando a nuca. E quando a mente se bloqueia em alguma coisa, a desbloqueamos.

Então Dogen nos diz: "Zazen é a manifestação da realidade última". Como compreendemos nessa prática, a realidade não pode estar em outro lugar senão aqui. Ela está onde estamos. A realidade não pode ser ontem, não pode ser amanhã. Isto é uma ilusão. A realidade é uma sequência de "aquis e agoras". A realidade é o que é. Vocês, eu, agora.

Eis um poema de Hanshan que eu gosto muito:

"Estranho é o caminho que conduz a Hanshan;
Não se vê nenhuma marca de roda nem pegada de casco.
Os vales serpenteiam a perder de vista,
Os cumes escalam o céu;
A relva cintila de orvalho
E os pinheiros murmuram sob a brisa.
Ainda não compreendeste?
A realidade pede à sombra o caminho".

Este poema não é tão fácil de compreender, sobretudo o último verso. Hashan fala da realidade. Fala da montanha, do vale. Fala de si próprio. Ao final das contas, ele fala do momento presente. E quando falamos do momento presente, não há necessidade de nos colocarmos questões do tipo, "É este que é o momento presente? Ou melhor, não será este aqui?"