25 junho 2009

Hokyo Zanmai - 29º Comentário de Deshimaru

O homem de madeira canta,
a mulher de pedra se levanta e dança.


Este homem de madeira não está excitado sexualmente, ele não experimenta nenhuma sensação particular; apesar disto, ele canta cheio de alegria e felicidade. O poder mágico não foi buscado, ele corre espontaneamente, naturalmente de Hishiryo.

Quando nossas costas começam a coçar e pedimos a alguém que nos coce, há um ponto preciso para ser encontrado, o ponto que é fonte da coceira. Do mesmo modo, devemos atingir o centro da essência do budsmo, isto é, zazen.

"Estamos plenos de felicidade,
o rio perfumado inebria todo o castelo".

O castelo de nosso corpo é secretamente transformado pela essência da transmissão do Buda.

20 junho 2009

Hokyo Zanmai - 28º Comentário de Deshimaru



Hiei, graças à sua grande habilidade,
atingiu o alvo a cem passos.
Mas quando as flechas se encontram em pleno vôo,
como pode ser uma questão de habilidade?

O grande Mestre Hiei tinha um discípulo, Kisho. O discípulo, ingênuo, não conseguia vencer o seu Mestre. O Mestre era o Mestre. O discípulo também esperava a morte de seu mestre... Mas o Mestre, era muito forte e gozava de excelente saúde, não estava prestes a morrer! Kisho decidiu, então, matar seu Mestre. Um dia, quando ele treinava arco e flecha em um campo, o Mestre Hiei cruzou o campo. Neste exato momento, mirou seu Mestre e disparou uma flecha. Mas o Mestre disparou também. As duas flechas encontraram-se em pleno vôo e caíram. O discípulo atirou nove vezes. A cada vez, a flecha do Mestre interrompia a de seu discípulo. Kisho tinha dez flechas. Hiei tinha apenas nove. O discípulo disparou a décima, a última e única flecha. Hiei defendeu-se usando sua lança. Ele interceptou a flecha em pleno vôo com a sua arma.

Nada mais restava a seu discípulo senão fazer sampai. O Mestre e o discípulo se abraçaram.

“Oh! Grande Mestre!
- Oh! Grande Discípulo!"

Seus egos desaparecidos, esvanecidos, eles entraram na eterna relação de pai para filho, de Mestre para discípulo ...

O sol brilha, a lua gira, as nuvens se movem no céu levadas pelo vento, do vale até o cume das montanhas. Os rios correm a partir de sua nascente até o mar. Sempre naturalmente, inconscientemente. A luz está por toda parte. O verdadeiro Mestre se harmoniza com a ordem cósmica ou com a ordem à sua volta. Ele segue a atmosfera, o ambiente, por meios que não são técnicas. Não há mais diferença entre ele e o meio.

14 junho 2009

Toda vez que a manhã está sendo começada nos
meus olhos, é assim...

Essa luz empoçada em avencas.

As avencas são cegas.
Nenhuma flor protege o silêncio quanto elas.

Ó a luz da manhã empoçada em avencas!
(Manoel de Barros, Cadernos de Apontamentos, II)

11 junho 2009

Hokyo Zanmai - 27º Comentário de Deshimaru


Porque a alguns lhes falta algo,
procuram
assentos preciosos ou vestes adornadas.
Porque outros têm uma ampla visão,
gatos
e vacas brancas.

Qual é o espírito de horror, medo, que os mestres da transmissão devem mudar? Como os homens se sentem fracos, os mestres da transmissão devem seguir a ordem social, como os animais domésticos, como gatos ou vacas. Os homens, ou a maioria deles, possuem a mais elevada verdade, o satori. Eles têm medo de usar estes ítens raros, essas coisas que eles consideram como tesouros, porque eles não são nem rei nem imperador. Também são obrigados, pois o desejam, a abandonar o caminho que, segundo sua opinião, é um artigo raro e valioso. No Sutra do Lotus, pode-se ler este método de ensino:

“O Buda, ou o Mestre, deve encontrar uma maneira de penetrar nos intestinos do asno ou a cavalo.

Era uma vez um filho de um rico proprietário de terras que se tornou mendigo, vagando por muitos anos. Separado de sua família por um longo período, ele tinha esquecido o rosto de seus pais e de seu lar. Mas, um dia, as circunstâncias fizeram com que ele se encontrasse em frente a uma bela casa. Considerando cada elemento da casa como tesouro, janelas, cortinas, portas..., tomado de pânico, ele se preparou para fugir novamente. Seu pai, que o havia reconhecido, para trazê-lo de volta, teve que usar um subterfúgio, uma vez que o seu filho, muito assustado, não lhe havia reconhecido. Ele enviou um dos seus servos, seguro e fiel, vestido de um manto sujo e usado, para seguir seu filho.

O empregado se tornou um mendigo, entrou no grupo de mendigos onde estava o filho de seu patrão, partilhando a sua má alimentação. Posteriormente, o pai contratou o filho como um servo, e ordenou-lhe que fosse auxiliar na cozinha e lavar os banheiros. Mais tarde, ele foi autorizado a trocar de roupa e entrar na sala da família. Ao fim e ao cabo, o espírito do filho se transformou e se adaptou à riqueza. E, finalmente, seu pai lhe fez chamar e lhe disse, “Você é meu filho. Você deve aceitar a meus bens”.

O que significa isto?

Isto é o shiho.

O filho não podia acreditar que ele houvesse saído deste homem rico. O shiho lhe certifica.

10 junho 2009


Com a brisa da tarde
a água bate
contra as pernas da garça.

(Buson)

04 junho 2009

Hokyo Zanmai - 26º Comentário de Deshimaru

Como a falha do tigre,
Como os olhos noturnos do cavalo.

Segundo a tradição popular, na Ásia, quando um tigre devora um ser humano, suas orelhas se rompem - este é o seu ponto fraco. O cavalo tem pelos brancos no joelho e, à noite, quando galopa, estas manchas parecem com olhos. Nem suficiente ou demais, a verdadeira beleza é sempre imperfeita.

Eis uma história a retirada do livro “A justeza da areia e da pedra”, de Mestre Muju.

“Um mensageiro, doente, epiléptico, deveria ir ter com alguém na noite. Em seu caminho, ele tem que atravessar uma pequena ponte de madeira sobre um rio rápido. Olhando para a corrente de água a partir da ponte, é acometido por uma crise de epilepsia, cai na água, e flutua seguindo a corrente. Na manhã seguinte, ele acorda do outro lado ... vivo”. Em um estado de morte aparente, ele caiu na água, e assim ele pode continuar a viver. Se fôssemos fazer o mesmo sem estarmos inconscientes, certamente iríamos morrer!

Durante o meu primeiro encontro com o Kodo Sawaki, no templo Soji-ji, ele emprestou-me três livros, incluindo a biografia do monge mendicante Tosui. Chefe de um grande templo, Mestre Tosui escapou, abandonando todas as suas roupas de monge para se juntar a um grupo de leprosos mendicantes. Em tempos remotos, os leprosos, perseguidos, eram forçados a se recolher em comunidades. Um de seus discípulos correu atrás dele. Tosui lhe disse: “É muito difícil seguir-me! Abandona tudo, mesmo teu koromo e teu kesa. Só este tapete de palha será suficiente para tu dormires”.

O discípulo partiu com Mestre Tosui.

Um dia, Mestre Tosui pediu-lhe para cavar um buraco para enterrar um homem morto com hanseníase. O discípulo obedeceu. Quando o grande buraco estava pronto, Tosui ordenou: "Segura, pois, as pernas, enquanto eu carrego a cabeça”.

O corpo do cadáver estava completamente apodrecido pela lepra e o discípulo tinha náuseas de repugnância. Eles o observaram, por instantes, na terra. Momentos depois, o discípulo para se recompor, pediu alguma comida a Tosui. O Mestre lhe respondeu: “Toma pois, a sopa, aquela lá!” Nessa sopa, deixada pelo morto, a supuração de feridas estava misturada com o líquido. "Eis a tua refeição de todos os dias. Não contes com comer legumes ou carne!” O discípulo se disse: “Se eu não tomar esta sopa é que a minha decisão é fraca! Tenho de comer!” Mas o primeiro gole ficou parado em sua garganta; ele não pôde engolir a sopa contaminada. O Mestre Tosui disse: "É duro! Tornar-se meu discípulo é muito difícil, e isso não é possível para ti”. O discípulo começou a chorar, e Tosui continuou: "Minha dimensão e a tua não são as mesmas. Nossas circunstâncias são diferentes. Tu não podes ser um mendigo. Tu tens que ser chefe de um templo.” E, posteriormente, o discípulo se tornou um monge.

Tosui, ele, permaneceu completamente um mendicante, dormindo, onde podia, em celeiros, e morreu com oitenta e oito anos, perto do templo Antai-Ji, em Kyoto. Ao final de sua vida, um rico comerciante de saké o protegeu, fazendo com que vendesse vinagre feito a partir de restos de saké. De tempos a tempos Tosui fugia da loja de seu patrono para ir dormir em um estábulo. Ele sempre carregava consigo uma imagem do Buda Amida que pendurava bem ou mal nas paredes do estábulo.

Ele escreveu sobre isso um pequeno poema:

“Aqui, é estreito e sujo,
Mas eu lhe ofereço este estábulo”.