24 dezembro 2010

Porque Bodhidharma veio da Índia (Shobogenzo - Soshi Serai I, Dogen)

Xiangyan, Grande Mestre Xideng do Mosteiro Xiangyan, cujo nome de monge era Jixian, era um herdeiro de Dharma de Guishan.

Um dia, ele disse à assembleia, “Se estivésseis pendurados pelos dentes no galho de uma árvore num penhasco a trezentos metros do chão, sem nenhum lugar onde vossas mãos ou pés pudessem alcançar e, de repente, alguém vos perguntasse, ‘Porque Bodhidharma veio da Índia?’ Se abrirdes a boca para responder, perdereis a vida. Se ficardes calado, não tereis respondido à indagação. Dizei-me, o que faríeis?”

Então, o velho monge Jao de Hutou levantou-se e disse, “Mestre, não vos perguntarei sobre estar numa árvore. Mas dizei-me, o que acontece antes de treparmos na árvore?”

Xiangyan caiu na gargalhada.
 
Muitas pessoas pesquisaram e discutiram esse caso, mas poucas disseram palavras penetrantes sobre ele. A maioria delas ficaram aturdidas.

Contudo, se pensarmos sobre esse caso pelo lado do não-pensar além do pensar, poderemos desfrutar a experiência de compartilhar uma almofada com o velho Xiangyan. Quando sentardes resolutamente com Xiangyan na mesma almofada, deveis compreender esse caso completamente antes que ele abra sua boca. Examinando-o cuidadosamente, não apenas furtareis os olhos de Xiangyan, mas também apreendereis o tesouro do olho verdadeiro do dharma do Buda Xaquiamuni.

Agora, examinai atentamente as palavras Se estivésseis pendurados pelos dentes no galho de uma árvore num penhasco a trezentos metros do chão? O que sois vós?

Não vejais um pilar separado de uma viga. Não percais o encontro do eu e o outro no sorriso de uma face de buda, uma face de ancestral. A árvore na qual estais pendurado não é nem a grande terra inteira nem o topo de um poste de trinta metros. É um penhasco de trezentos metros. Vós se afastais do penhasco de trezentos metros.

Há tempo de cair da árvore bem como de nela trepar. Se estivésseis pendurados pelos dentes no galho de uma árvore num penhasco a trezentos metros do chão? Lembrai-vos que houve um tempo em que nela havíeis trepado.

Assim, subindo trezentos metros, descendo trezentos metros. Andando para a esquerda são trezentos metros, andando para a direita, são trezentos metros. Aqui são trezentos metros, lá são trezentos metros. Vós sois trezentos metros, trepando são trezentos metros. Os trezentos metros falados é exatamente isso.

Deixai-me perguntar-vos: qual é o tamanho de trezentos metros? Deixai-me que vos diga que é exatamente do tamanho de um velho espelho, de um forno, de uma torre sem emendas.

Pendurados pelos dentes no galho de uma árvore. O que são os dentes? Ainda que não conhecêsseis toda a abertura da boca, deveríeis primeiro olhar o galho, conferir suas folhas e saber onde estaríeis com a boca. O que segura o galho são os dentes. Assim, todos os dentes são o galho, todo o galho são os dentes. O corpo todo é a boca. A boca toda é o corpo todo.

A árvore pisa na árvore. Assim, diz-se que os pés não pisam na árvore; os pés pisam neles mesmos. O galho trepa nele mesmo. Assim, diz-se que as mãos não trepam no galho; as mãos trepam nelas mesmas. Sendo dessa maneira, os calcanhares andam para frente e para trás; a mão faz um punho e se abre.

Pessoas aqui e ali pensam que esse caso é sobre pendurar no vazio. Mas pendurar no vazio é o mesmo que pendurado em uma árvore pelos dentes?

Se, de repente, alguém vos perguntasse, Porque Bodhidharma veio da Índia? Esta linha sugere que há alguém debaixo da árvore. Pode ser uma pessoa árvore. Há uma pessoa debaixo de uma pessoa. Assim, a árvore pergunta à árvore. A pessoa pergunta à pessoa. A árvore toda é a pergunta toda. Isto é tomar o significado da vinda de Bodhdharma da Índia perguntando, Porque Bodhidharma veio da Índia.

Aquele que está perguntando também está pendurado em uma árvore pelos dentes, e pergunta. Sem estar pendurado na árvore pelos dentes, não é possível perguntar, a voz não enche a boca, e a boca não se enche de palavras. Quando perguntais Porque Bodhidharma veio da Índia?, vós perguntais, pendurados pelos dentes, porque Bodhidharma veio da Índia.

Se abrirdes a boca para responder, perdereis a vida. Agora, examinai Se abrirdes a boca para responder. Diz-se que há um modo de responder sem abrir a boca. Então, não perderíeis vossas vidas.

Abrir ou não abrir vossas bocas não esconde o fato de estardes pendurados pelos dentes no galho de uma árvore. Abrir e fechar não são necessariamente a atividade da boca toda. Mas a boca toda abre ou fecha. Assim, pendurados pelos dentes no galho de uma árvore é a atividade quotidiana da boca toda. Abrir ou fechar não esconde a boca toda.

Se abrirdes a boca para responder significa responder abrindo o galho ou abrindo o porquê Bodhidharma veio da Índia? Se a resposta não abre o porquê Bodhidharma veio da Índia, não responde a pergunta. O corpo todo mantém a vida e não podemos dizer que perderíeis vossas vidas. Se já houvésseis perdido a vida, não poderíeis responder.

Contudo, o que Xiangyan quis dizer foi que devíeis ousar responder a pergunta e simplesmente perder vossas vidas.

Sabei que quando não respondeis, mantendes vossas vidas; se responderdes, daríeis uma reviravolta em vossos corpos e vivificaríeis vossas vidas. Dessa forma vemos que que cada pessoa que enche sua boca é expressão. Respondei a outrem, respondei a vós mesmos. Perguntai a outrem, perguntai a vós mesmos. Isto é ficar pendurado pelos dentes numa expressão. Pendurados numa expressão pelos dentes é pendurados pelos dentes no galho de uma árvore. Responder a outrem é abrir a boca na boca. Não responder a outrem não responde À pergunta do outro, mas não responde a vossa própria questão.

Assim, sabei que os budas e ancestrais que respondem à pergunta Por que Bodhidharma veio da Índia? todos responderam no exato momento em que estavam pendurado pelos dentes no galho de uma árvore. Os Budas e patriarcas que perguntam Por que Bodhidharma veio da Índia? Todos perguntam no exato momento em de estarem pendurados pelos dentes no galho de uma árvore.

* * * * *

Xuedou, Rev Jongxianm também chamado Mestre Zen Mingjiao, disse, "Falar na árvore é fácil, mas falar debaixo da árvore é difícil. Eu ainda estou na árvore. Traga-me sua pergunta".


Em relação a traga-me sua pergunta, o quão duro alguém tente, é lamentável que a pergunta venha vagarosamente, e que venha depois da resposta.

Deixai-me perguntar aos "saca-rolhas" do passado e do presente: quando Xiangyan caiu na gargalhada, ele estava falando na árvore ou debaixo da árvore? É ou não responder à questão Porque Bodhidharma veio da Índia, dizei-me, como vedes isso?

Apresentado à assembleia na Província de Echizen no quarto dia, segundo mês, segundo ano da Era Kangen [1244]


Fukanzazengi - Como penetrar no zazen? - 17º Comentário de Coupey

Ao fazermos zazen, é desejável que tenhamos um quarto calmo.

Mestre Deshimaru às vezes se serviu da palavra sanzen ao invés de zazen na sua primeira tradução do Fukanzengi. As traduções de hoje empregam a palavra zazen. Mas sanzen quer dizer mais do que simplesmente zazen. San significa aqui "reunião, reunir". E zen, é zen.

Ainda quando era discípulo, Mestre Dogen perguntou ao seu mestre:
"O que é zazen?
E Nyojo respondeu:
- É sanzen, praticar com um mestre: discípulo e mestre".

O que quer dizer praticar com um mestre? O que é um mestre, o que é um discípulo? Nos Estados Unidos eles usam a palavra teacher (professor) e student (aluno). Nós achamos essas expressões um pouco débeis, como se fosse um curso que acabasse quando voltássemos para casa... Cada um deve definir a palavra mestre por si próprio. Mas para o discípulo, a palavra mestre corresponde àquele que lhe pode indicar a trilha, o Caminho. Não apenas através de seus ensinamentos no dojo, por seu comportamento no exterior, mas também pelo que ele é além dele próprio e além do discípulo. É aquele que lhe mostra a prática praticando com ele - san, "reunião"; É aquele que pode transmitir o ensinamento de seu próprio mestre, e o discípulo, aquele que é receptivo a esse ensinamento e a essa prática. Mas, ao fim, os dois são intercambiáveis. O discípulo obriga o mestre a praticar e vice-versa; ele conduz o mestre e quando o mestre avança, ele puxa o discípulo. E além disso, o mestre não precisa estar vivo necessáriamente, ele já pode ter morrido. Um mestre, quando é verdadeiramente seu mestre, não é apenas para a vida, mas para a eternidade. Meus mestre já morreu, mas eu serei sempre seu discípulo.

Mestre e discípulo estão reunidos nas profundezas da prática e do espírito i shin den shin, coração a coração, minha mente à sua mente. Mestre e discípulo, discípulo e mestre, é uma relação, para se servirem mutuamente - evidentemente não para si mesmo, mas para o Dharma. E o trabalho de cada um de nós, de vocês, consiste em transmitir esse Dharma, automatica, inconsciente e naturalmente, sem modificá-lo em nada. Transmitir o que foi transmitido através dos séculos e que será transmitido nos séculos vindouros. E isso apesar de vocês, apesar de nós, apesar de mim.

Para quem não é discípulo e que não conhece essa relação, a prática é cada vez mais difícil. Eu penso mesmo que ela, no final, torna-se insustentável. E não falo isso pelo que li, mas pelo que vi e vivi de pessoas que não estabeleceram essa relação de mestre e discípulo e bem que desejariam ter estabelecido. Frequentemente nos mondo há perguntas do tipo "Como encontrar um mestre?", "Devo procurar um mestre?" Esse estado de espírito já é falso, nessa prática não se ajuda a encontrar quem quer que seja, e creio que a questão seja de não procurar mais... E, a menos que procurar o mestre seja procurá-lo em si, vocês nunca o encontrarão. Pois, ao fim e ao cabo, o verdadeiro mestre é você mesmo, isto é, a sua verdadeira natureza. Mas para encontrar o mestre interior, necessitamos do mestre exterior.




20 dezembro 2010

Zazen

"Se alguém lhe perguntar o que é o verdadeiro zen,
Não é necessário que você abra a boca para explicar.
Mostre todos os aspectos de sua postura de zazen.
Então, o vento primaveril soprará
E fará desabrochar a maravilhosa flor da ameixeira".
Daichi Sokei

Como entrar no verdadeiro zen, como praticar zazen?

13 dezembro 2010

Fukanzazengi - 16º Comentário de Coupey

 

 Se desejarmos realizar a sabedoria do Buda, devemos começar a praticar imediatamente.

Aqui, Dogen continua a falar da prática do zazen. Essa frase quer dizer, "Deveis praticar o zazen sem demora. Aqui e agora". Inmo, o que é. Então, nos diz Dogen, se quereis praticar "o que é", praticai "o que é" sem demora.

Num dojo, pratica-se a "assimélidade"". Sentamos diante de uma parede, não cortamos nossos pensamentos, e também não fugimos deles. Seguimos conssciente ou inconscientemente nossa respiração, que é longa e profunda. Sem desejar o que quer que seja. Sem finalidade. Para que fazer zazen? No começo, pensamos saber, para isso ou para aquilo. Mas depois, porque? Impossível de responder. Apenas Inmo, aquilo que é. 
Pois, se praticarmos o zazen com uma finalidade, ainda que pequenina, quase invisível, esse zazen é falso (e, desde logo, ordenar-se monge nada mais faz do que reforçar esse espírito). A mídia deseja ardorosamente que nossa prática tenha uma finalidade: o kenshô, o satori. De outro modo, para falar do zen, nada teriam a dizer... Mas, ao final das contas, o importante não é a análise que esssas pessoas que não praticam posssam fazer, mas o modo que cada um navega e anda pelo Caminho.

Mestre Kodo Sawaki, na única frase que encontrei sobre o Fukanzazengi, disse sobre a "assimélidade": "Deveis voltar-vos para a mais elevada busca espiritual dentro de vós mesmos. Deveis voltar-vos para a busca mais elevada do ser humano". É aquilo, inmo. É nossa prática no dojo, mas também na vida quotidiana.

O guru Lee Lozowick disse um dia que o problema com o zen é que esse ensinameento permanece no dojo e não se difunde pela vida quotidiana. Talvez possa ser o caso para muitos praticantes que vestem o kesa no dojo e não o vestem no exterior. A forma nos ajuda, mas existe também a não-forma. É preciso viver no invisível. O invisível está por todo o lado. Seja no dojo, seja fora do dojo, nossa prática permanece a mesma. E a pergunta é: como estar no momento presente por todo o mundo? Não no sentido altruista, mas no sentido onde não existe, onde jamais existiu, separação entre eu e os outros. Fazemos sempre separações: no dojo, fora do dojo; durante o zazen, fora do zazen. E, no final, a separação entre "eu e ele, ele e eu". O ensinamento zen é justamente de como viver neste mundo. É preciso compreender que o próprio zen faz funcionar a vida quotidiana; de outra forma, essa prática nõa teria o menor sentido. Não teria nenhum sentido a existência do Buda Xáquiamuni e a de todos os santos tibetanos, como Milarepa, que viveu nas cavernas, no coração das montanhas.