19 julho 2011

Fukanzazengi - 34º Comentário de Coupey

Se isto chegarmos a entender, estaremos completamente livres, como um dragão que obteve água, ou um tigre reclinado na montanha.

Em zazen, as redes e armadilhas jamais poderão atingir-nos. Quando estamos além das armadilhas e redes, somos como o dragão ou o tigre. Essas são imagens zen muito conhecidas que simbolizam o grande discípulo ou o grande mestre. Devemos praticar assim: como o dragão que entra no oceano ou o tigre que penetra na montanha. Isso quer dizer que devemos entrar na nossa morada natural. Está aí a nossa prática. E para isso é preciso que não se crie nenhuma distância entra nós e oque nós fazemos - zazen. Isso não é um processo cerebral, mas um processo do corpo: corpo e mente. Tanden.

Essa imagens de dragão e tigre me ajudaram bastante no começo de minha prática. O Mestre Deshimaru se servia delas bastante em seus ensinamentos. Eu então pensava que os dragões e tigres nunca eram pegos em redes ou armadilhas... Mas hoje eu sei que as redes e armadilhas das quais falava o Mestre Dogen não são apenas armadilhas para coelhos, mas também são armadilhas para tigres e dragões...

Um dia, o Mestre Deshimaru havia dito que o dragão às vezes vive nas nuvens. Normalmente imaginamos o dragão mergulhando no oceano. No meio das nuvens é muito frio e não é seu ambiente natural. E, além disso, ele fica em perigo de morte por conta da fênix. às vezes o dragão está só. Ele se sente abandonado, ele não está bem, como pude ver meu mestre algumas vezes. Mas desde que o dragão, mestre ou discípulo, regressem ao mar, no grande oceano do zazen, ele reencontra seu ambiente natural, original. Ele então se liberta de sua redes e torna-se livre, forte e tranquilo. Isso ocorre da mesma forma com o tigre quando atravessa a planície. Ele tampouco está sempre à vontade. Além disso, sempre podem lhe dar um tiro a qualquer momento... Mas quando penetra na floresta, ele fica de novo protegido. Ele entra em sua casa e reencontra sua verdadeira condição, sua verdadeira intimidade. Sem estar influenciado pelos dez mil fenômenos exteriores, como quando entramos em nossa casa e somos naturalmente nós mesmos.

Penso que há sempre armadilhas e redes. Por toda a parte. E para todo o mundo. Dogen afirma a ausência de armadilhas durante o zazen, mas creio que isto dependa da maneira como praticamos. Seguramente em um zazen correto, isto é, um zazen onde não estejamos aprisionados por nossos pensamentos dualistas, é possível. Mas mesmo que pratiquemos um zazen simples, isto não quer forçosamente dizer que não cairemos em armadilhas ou redes. Existem tantas armadilhas: armadilhas das palavras, dos livros, dos sutras, da Bíblia, do Corão... E, em zazen, armadilha de querer atingir alguma coisa, de categorias, ainda que seja difícil permanecer presos a categorias durante todo um zazen. E depois, há tantas outras armadilhas: a do amor individual, pessoal, por exemplo. Nem todo o mundo tem o poder de amar sem cair nas armadilhas da paixão ou do ciúme.

Nossa prática consiste em enfrentar tudo isso e de reconhecer como tal: bonno. Ilusões. Pois geralmente as redes e armadilhas nada mais são que nossos produtos pessoais, nascidos de nosso pensamento dualista. É por isso que a maior parte dos ensinamentos zen (e também não budistas) têm propósitos como: "No caminho, não há nem sul, nem norte, nem oeste, nem leste". Pois se pensamos que existe um sul, um norte e que Bodhidharma de fato veio do Oeste, estamos simplesmente ao ponto de criar categorias. Estamos mesmo em pleno formalismo, seguimos apenas um caminho, o que não é de modo algum praticar o Caminho dos mestres e patriarcas... Mas aquelas armadilha e redes, diz-nos Dogen, não podem jamais atingir zazen.

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