05 novembro 2010

Fukanzazengi - 13º comentário de Coupey


Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós mesmos. Ao fazermos isso, nosso corpo e mente naturalmente cairão fora, e nossa natureza original de Buda aparecerá. Se desejarmos realizar a sabedoria do Buda, devemos começar a praticar imediatamente.

Nesse parágrafo do Fukanzengi, Dogen fala com seguramente sobre o que se passa durante o zazen. Eis a mesma coisa dita de outra forma – ou mais simplesmente: uma vez de volta à sua vida normal, graças ao sentar-se durante o zazen, seu corpo e sua mente se apagarão espontaneamente. E automaticamente, naturalmente e inconscientemente, você realizará sua verdadeira natureza, seu verdadeiro aparecerá. Agora, se você quiser atingir esse estado, você praticar o zazen.

Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e ao lhe dizer que isso é a verdade, também que não passa de palavras. A raiz da linguagem não está nas palavras a compreender.

Isso me faz pensar na septuagésima terceira e última linha do Shinjinmei:

“Lá se rompe o caminho da linguagem,
Não há mais passado nem futuro”.

Não temos necessidade, por exemplo, de estarmos limitados pela nossa compreensão do português ou por nossa falta de compreensão do francês... Também não é preciso ficar limitados pela gramática ou pelas conjugações. Um dia, alguém perguntou ao Buda:

- Porque os ignorantes fazem discriminações e os sábios, não?

Buda respondeu:

- Porque os ignorantes prendem-se aos nomes, aos sinais, às placas.

Essa ligação às palavras é um grande problema de nossas sociedades – pode-se ver através de todas as guerras às quais nos confrontamos hoje em dia. Corre-se atrás de palavras ou ideias como “eu sou palestino, eu sou israelita”. Mas isso não é verdadeiro, é ignorância pensar assim. Não somos nem “brasileiros”, nem “americanos”. Não somos de uma dimensão tão pequena. Se não estivéssemos tão presos às palavras, o mundo seria bem diferente hoje em dia – também as relações entre os países e entre nossos próximos.

Essa passagem do Fukanzazengi sobre o apego às palavras me faz pensar num mondo que ocorreu no porto de Minshu, entre o jovem monge Dogen e um tenzo que tinha ido comprar cogumelos. Naquela época, Dogen era muito jovem, mas também muito erudito. Ele havia partido para a China para aprofundar seus conhecimentos sobre o zen. Ele havia procurado por toda a parte e não havia encontrado nada interessante. Então ele regressara ao porto de Minshu e subira ao barco onde aguardava a partida para o Japão.

Um dia, o jovem Dogen notou, sobre a ponte do barco, um velho monge colocando para secar cogumelos japoneses. Ele começou a observar com muita curiosidade aquele monge zen muito idoso trabalhando ao sol como qualquer homem comum. Ele decide ir falar-lhe. Descobre que o monge é tenzo no templo Keitoku-ji e veio até o barco para comprar cogumelos guardados lá. Eles mantiveram um mondo que depois se tornou muito célebre na história do zen:
“- O que lhe faz trabalhar assim em pleno sol?
O tenzo lhe respondeu:
- Devo preparar esses cogumelos para o templo. Estamos em sesshin.
- A que distância se encontra o templo?
- A 35 quilômetros daqui.
- Muito bem...! Você tem um longo caminho a percorrer... Eu gostaria muito de lhe falar... Pode ficar um pouco?
- Não, não posso ficar. Tenho que terminar esse trabalho e partir imediatamente.
O jovem monge erudito (não tão diferente dos jovens monges eruditos de hoje em dia) lhe diz então:
- Mas... devem existir muitos monges no seu templo para lhe substituir como cozinheiro... Você é bem idoso e vê-se bem que é alguém muito importante.
O velho monge então lhe diz:
- Completamente impossível deixar que qualquer outro faça esse trabalho. Um outro não sou eu. E, mesmo assim, se eu quisesse ficar, deveria pedir permissão ao chefe do templo. E não a tenho.
Dogen, que tenta sempre aprofundar a conversa:
- Mas você não é mais jovem, deve ter mais de 60 anos... Porque você faz esse trabalho? Porque não dedica mais de seu tempo ao estudo dos sutras e outros textos budistas?
O tenzo lhe olha nos olhos e explode em risos:
- Meu pequeno e bravo monge estrangeiro, você não conhece o verdadeiro texto, o autêntico sentido das palavras. Você ignora bendo, “encontrar o despertar pela prática”. Como nós praticamos o Caminho, você ignora. O sentido autêntico das palavras, a raiz das palavras, qual é?
- Escutando essa resposta, Dogen teve um verdadeiro choque. E todo seu corpo começou a transpirar, e não foi por causa do sol! Ele escreveu no Tenzo Kyokun: “Fui atravessado por um calafrio e fiquei um bom tempo transtornado. Sentia-me coberto de vergonha.”
Eis a continuação do diálogo:
“- Mas o que é bendo?, perguntou Dogen. E o velho tenzo respondeu:
- Pratique sua pergunta e você poderá se tornar um verdadeiro praticante do Caminho.
Dogen queria continuar a conversa, mas o tenzo lhe disse:
- Agora devo partir e retornar ao templo. “Mas se você aparecer por lá, será bem-vindo”.

Essa história com o velho cozinheiro não nos diz que não é preciso estudar e ler, mas, sobretudo, como estudar e ler. Seguramente, com o olho do Caminho. O olho do Caminho não é um dom natural, mas um dom proveniente da tradição. E foi isso que Dogen começava a compreender, ele, que até aquele encontro, tinha um espírito completamente cerebral. Para ele, cozinhar, secar cogumelos, não era verdadeiramente a essência do zen. E aquele monge, vindo de longe para comprar cogumelos, ultrapassava sua compreensão.

Os tempos, finalmente, não mudaram muito, pode-se mesmo dizer que, ao fim, o tempo não existe. A história em questão se passou em 1233 e continua a mesma. A maior parte das pessoas que hoje vêm praticar, e uma boa parte daqueles que continuam a praticar, têm ou tiveram o mesmo espírito que o jovem Dogen. Eu também. Naquela época, Dogen ainda não tinha um mestre e pensava que bastava pedir a ordenação, como se faz frequentemente entre nós: receber a ordenação, conhecer a postura sentada, o comportamento exato no dojo, a cerimônia. E depois, quando se é um pouco escorado, um pouco educado, conhecer os principais textos do zen. Como se, ao fim e ao cabo, ser monge ou monja fosse uma posição, semelhante a um posto que se ocuparia no trabalho. Aí, alguém recebe o título de “monge” e depois continua a fazer as coisas do mesmo jeito que sempre fez, com exatamente o mesmo espírito, os mesmos hábitos. Mas isso é compreender mal o ensinamento ou os sutras – é como se os próprios sutras fossem falsos.
 
Depois daquele encontro com o velho monge, segundo o Mestre Deshimaru, Dogen conheceu uma verdadeira transformação, deu uma virada de 180 graus. Tudo mudara para ele. Ele devia agora voltar seu olhar, até então dirigido apenas para o exterior, para o interior.

Como se sabe, Dogen decidiu, por fim, partir para o templo Keitoku-ji, templo de Nyojo. Ele ali reencontrou o velho tenzo. Uma nova troca teve lugar quando esse último, que se preparava para voltar a seu país natal, se despedia.

Dogen lhe perguntou: “Qual o verdadeiro sentido da palavra?”
Eis a resposta do tenzo: “1, 2, 3, 4”.

Vários anos mais tarde, de volta à China e logo depois de ter deixado seu mestre Nyojo para sempre, Dogen escreveu o Fukanzazengi. Essa história com o velho tenzo, certamente está na origem desse parágrafo. Pode-se dizer assim que, graças àquele encontro entre o jovem monge japonês e o tenzo chinês, nós praticamos como hoje em dia. “1, 2, 3, 4, quer dizer que o Caminho existe por toda a parte, que ele não está escondido.

Nenhum comentário: