07 dezembro 2011

Fukanzazengi - 47º Comentário de Coupey


Não existe qualquer razão para deixarmos nosso assento de meditação e fazermos fúteis viagens a outros países para buscarmos isto.

Este trecho faz alusão à parábola do filho perdido descrita no Sutra do Lótus. Todo budista ou, ao menos, toda pessoa que se interessa pelo budismo, conhece essa história do filho que abandona seu lar, o palácio de seu pai, para tornar-se um vagabundo. Existem muitas maneiras de recontá-la. 
O filho de um rei se perde durante a guerra e se encontra no pais inimigo. Depois de um longo lapso de tempo, esse filho perdido, que se tornou mendigo, encontra-se, por acaso, em seu país natal, coisa que ele ignora. Um dia, o rei o vê, e crê reconhecê-lo como sendo o filho desaparecido. Mas quando dele se aproxima, o mendigo tem medo e foge. Numerosas buscas são realizadas para encontrar aquele filho. Finalmente, o pai se serve de todos os meios para seduzi-lo. Por exemplo, ele se fantasia de mendigo e, progressivamente, consegue dele se aproximar sem que ele o tema. O filho nunca sabe de nada. Depois o rei o leva a comer e, logo em seguida, o convida para um café, depois ao restaurante, depois ao hotel George V... e, finalmente, ao palácio. (A história no sutra mostra até como era preciso ir lentamente para não assustar o filho). E, quando este fica pronto, o pai lhe revela finalmente a verdade sobre a sua identidade. Então o filho se torna príncipe e, depois, rei.
No Sutra do Lótus, essa parábola se chama "A parábola do discernimento da fé". É a história  de um homem perdido na dúvida e que pensa que nada é bom a não ser mendigar. Ela nos fala da ilusão e ignorância nas quais estamos todos mergulhados, poderíamos dizer, desde nosso nascimento. Ela descreve o sofrimento da vida e da morte que carregamos durante toda nossa existência. É a história de nossos tormentos, nossos apégos, nossa recusa em levantar a cabeça e de olhar à nossa frente, de tomar nossas responsabilidades, assumi-las e não mais nos considerarmos como vítimas. Eis como o Mestre Deshimaru, mais ou menos, contava essa parábola: 

Emissários do rei dizem, um dia, ao filho perdido que se tornara mendigo:

"Você deve voltar para a casa de seu pai, você é filho de um homem rico". Mas o filho neles não crê. E eis que um dia, vem a mendigar no palácio de seu pai. Este, que o havia visto chegar, lhe oferece uma boa quantidade de comida. [Mestre Deshimaru não diz uma boa comida, mas uma boa quantidade...]. Na manhã seguinte, o mendigo retorna e lhe dão comida de novo. Ele compreende que ali encontrou uma boa casa... E, pouco a pouco, ele se encontra dentro da cozinha. Depois, ao fim de algum tempo, ele acha que poderia, talvez, tornar-se cozinheiro e, então, poderia comer à vontade e, quem sabe um dia, tornar-se intendente...

Então eis que aquele vagabundo vai lentamente subindo nas suas funções. No começo, ele toma gosto em comer os restos nos pratos do rei (seu pai!). Depois ele se diz, "Que sorte agora posso eu mesmo ir me servir na despensa qundo ninguém me observa!". E eis que um dia lhe dizem que não deve mais comer em pé mas que ele pode sentar-se numa sala confortável, e até mesmo ser tornar-se responsável...

A narração do Mestre Deshimaru é muito curta. Rapidamente ele chega ao final da história contando simplesmente que o filho acaba por acreditar no pai quando ele lhe diz, "Você é meu filho e eu vou lhe entregar esta rica casa". No começo, eu não gostava nada dessa história porque tinha a impressão que ela tratava de uma questão psicológica. Um homem perdido na vida, perdido na sua cabeça, que se considera inferior ao que é e que, finalmente, se dá conta de que é o filho do Buda. Eu não ficava nada impressionado. Mas agora que posso compreendê-la através das imagens do Mestre Deshimaru, eu me farto! E sua grande imaginação, como a sua própria compreensão, me fizeram me dar conta ainda mais profundamente de seu significado.

O Sutra do Lótus é um sutra mahayana e essa parábola do filho perdido descreve também o caminho que podemos tomar indo do budismo hinayana, Pequeno Veículo por si mesmo, ao budismo mahayana, Grande Veículo, por nada, mushotoku. Com efeito, a maior parte das pessoas praticam unicamente para elas mesmas. Na vida social é a mesma coisa: trabalha-se para seu ganho pessoal a vida inteira até a morte, e desde que se é pequeno. E um mendigo não é diferente. Igual para o filho de um rei, igual para um rei. Do mesmo modo, o hinaynista se desenvolve por si mesmo, passo a passo, se alimentando como faz o filho mendigo do homem rico. Além disso, está dito nesse sutra que "se entrares no caminho do Hinayana, avançarás passo a passo, durante 86.410 passos". Nessa velocidade, é difícil tornar-se um homem rico...

Assim, nessa parábola, vemos o filho mendigo se arrastar em diferentes lugares em busca de alimento. Recusando-se a ver que já possui o tesouro da casa do rei, a natureza de buda, ele lambe com felicidade as migalhas de seu pai, depois logo só pensa em tornar-se cozinheiro ou intendente, tudo isso seguramente para si mesmo. E é apenas ao final de uma grande viagem no tempo que ele vai finalmente reconhecer sua verdadeira riqueza, sua verdadeira natureza de filho de rei, não de um rei qualquer, mas do rei Buda Xáquiamuni, o rei que não trabalha para si próprio, mas para nada, isto é, para todo ser humano.

Eis, pois, as conclusões que podemos tirar dessa história. Para começar, não abandonemos o tesouro do verdadeiro pai. Depois, aqui e agora devemos nos tornar buda. Enfim, e simplesmente, não devemos patinar e arrastar-nos em lugares estúpidos. Como diz Dogen, "Para aqueles que ficam pastando mato à beira da estrada, é muito difícil de chegar ao verdadeiro Caminho".

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