Estejam muito atentos com a sua postura. Em nossa linhagem do Zen, é pela postura que temos acesso ao espírito correto. Inclinação da bacia é importante, a posição da nuca, a posição das mãos, o olhar: os olhos estão semicerrados, deixando a luz penetrar, mas não vêem nada. Eles estão em repouso.
Meia-noite é a verdadeira luz, a alvorada não é clara.
O poema de Tozan,
Hokyozanmai, "O
samadhi do espelho precioso", que foi escrito no início do século IX, a idade de ouro do Chan, do Zen, está cheio de imagens poéticas como esta, que visam fazer-nos saborear a inefável, a indizível sabedoria do zazen, dos Patriarcas.
Como no início: "Uma bandeja de prata cheia de neve branca, uma garça coberta pela luz da lua, parecem-se, mas não são iguais, juntando-as, sabemos que são". Ou ainda: "Afastar-se ou tocar: ambos estão errados, pois é como um grande fogo, útil, mas perigoso".
Não há pesquisa literária ou busca de efeito, trata-se simplesmente de se aproximar o mais possível do que é a consciência
hishiryo, a justa distância, a justa distância entre sujeito e objeto, a justa distância em relação aos nossos pensamentos, a justa distância em relação às nossas ilusões, a justa distância em relação ao
satori, em relação ao despertar.
Outro verso do poema diz: " Não sois o reflexo, mas na verdade sois vós. " O reflexo sou eu, tudo o que é refletido no espelho precioso, no espelho do
samadhi, no espelho do corpo-espírito da postura, sou eu. Não há nada em jogo senão eu próprio. "Resolver o caso de toda uma vida", disse Dogen. "Resolver sua dúvida", disse Deshimaru ... E, ao mesmo tempo, eu não sou o reflexo. Se eu me identifico com o reflexo, seja como ilusão ou como
satori, como pensamento ou como não-pensamento, eu perco o fio da meada. "Afastar-se ou tocar: ambos estão errados, pois é como um grande fogo." É isto mesmo,
hishiryo. Não se deixar apanhar nem pelo pensamento, nem pelo não-pensamento. Não ser dependente de nada.
Quando se encontra a justa distância, através da prática do zazen, vis-à-vis aos nossos mecanismos mentais, às nossas operações compulsivas, então aparece a profunda sabedoria, a sabedoria cósmica, que não é individual, não é pessoal, não é uma invenção do ego, que é não nascido, não criado, que nos precede e nos engloba.
Meia-noite é a verdadeira luz, a alvorada não é clara.
Esta é a verdadeira intimidade com si próprio. Não nos deixamos mais distrair pelos nossos pensamentos, nem por nossa fadiga... Assim, peço-lhes, não desperdicem seu tempo. Não sigam seus sonhos, seus pensamentos... Aqueles que têm alguma prática de zazen sabem que os dias passam muito rapidamente. Mal se tem o tempo de deixar desabrochar o que há de mais precioso, e eis que tudo já terminou.
(kusen de Luc Brossard, discípulo de Deshimaru)