24 dezembro 2010

Porque Bodhidharma veio da Índia (Shobogenzo - Soshi Serai I, Dogen)

Xiangyan, Grande Mestre Xideng do Mosteiro Xiangyan, cujo nome de monge era Jixian, era um herdeiro de Dharma de Guishan.

Um dia, ele disse à assembleia, “Se estivésseis pendurados pelos dentes no galho de uma árvore num penhasco a trezentos metros do chão, sem nenhum lugar onde vossas mãos ou pés pudessem alcançar e, de repente, alguém vos perguntasse, ‘Porque Bodhidharma veio da Índia?’ Se abrirdes a boca para responder, perdereis a vida. Se ficardes calado, não tereis respondido à indagação. Dizei-me, o que faríeis?”

Então, o velho monge Jao de Hutou levantou-se e disse, “Mestre, não vos perguntarei sobre estar numa árvore. Mas dizei-me, o que acontece antes de treparmos na árvore?”

Xiangyan caiu na gargalhada.
 
Muitas pessoas pesquisaram e discutiram esse caso, mas poucas disseram palavras penetrantes sobre ele. A maioria delas ficaram aturdidas.

Contudo, se pensarmos sobre esse caso pelo lado do não-pensar além do pensar, poderemos desfrutar a experiência de compartilhar uma almofada com o velho Xiangyan. Quando sentardes resolutamente com Xiangyan na mesma almofada, deveis compreender esse caso completamente antes que ele abra sua boca. Examinando-o cuidadosamente, não apenas furtareis os olhos de Xiangyan, mas também apreendereis o tesouro do olho verdadeiro do dharma do Buda Xaquiamuni.

Agora, examinai atentamente as palavras Se estivésseis pendurados pelos dentes no galho de uma árvore num penhasco a trezentos metros do chão? O que sois vós?

Não vejais um pilar separado de uma viga. Não percais o encontro do eu e o outro no sorriso de uma face de buda, uma face de ancestral. A árvore na qual estais pendurado não é nem a grande terra inteira nem o topo de um poste de trinta metros. É um penhasco de trezentos metros. Vós se afastais do penhasco de trezentos metros.

Há tempo de cair da árvore bem como de nela trepar. Se estivésseis pendurados pelos dentes no galho de uma árvore num penhasco a trezentos metros do chão? Lembrai-vos que houve um tempo em que nela havíeis trepado.

Assim, subindo trezentos metros, descendo trezentos metros. Andando para a esquerda são trezentos metros, andando para a direita, são trezentos metros. Aqui são trezentos metros, lá são trezentos metros. Vós sois trezentos metros, trepando são trezentos metros. Os trezentos metros falados é exatamente isso.

Deixai-me perguntar-vos: qual é o tamanho de trezentos metros? Deixai-me que vos diga que é exatamente do tamanho de um velho espelho, de um forno, de uma torre sem emendas.

Pendurados pelos dentes no galho de uma árvore. O que são os dentes? Ainda que não conhecêsseis toda a abertura da boca, deveríeis primeiro olhar o galho, conferir suas folhas e saber onde estaríeis com a boca. O que segura o galho são os dentes. Assim, todos os dentes são o galho, todo o galho são os dentes. O corpo todo é a boca. A boca toda é o corpo todo.

A árvore pisa na árvore. Assim, diz-se que os pés não pisam na árvore; os pés pisam neles mesmos. O galho trepa nele mesmo. Assim, diz-se que as mãos não trepam no galho; as mãos trepam nelas mesmas. Sendo dessa maneira, os calcanhares andam para frente e para trás; a mão faz um punho e se abre.

Pessoas aqui e ali pensam que esse caso é sobre pendurar no vazio. Mas pendurar no vazio é o mesmo que pendurado em uma árvore pelos dentes?

Se, de repente, alguém vos perguntasse, Porque Bodhidharma veio da Índia? Esta linha sugere que há alguém debaixo da árvore. Pode ser uma pessoa árvore. Há uma pessoa debaixo de uma pessoa. Assim, a árvore pergunta à árvore. A pessoa pergunta à pessoa. A árvore toda é a pergunta toda. Isto é tomar o significado da vinda de Bodhdharma da Índia perguntando, Porque Bodhidharma veio da Índia.

Aquele que está perguntando também está pendurado em uma árvore pelos dentes, e pergunta. Sem estar pendurado na árvore pelos dentes, não é possível perguntar, a voz não enche a boca, e a boca não se enche de palavras. Quando perguntais Porque Bodhidharma veio da Índia?, vós perguntais, pendurados pelos dentes, porque Bodhidharma veio da Índia.

Se abrirdes a boca para responder, perdereis a vida. Agora, examinai Se abrirdes a boca para responder. Diz-se que há um modo de responder sem abrir a boca. Então, não perderíeis vossas vidas.

Abrir ou não abrir vossas bocas não esconde o fato de estardes pendurados pelos dentes no galho de uma árvore. Abrir e fechar não são necessariamente a atividade da boca toda. Mas a boca toda abre ou fecha. Assim, pendurados pelos dentes no galho de uma árvore é a atividade quotidiana da boca toda. Abrir ou fechar não esconde a boca toda.

Se abrirdes a boca para responder significa responder abrindo o galho ou abrindo o porquê Bodhidharma veio da Índia? Se a resposta não abre o porquê Bodhidharma veio da Índia, não responde a pergunta. O corpo todo mantém a vida e não podemos dizer que perderíeis vossas vidas. Se já houvésseis perdido a vida, não poderíeis responder.

Contudo, o que Xiangyan quis dizer foi que devíeis ousar responder a pergunta e simplesmente perder vossas vidas.

Sabei que quando não respondeis, mantendes vossas vidas; se responderdes, daríeis uma reviravolta em vossos corpos e vivificaríeis vossas vidas. Dessa forma vemos que que cada pessoa que enche sua boca é expressão. Respondei a outrem, respondei a vós mesmos. Perguntai a outrem, perguntai a vós mesmos. Isto é ficar pendurado pelos dentes numa expressão. Pendurados numa expressão pelos dentes é pendurados pelos dentes no galho de uma árvore. Responder a outrem é abrir a boca na boca. Não responder a outrem não responde À pergunta do outro, mas não responde a vossa própria questão.

Assim, sabei que os budas e ancestrais que respondem à pergunta Por que Bodhidharma veio da Índia? todos responderam no exato momento em que estavam pendurado pelos dentes no galho de uma árvore. Os Budas e patriarcas que perguntam Por que Bodhidharma veio da Índia? Todos perguntam no exato momento em de estarem pendurados pelos dentes no galho de uma árvore.

* * * * *

Xuedou, Rev Jongxianm também chamado Mestre Zen Mingjiao, disse, "Falar na árvore é fácil, mas falar debaixo da árvore é difícil. Eu ainda estou na árvore. Traga-me sua pergunta".


Em relação a traga-me sua pergunta, o quão duro alguém tente, é lamentável que a pergunta venha vagarosamente, e que venha depois da resposta.

Deixai-me perguntar aos "saca-rolhas" do passado e do presente: quando Xiangyan caiu na gargalhada, ele estava falando na árvore ou debaixo da árvore? É ou não responder à questão Porque Bodhidharma veio da Índia, dizei-me, como vedes isso?

Apresentado à assembleia na Província de Echizen no quarto dia, segundo mês, segundo ano da Era Kangen [1244]


Fukanzazengi - Como penetrar no zazen? - 17º Comentário de Coupey

Ao fazermos zazen, é desejável que tenhamos um quarto calmo.

Mestre Deshimaru às vezes se serviu da palavra sanzen ao invés de zazen na sua primeira tradução do Fukanzengi. As traduções de hoje empregam a palavra zazen. Mas sanzen quer dizer mais do que simplesmente zazen. San significa aqui "reunião, reunir". E zen, é zen.

Ainda quando era discípulo, Mestre Dogen perguntou ao seu mestre:
"O que é zazen?
E Nyojo respondeu:
- É sanzen, praticar com um mestre: discípulo e mestre".

O que quer dizer praticar com um mestre? O que é um mestre, o que é um discípulo? Nos Estados Unidos eles usam a palavra teacher (professor) e student (aluno). Nós achamos essas expressões um pouco débeis, como se fosse um curso que acabasse quando voltássemos para casa... Cada um deve definir a palavra mestre por si próprio. Mas para o discípulo, a palavra mestre corresponde àquele que lhe pode indicar a trilha, o Caminho. Não apenas através de seus ensinamentos no dojo, por seu comportamento no exterior, mas também pelo que ele é além dele próprio e além do discípulo. É aquele que lhe mostra a prática praticando com ele - san, "reunião"; É aquele que pode transmitir o ensinamento de seu próprio mestre, e o discípulo, aquele que é receptivo a esse ensinamento e a essa prática. Mas, ao fim, os dois são intercambiáveis. O discípulo obriga o mestre a praticar e vice-versa; ele conduz o mestre e quando o mestre avança, ele puxa o discípulo. E além disso, o mestre não precisa estar vivo necessáriamente, ele já pode ter morrido. Um mestre, quando é verdadeiramente seu mestre, não é apenas para a vida, mas para a eternidade. Meus mestre já morreu, mas eu serei sempre seu discípulo.

Mestre e discípulo estão reunidos nas profundezas da prática e do espírito i shin den shin, coração a coração, minha mente à sua mente. Mestre e discípulo, discípulo e mestre, é uma relação, para se servirem mutuamente - evidentemente não para si mesmo, mas para o Dharma. E o trabalho de cada um de nós, de vocês, consiste em transmitir esse Dharma, automatica, inconsciente e naturalmente, sem modificá-lo em nada. Transmitir o que foi transmitido através dos séculos e que será transmitido nos séculos vindouros. E isso apesar de vocês, apesar de nós, apesar de mim.

Para quem não é discípulo e que não conhece essa relação, a prática é cada vez mais difícil. Eu penso mesmo que ela, no final, torna-se insustentável. E não falo isso pelo que li, mas pelo que vi e vivi de pessoas que não estabeleceram essa relação de mestre e discípulo e bem que desejariam ter estabelecido. Frequentemente nos mondo há perguntas do tipo "Como encontrar um mestre?", "Devo procurar um mestre?" Esse estado de espírito já é falso, nessa prática não se ajuda a encontrar quem quer que seja, e creio que a questão seja de não procurar mais... E, a menos que procurar o mestre seja procurá-lo em si, vocês nunca o encontrarão. Pois, ao fim e ao cabo, o verdadeiro mestre é você mesmo, isto é, a sua verdadeira natureza. Mas para encontrar o mestre interior, necessitamos do mestre exterior.




20 dezembro 2010

Zazen

"Se alguém lhe perguntar o que é o verdadeiro zen,
Não é necessário que você abra a boca para explicar.
Mostre todos os aspectos de sua postura de zazen.
Então, o vento primaveril soprará
E fará desabrochar a maravilhosa flor da ameixeira".
Daichi Sokei

Como entrar no verdadeiro zen, como praticar zazen?

13 dezembro 2010

Fukanzazengi - 16º Comentário de Coupey

 

 Se desejarmos realizar a sabedoria do Buda, devemos começar a praticar imediatamente.

Aqui, Dogen continua a falar da prática do zazen. Essa frase quer dizer, "Deveis praticar o zazen sem demora. Aqui e agora". Inmo, o que é. Então, nos diz Dogen, se quereis praticar "o que é", praticai "o que é" sem demora.

Num dojo, pratica-se a "assimélidade"". Sentamos diante de uma parede, não cortamos nossos pensamentos, e também não fugimos deles. Seguimos conssciente ou inconscientemente nossa respiração, que é longa e profunda. Sem desejar o que quer que seja. Sem finalidade. Para que fazer zazen? No começo, pensamos saber, para isso ou para aquilo. Mas depois, porque? Impossível de responder. Apenas Inmo, aquilo que é. 
Pois, se praticarmos o zazen com uma finalidade, ainda que pequenina, quase invisível, esse zazen é falso (e, desde logo, ordenar-se monge nada mais faz do que reforçar esse espírito). A mídia deseja ardorosamente que nossa prática tenha uma finalidade: o kenshô, o satori. De outro modo, para falar do zen, nada teriam a dizer... Mas, ao final das contas, o importante não é a análise que esssas pessoas que não praticam posssam fazer, mas o modo que cada um navega e anda pelo Caminho.

Mestre Kodo Sawaki, na única frase que encontrei sobre o Fukanzazengi, disse sobre a "assimélidade": "Deveis voltar-vos para a mais elevada busca espiritual dentro de vós mesmos. Deveis voltar-vos para a busca mais elevada do ser humano". É aquilo, inmo. É nossa prática no dojo, mas também na vida quotidiana.

O guru Lee Lozowick disse um dia que o problema com o zen é que esse ensinameento permanece no dojo e não se difunde pela vida quotidiana. Talvez possa ser o caso para muitos praticantes que vestem o kesa no dojo e não o vestem no exterior. A forma nos ajuda, mas existe também a não-forma. É preciso viver no invisível. O invisível está por todo o lado. Seja no dojo, seja fora do dojo, nossa prática permanece a mesma. E a pergunta é: como estar no momento presente por todo o mundo? Não no sentido altruista, mas no sentido onde não existe, onde jamais existiu, separação entre eu e os outros. Fazemos sempre separações: no dojo, fora do dojo; durante o zazen, fora do zazen. E, no final, a separação entre "eu e ele, ele e eu". O ensinamento zen é justamente de como viver neste mundo. É preciso compreender que o próprio zen faz funcionar a vida quotidiana; de outra forma, essa prática nõa teria o menor sentido. Não teria nenhum sentido a existência do Buda Xáquiamuni e a de todos os santos tibetanos, como Milarepa, que viveu nas cavernas, no coração das montanhas.

28 novembro 2010

Fukanzazengi - 15º Comentário de Coupey

Nosso corpo e mente naturalmente cairão fora.

Dogen refere-se aqui à expressão shin jin datsu raku, mais frequentemente traduzido por “abandonar” ou “rejeitar corpo e mente”, ou ainda, “ir além do corpo e da mente”. Pessoalmente eu prefiro “derrubar o corpo e a mente”. Um dia eu trabalhava como o Mestre Deshimaru na tradução do Zazenshin. E para a expressão shin jin datsu raku, eu escrevia “abandonar corpo e mente”. Ele me disse: “Não, não é isso! É muito mais afirmativo como expressão”. E ele fez o gesto de lançar qualquer coisa ao chão. Então eu disso, “Throw down? Derrubar?” Ele me respondeu, “Sim! É isto! Throw down! Derrubar!” Desde esse episódio que digo “derrubar corpo e mente”.

Mais tarde, Mestre Dogen, no Shobogenzo, definirá essa expressão dizendo que quando todos os seres sencientes tornam-se budas, não estão perdidos. O que se passa simplesmente é que o corpo e a mente caem naturalmente. Para Kodo Sawaki, shin jin datsu raku significa “abandonar o egocentrismo de crer em buda e de ser guiado por buda”. E para Okubo, especialista em budismo, trata-se de “esquecer o apego a si e tornar-se um com o Dharma”. Mas eu gosto muito da definição do Mestre Deshimaru para datsu raku: “É o mau karma metamorfoseado”. Isso difere completamente do que se ouve muito frequentemente hoje em dia em numerosas escolas zen onde datsu raku é interpretado como o satori ou o despertar, o que para mim é um grande erro.

Com esse shin jin datsu raku, Dogen faz também referência a seu encontro com Mestre Nyojo (que se deu logo após aquele encontro com o velho tenzo).

Mestre Nyojo não se irritava frequentemente. Mas se por acaso os monges se enganavam durante o zazen, ele podia ficar verdadeiramente furioso. Um dia, no dojo, um monge, sentado em zazen ao lado de Dogen adormeceu. Furioso, Nyojo se levanta e, segundo o Mestre Deshimaru, lhe golpeia violentamente a cabeça com sua sandália. Em seguida, derruba-o do tan (estrado) onde fazia zazen, gritando, "Shin jin datsu raku!" E diz a todo o mundo: “Interrompo o zazen por hoje! Interrompo o ensinamento! Interrompo o sesshin!” Depois regressa a seu quarto. O jovem Dogen então lhe segue, faz sampai diante dele, e repete bem alto ao mestre esta frase: “Shin jin datsu raku”. Depois: “Hoje tive um grande choque. Meu corpo e minha mente mudaram completamente, giraram 180 graus. Uma verdadeira revolução interior”.
E Nyojo, nada irritado, responde simplesmente: "Datsu raku shin jin!"

Se desejarmos compreender o ensinamento de Mestre Dogen, é importante compreender esse shin jin datsu raku. E, igualmente, a resposta que Nyojo deu a Dogen, datsu raku shin jin. Ele queria dizer com isso, “Não deveis permanecer aí. O satori nunca se interrompe. Isto é o essencial. Continuai, continuai a vos desembaraçardes de vosso corpo e de vossa mente. Até a vossa morte”.

20 novembro 2010

Fukanzazengi - 14º Comentário de Coupey

Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós mesmos. Ao fazermos isso, nosso corpo e mente naturalmente cairão fora, e nossa natureza original de Buda aparecerá.

Temos que aprender a dar meia-volta, girar nosso espírito 180 graus, dirigir nossa luz para o interior. E assim, o corpo e a mente se apagam: nem corpo, nem mente, nem dentro, nem fora. Não mais estaremos presos às palavras, à letra, às formas - não estaremos mais, por exemplo, apegados às considerações do tipo "meu corpo de homem", "meu corpo de mulher" (de todos os modos, quando nascemos, nossa mente não é masculina nem feminina). E nossa face original pode então surgir: quando retiramos todos os floreios aparece a verdadeira natureza.

Um monge chega o templo e o mestre lhe pergunta:
- De onde vens?
O outro responde todo o tipo de coisas. Geralmente, lhe dá seu endereço, o número da rua, o nome da cidade, da vila... E, se o mestre é suave, talvez lhe diria:
- Bem... Tu não me compreendeste, mas isso não tem impotância... Podes, mesmo asssim, entrar.
Mas um mestre um pouco mais severo, sem dúvida, enxotará o monge:
- Vai-te embora! Nada compreendes!
Ao colocar aquela pergunta "De onde vens?", o que quer de fato saber o mestre, é se conhecemos nossa verdadeira natureza. A que distância está nosso país, nossa cidade, nossa aldeia, da nossa natureza original?"

05 novembro 2010

Fukanzazengi - 13º comentário de Coupey


Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e aprendermos a nos retirar e refletir sobre nós mesmos. Ao fazermos isso, nosso corpo e mente naturalmente cairão fora, e nossa natureza original de Buda aparecerá. Se desejarmos realizar a sabedoria do Buda, devemos começar a praticar imediatamente.

Nesse parágrafo do Fukanzengi, Dogen fala com seguramente sobre o que se passa durante o zazen. Eis a mesma coisa dita de outra forma – ou mais simplesmente: uma vez de volta à sua vida normal, graças ao sentar-se durante o zazen, seu corpo e sua mente se apagarão espontaneamente. E automaticamente, naturalmente e inconscientemente, você realizará sua verdadeira natureza, seu verdadeiro aparecerá. Agora, se você quiser atingir esse estado, você praticar o zazen.

Devemos parar de correr atrás de palavras e de letras e ao lhe dizer que isso é a verdade, também que não passa de palavras. A raiz da linguagem não está nas palavras a compreender.

Isso me faz pensar na septuagésima terceira e última linha do Shinjinmei:

“Lá se rompe o caminho da linguagem,
Não há mais passado nem futuro”.

Não temos necessidade, por exemplo, de estarmos limitados pela nossa compreensão do português ou por nossa falta de compreensão do francês... Também não é preciso ficar limitados pela gramática ou pelas conjugações. Um dia, alguém perguntou ao Buda:

- Porque os ignorantes fazem discriminações e os sábios, não?

Buda respondeu:

- Porque os ignorantes prendem-se aos nomes, aos sinais, às placas.

Essa ligação às palavras é um grande problema de nossas sociedades – pode-se ver através de todas as guerras às quais nos confrontamos hoje em dia. Corre-se atrás de palavras ou ideias como “eu sou palestino, eu sou israelita”. Mas isso não é verdadeiro, é ignorância pensar assim. Não somos nem “brasileiros”, nem “americanos”. Não somos de uma dimensão tão pequena. Se não estivéssemos tão presos às palavras, o mundo seria bem diferente hoje em dia – também as relações entre os países e entre nossos próximos.

Essa passagem do Fukanzazengi sobre o apego às palavras me faz pensar num mondo que ocorreu no porto de Minshu, entre o jovem monge Dogen e um tenzo que tinha ido comprar cogumelos. Naquela época, Dogen era muito jovem, mas também muito erudito. Ele havia partido para a China para aprofundar seus conhecimentos sobre o zen. Ele havia procurado por toda a parte e não havia encontrado nada interessante. Então ele regressara ao porto de Minshu e subira ao barco onde aguardava a partida para o Japão.

Um dia, o jovem Dogen notou, sobre a ponte do barco, um velho monge colocando para secar cogumelos japoneses. Ele começou a observar com muita curiosidade aquele monge zen muito idoso trabalhando ao sol como qualquer homem comum. Ele decide ir falar-lhe. Descobre que o monge é tenzo no templo Keitoku-ji e veio até o barco para comprar cogumelos guardados lá. Eles mantiveram um mondo que depois se tornou muito célebre na história do zen:
“- O que lhe faz trabalhar assim em pleno sol?
O tenzo lhe respondeu:
- Devo preparar esses cogumelos para o templo. Estamos em sesshin.
- A que distância se encontra o templo?
- A 35 quilômetros daqui.
- Muito bem...! Você tem um longo caminho a percorrer... Eu gostaria muito de lhe falar... Pode ficar um pouco?
- Não, não posso ficar. Tenho que terminar esse trabalho e partir imediatamente.
O jovem monge erudito (não tão diferente dos jovens monges eruditos de hoje em dia) lhe diz então:
- Mas... devem existir muitos monges no seu templo para lhe substituir como cozinheiro... Você é bem idoso e vê-se bem que é alguém muito importante.
O velho monge então lhe diz:
- Completamente impossível deixar que qualquer outro faça esse trabalho. Um outro não sou eu. E, mesmo assim, se eu quisesse ficar, deveria pedir permissão ao chefe do templo. E não a tenho.
Dogen, que tenta sempre aprofundar a conversa:
- Mas você não é mais jovem, deve ter mais de 60 anos... Porque você faz esse trabalho? Porque não dedica mais de seu tempo ao estudo dos sutras e outros textos budistas?
O tenzo lhe olha nos olhos e explode em risos:
- Meu pequeno e bravo monge estrangeiro, você não conhece o verdadeiro texto, o autêntico sentido das palavras. Você ignora bendo, “encontrar o despertar pela prática”. Como nós praticamos o Caminho, você ignora. O sentido autêntico das palavras, a raiz das palavras, qual é?
- Escutando essa resposta, Dogen teve um verdadeiro choque. E todo seu corpo começou a transpirar, e não foi por causa do sol! Ele escreveu no Tenzo Kyokun: “Fui atravessado por um calafrio e fiquei um bom tempo transtornado. Sentia-me coberto de vergonha.”
Eis a continuação do diálogo:
“- Mas o que é bendo?, perguntou Dogen. E o velho tenzo respondeu:
- Pratique sua pergunta e você poderá se tornar um verdadeiro praticante do Caminho.
Dogen queria continuar a conversa, mas o tenzo lhe disse:
- Agora devo partir e retornar ao templo. “Mas se você aparecer por lá, será bem-vindo”.

Essa história com o velho cozinheiro não nos diz que não é preciso estudar e ler, mas, sobretudo, como estudar e ler. Seguramente, com o olho do Caminho. O olho do Caminho não é um dom natural, mas um dom proveniente da tradição. E foi isso que Dogen começava a compreender, ele, que até aquele encontro, tinha um espírito completamente cerebral. Para ele, cozinhar, secar cogumelos, não era verdadeiramente a essência do zen. E aquele monge, vindo de longe para comprar cogumelos, ultrapassava sua compreensão.

Os tempos, finalmente, não mudaram muito, pode-se mesmo dizer que, ao fim, o tempo não existe. A história em questão se passou em 1233 e continua a mesma. A maior parte das pessoas que hoje vêm praticar, e uma boa parte daqueles que continuam a praticar, têm ou tiveram o mesmo espírito que o jovem Dogen. Eu também. Naquela época, Dogen ainda não tinha um mestre e pensava que bastava pedir a ordenação, como se faz frequentemente entre nós: receber a ordenação, conhecer a postura sentada, o comportamento exato no dojo, a cerimônia. E depois, quando se é um pouco escorado, um pouco educado, conhecer os principais textos do zen. Como se, ao fim e ao cabo, ser monge ou monja fosse uma posição, semelhante a um posto que se ocuparia no trabalho. Aí, alguém recebe o título de “monge” e depois continua a fazer as coisas do mesmo jeito que sempre fez, com exatamente o mesmo espírito, os mesmos hábitos. Mas isso é compreender mal o ensinamento ou os sutras – é como se os próprios sutras fossem falsos.
 
Depois daquele encontro com o velho monge, segundo o Mestre Deshimaru, Dogen conheceu uma verdadeira transformação, deu uma virada de 180 graus. Tudo mudara para ele. Ele devia agora voltar seu olhar, até então dirigido apenas para o exterior, para o interior.

Como se sabe, Dogen decidiu, por fim, partir para o templo Keitoku-ji, templo de Nyojo. Ele ali reencontrou o velho tenzo. Uma nova troca teve lugar quando esse último, que se preparava para voltar a seu país natal, se despedia.

Dogen lhe perguntou: “Qual o verdadeiro sentido da palavra?”
Eis a resposta do tenzo: “1, 2, 3, 4”.

Vários anos mais tarde, de volta à China e logo depois de ter deixado seu mestre Nyojo para sempre, Dogen escreveu o Fukanzazengi. Essa história com o velho tenzo, certamente está na origem desse parágrafo. Pode-se dizer assim que, graças àquele encontro entre o jovem monge japonês e o tenzo chinês, nós praticamos como hoje em dia. “1, 2, 3, 4, quer dizer que o Caminho existe por toda a parte, que ele não está escondido.

28 outubro 2010

Sankon Zazen Setsu

Sankon Zazen Setsu
Três tipos de praticantes Zen

Keizan Zenji

Aquele cujo zazen é do tipo mais profundo não tem interesse em como os Budas podem surgir no mundo atual. Ele não especula sobre as verdades que não podem ser transmitidas nem pelos Budas e Ancestrais. Ele não tem nenhuma doutrina sobre “todas as coisas serem expressão do self” porque ele está além de “iluminação” e “delusão”. Uma vez que suas visões nunca partem de ângulos dualistas, nada o obstrui, mesmo quando distinções aparecem. Ele apenas come quando tem fome. Ele apenas dorme quando está cansado.

Aquele cujo zazen é do tipo médio abandona tudo e rompe todas as amarras. Através do dia ele nunca está ocioso e assim cada momento da vida, cada respiração, é a pratica do Dharma. Ou então ele pode concentrar-se em um koan, olhos fixos, com o olhar em um ponto como a ponta do nariz. Considerações sobre vida e morte, ir e ficar não são vistas em sua face. A mente da discriminação não pode jamais penetrar a mais profunda imutável verdade, nem entender a Mente-de-Buda. Uma vez que não há pensamentos dualistas, ele é iluminado. Do mais distante passado até o presente momento, a sabedoria é sempre brilhante, límpida e reluzente. Todo o universo através das dez direções é subitamente iluminado por sua fisionomia, todas as coisas são vistas em detalhe em seu corpo.

Aquele cujo zazen é apenas comum vê as coisas de todos os lados e liberta-se de boas e más condições. A mente naturalmente expressa a Verdadeira Natureza de todos os Budas porque Buda está exatamente onde seus pés estão. Assim, ações incorretas não surgem. As mãos se unem no mudra da realidade e não estão atadas a nenhuma escritura. A boca está firmemente fechada, como se os lábios estivessem selados, e nenhuma palavra de doutrina é dita. Os olhos nunca estão plenamente abertos nem fechados. Nada é visto do ponto de vista da fragmentação e palavras boas e más não são ouvidas. O nariz não discrimina os cheiros como bons ou maus. O corpo não se apóia em nada e toda a delusão cessou. Uma vez que delusões não perturbam a mente, nem pesar nem júbilo aparecem. Exatamente como uma escultura de madeira de Buda, tanto a substância quanto a forma são verdade. Pensamentos mundanos podem surgir, mas eles não perturbam porque a mente é um espelho brilhante, sem traços de sombras.

Os Preceitos surgem naturalmente do zazen, sejam eles os cinco, oito ou os Grandes Preceitos do Boddhisattva, os Preceitos monásticos, as três mil regras de conduta, os oitenta mil Ensinamentos ou o supremo Dharma dos Buddhas e Ancestrais Despertos. Nenhuma prática, definitivamente, pode ser equiparada ao zazen.

Se um só mérito pode ser alcançado com a prática do zazen, é mais vasto que a construção de cem, mil ou incontáveis mosteiros. Pratique shikantaza, apenas sentando-se incessantemente. Fazendo isso, nos libertamos do nascimento e morte e realizamos nossa própria Natureza-de-Buda que está escondida.

Em perfeito bem-estar, vá, fique, sente e deite-se. Vendo, ouvindo, entendendo e sabendo são a manifestação natural da Verdadeira Natureza. Do princípio ao fim, mente é mente, além de argumentos sobre conhecimento e ignorância. Apenas faça zazen com tudo aquilo que você é. Nunca se perca disso ou distancie-se disso

26 outubro 2010

"A torrente da montanha corre fundo, por isso a concha é longa" de um eremita.

Um monge contruiu uma ermida aos pés do Monte Hsue-feng e lá viveu muitos anos praticando a meditação, mas sem raspar a cabeça.Tendo feito uma concha de madeira, o monge retirava e bebia água de uma torrente da montanha.

Um dia, um monge do mosteiro que ficava no alto da montanha visitou o eremita e perguntou, "Qual o significado de Bodhidharma ter vindo do Oeste?" O eremita respondeu, "A torrente da montanha corre fundo, por isso o cabo de uma concha de madeira tem que ser adequadamente comprido". O monge relatou o episódio ao mestre do templo de Hsue-feng, que declarou, "Ele parece uma personagem estranha, talvez uma anomalia. Acho melhor ir logo e verificar eu mesmo".

No dia seguinte mestre Hsue-feng foi ver o eremita e carregou uma navalha e se fez acompanhar de um assistente. Assim que se encontraram, ele disse, "Se você puder exprimir o Caminho, não raspo sua cabeça". Ao ouvir isto, o eremita a princípio ficou sem fala. Mas, em seguida, usou a concha para apanhar água para lavar sua cabeça , e Hsue-feng raspou a cabeça do eremita.

Comentário em verso:

Quando alguém pergunta o significado de
Bodhidharma ter vindo do Oeste,
É que o cabo de madeira da
concha é longo, e a torrente da montanha
corre fundo. Se você quiser
saber o imenso significado disso,
espere o vento soprar nos
pinheiros e abafar o som das cordas do koto.

Fukanzazengi - 12º comentário de Coupey


Já que estes sábios de antanho eram tão diligentes, como podem os praticantes do dia 
presente deixarem de praticar o zazen?

Os "sábios de antanho", aqui, são os mestres da transmissão, os patriarcas. Esses sábios,  ou "santos", não têm nada a ver com os santos da religião católica. O significado da palavra santo é completamente diferente. No budismo, o "santo", pode ser um homem vivo.

Dizemos que somos todos santos, aqui e agora. Todos temos o satori de buda. Para o Mestre Dogen, os "sábios de antanho" foram, entre outros, os patriarcas Bodhidharma, Eno, Obaku, Hyakujo, Rinzai... Eis uma passagem do Shobogenzo, onde Mestre Dogen fala dos mestres que foram fundadores, pilares desse ensinamento:

"Obaku era um buda antigo, além do tempo, muito superior a Hyakujo e muito mais fino que Baso. Rinzai, em comparação, era bem insignificante".

Geralmente, não gostamos de ouvir alguém falar de sábios de antanho em termos de comparação, de julgamento de categoria, sobretudo quando aprendemos, desde os primeiros dias de prática, que não é preciso comparar, julgar, estabelecer categorias...Além disso, em muitos dojos pertencentes a outra linhagens diferentes da nossa, não se cita esse tipo de passagem. Eu acho uma pena, pois penso que podemos ensinar por todos os meios. Mestre Deshimaru, por exemplo, nçao parava de nos comparar uns aos outros. Quantas vezes nos dizia, "Você é o número um!” Ele às vezes colocava o polegar para cima, outras, para baixo, "Negativo! Antes, você era o número um, agora você sequer figura na lista...!" Muitas pessoas de fora ficavam chocadas com esse tipo de comportamento e essa maneira de ensinar. 

O Mestre Deshimaru regularmente publicava no Boletim Zen uma lista de uns cinquenta nomes com todas as mudanças de "categorias" em curso... Então, segundo os dias, subia-se ou descia-se naquela classificação. E seria bonito manter um ar indiferente, dizer que estávamos além dessas "bobagens dignas de escola maternal" e, de fato, não estávamos numa... Levávamos tudo isso muito a sério. Não dormíamos à noite quando ganhávamos um polegar para baixo, e dormíamos muito bem quando o polegar era para cima. Ficávamos muito irritados por conta disso, sobretudo os que estavam no meio da lista. Os que se achavam no fim da lista se zombavam e os que estavam no topo pareciam também fazer troça, mas por dentro, era diferente. Mestre Deshimaru, na realidade, brincava com a ignorância humana, com nossa ignorância e esse hábito que temos de ficar todo o tempo nos comparando, nos medindo uns contra os outros, nos classificando em categorias.

Então segundo Mestre Dogen, Obaku era "superior' a Hyakujo", "mais fino" que Baso e pertencia a uma categoria mais elevada que Rinzai. Era o santo dos santos. Ele vivia em plena época da repressão ao budismo pelo Imperador. Mas o zen não era particularmente visado porque aqueles monges nada possuíam, nem dinheiro nem templos, mas apenas velhos barracos onde praticavam zazen. E todo o modo, Obaku debochava bastante da repressão:

"O príncipe Senso então praticava com Obaku. Um dia em que Obaku fazia sampai no dojo para a 
estátua de Buda, Denso lhe pergunta:
- Porque você se prostra diante dos Três Tesouros? [Precisemos que Senso era conhecido por sua forte crença no desapego, mesmo em relação aos Três Tesouros.] Para que servem os rituais quando estamos desapegados de toda noção de despertar?
Obaku lhe dá uma bofetada, tap!
Por conta disso, Senso, com a face corada, grita com a voz indignada:
- Então é assim que se manifesta um santo, um ser desperto?!
Obaku lhe dá uma segunda bofetada, tap!
- Verdadeiramente, diz Senso, você é um ser grosseiro!
Obaku lhe desfere uma terceira bofetada - tap! - e lhe retruca:
- E essa, lhe parece grosseira ou refinada?"

Quando se comenta que Obaku tinha o dobro da estatura de um homem normal, pode-se compreender que, a cada bofetada, sua mão cobria inteiramente a face de Senso... Em todo o caso, graças à força dessa última bofetada, diz-se que Senso teve um grande satori.

Obaku não era, naquela época, um mestre oficial, mas um simples discípulo. Ele era shuso, isto é, o primeiro monge do dojo de Hyakujo, e Senso era seu condiscípulo. Assim, levando-se em conta que Obaku não era o mestre de Senso e que este não era nada menos que o filho do imperador da China (ele deveria em seguida suceder-lhe no trono), distribuir-lhe bofetadas não era um bom meio de obter os favores da hierarquia, o que mostra que Obaku não era um monge de dimensão comum. E o "santo Obaku" que dá bofetadas em Senso para tentar despertá-lo, não se comporta verdadeiramente como um santo cristão.


A propósito de Rinzai, segundo a categorização de Dogen, (“bem insignificante”) – poder-se-ia dizer “de um nível pequeno” – ele teve seu satori com o Mestre Taigu (cujo nome quer dizer grande idiota) quando este último lhe deu uma bofetada com toda a força... A experiência de Rinzai com Taigu tornou-se muito célebre. É o caso de satori mais célebre na história do zen. Ainda aí, não se acha nenhum santo cristão como esse “Grande Idiota”...

Eu poderia citar muitos outros “santos” de nossa tradição zen: Eka, que se tornou açougueiro, Doshin, que dormia com as vacas. Ou ainda evocar Eno, o sexto patriarca que rasgava os sutras (existe um quadro famoso onde se pode vê-lo em plena ação [que ilustra esse comentário]) – não se pode imaginar um santo cristão rasgando a Bíblia... Hoje, esse gesto de Eno seria tomado como vandalismo, mesmo no zen. Eno, ao rasgar os sutras, nos diz que a verdade não se encontra no papel mesmo que, apesar disso, seja importante compreender o que nele está escrito.

30 setembro 2010

"O Cipreste no Jardim" de Joju


CASO PRINCIPAL


Um monge perguntou a Joju, "Qual o significado da vinda do Ancestral [Bodhidharma] da Índia? (1)


Joju disse, "O cipreste no jardim". (2)


O monge disse, "Mestre, por favor não ensine usando um objeto". (3)


Joju disse, "Eu não estou lhe mostrando um objeto". (4)


O monge disse, "Qual o significado da vinda do Ancestral da Índia?" (5)


Joju disse, "O cipreste no jardim". (6)

Notas:
(1) De novo?
(2) Abra seus olhos.
(3) Do que ele está falando?
(4) O velho homem tenta colocar as coisas no lugar.
(5) De novo?
(6) Porque mesmo se importar? Deixe-o continuar decepcionando a si mesmo.

Fukanzazengi - 11º comentário de Coupey

Cosmic Ice Sculptures: Dust Pillars in the Carina Nebula


... transmitir a mente-de-Buda

Quando Dogen fala de "transmissão", não creio que se trate de "shiho", tal como conhecemos hoje em dia, isto é, da transmissão oficial em papel - que, aliás, não existia naquela época. A transmissão aqui tratada é a transmissão da mente de Buda. É graças aos nove anos durante os quais Bodhidharma esteve sentado em frente à parede de sua gruta, que nós hoje praticamos à frente de uma parede. Eu não sei se Buda estava ou não sentado de frente para a árvore de Bodhi (ele é representado assim em desenhos antigos), mas Bodhidharma, seguramente sentava-se de frente para uma parede. E assim nós, praticantes do zen soto, fazemos a mesma coisa, diferentemente de outras escolas onde se sentam uns de frente aos outros. Nada mudou. É exatamente a mesma prática. E é isso que importa.

Se Bodhidharma não houvesse existido, o zen, tal como o conhecemos hoje, não existiria. À nossa prática, não se chega por alguma coisa. Isso é particularmente difícil de aceitar pela maioria das pessoas e frequentemente é por isso que muitos a deixam: descobrem que realmente não há nada, que é outra coisa que se passa. No zen de Bodhidharma, não há graus, não há etapas a vencer. É verdadeiramente o confronto ou encontro com suas vísceras - vísceras dos seres humanos. Os primeiros anos são fáceis. Cinco anos, fácil; dez anos, um pouco mais difícil; quinze, vinte anos, não é nada fácil. É preciso ficar ainda mais vigilante do que no começo, pois o caminho torna-se cada vez mais perigoso. Como o velho salmão que depois de haver descido a correnteza, vai regressar e subir o rio para por seus ovos e morrer. A descida não foi tão difícil, mas a subida torna-se cada vez mais difícil - há cada vez menos água..., cada vez mais pedras... E, além disso, há ursos à beira do rio prontos para abocanhá-lo. Podemos perceber esses ursos por toda a parte em nossas vidas: homens, celibatários, mulheres, solitárias, honrarias, posições a conquistar... Muitos salmões não conseguem chegar ao alto, nem chegam mesmo a colocar a ponta de seu nariz no ponto de partida, não reencontram a fonte e perdem a vida. A mesma coisa vale para os praticantes: trata-se da mais elevada aspiração espiritual e, se ela é fácil, não é autêntica.

Ainda que, nas imagens que representam Bodhidharma na sua caverna, ele é visto sentado defronte a uma parede, isto nada mais é do que uma imagem. Ainda que nossa prática comece e termine com zazen, ela não se limita apenas ao zazen. É como apertar constantemente o mesmo ponto de acupuntura. Todos os dias. E no fim desse pequeno ponto se encontra o universo todo, o satori, a verdade cósmica. O zen que Bodhidharma ensinou consiste simplesmente em harmonizarmo-nos com a vida cósmica, com a natureza, com o homem, os animais, natural e inconscientemente. O nome Bodhidharma foi bem escolhido por seu mestre Hannyatara. Bodhi quer dizer "satori" e Dharma, "ordem cósmica". Cada grande mestre, seja Cristo, Sócrates ou Bodhidharma, procurou este verdadeiro Dharma: ho.

19 setembro 2010

O Tratado de Bodhidharma - As duas entradas

Muitas são as formas de entrada no Caminho, mas elas podem ser resumidas a duas: a entrada pelos princípios e a entrada pela prática.

A entrada pelos princípios consiste em realizar o princípio essencial apoiando-se na doutrina. Consiste em crer na imanência, em todos os seres, de uma natureza única e verdadeira, que o véu irreal das impurezas nada mais faz senão mascarar. Pelo abandono do falso e o retorno ao verdadeiro, concentrando-se na contemplação mural, descobre-se que não existem nem eu, nem outro, e que o profano e o santo se revelam iguais e uno. Nisto colocando firme confiança, e dela não se apartando, torna-se silenciosamente uno com o princípio, das palavras não se é escravo, e se é livre da consciência discriminativa. Tudo é sereno e além da ação. Esta é a entrada pelo princípio.

A “entrada pela prática" inclui quatro práticas, que resumem todas as outras. Quais são elas? São:
1) [Saber] se livrar do ódio;
2) estar de acordo com as condições;
3) nada desejar; e,
4) estar em perfeita harmonia com o Dharma.

1. O que é saber como se livrar do ódio?

Quem se disciplina no Caminho, quando encontra condições adversas, deverá pensar assim: "Por incontáveis eras no passado vaguei por multitudes de existências, apegando-me à trivialidade e desprezando o essencial. Criei com isso inúmeras situações propícias ao ódio, à má-vontade e às ações não-saudáveis. Mesmo que nesta vida transgressões não fossem feitas, ainda assim os frutos das ações maléficas do passado se manifestariam. Nem os seres luminosos, nem os homens poderiam saber o que a mim está reservado. De boa vontade e com paciência aceitarei os males que a mim sobrevierem e deles não me lamentarei. Nos sutras é dito que não devo me agitar pelos males que surgem, pois, quando com inteligência as coisas são penetradas, os fundamentos da causalidade são conhecidos". Quando tais pensamentos surgem num homem, com a Inteligência ele estará de acordo, fazendo do ódio o melhor uso possível e colocando-o à serviço do Caminho.

2. Aceitar o karma significa:

Nos seres produzidos pelas condições do karma, nenhuma substância imutável pode ser encontrada, e a alegria, bem como o sofrimento, são também resultados de ações intencionais do passado. Se vêm a riqueza, o louvor, etc., estes são resultados de ações passadas que, devido à causalidade, afetam minha vida no presente. Esgotada a força das ações, os resultados que agora desfruto se acabam. Por que, então, alegrar-me com eles? Ocorrendo o ganho ou a perda, que eu aceite o karma. O coração nada sabe de aumentos ou diminuições. Na harmonia silenciosa com o Caminho o vento do prazer não me abala. Isso é o significado de aceitar o karma.

3. Nada desejar significa:

Neste mundo, os homens continuamente confusos, apegam-se sempre aqui e ali. A isto se chama desejo. Os sábios, porém, compreendem a verdade, e em nada se assemelham aos ignorantes. Serenamente seus corações repousam no não-criado, enquanto o corpo se move de acordo com as leis da causalidade. Todas as coisas são vazias e nada vale a pena buscar. Lá onde está o mérito do brilho, também está o demérito da escuridão. Este mundo tríplice, no qual convivemos por tão longo tempo, é como uma casa em chamas. Tudo o que tem um corpo sofre e ninguém sabe realmente o que é a paz. Os sábios nunca se apegam a nada, pois conhecem intimamente esta verdade. Com os pensamentos serenos nada desejam. Assim diz o sutra: "Quando há o desejo, há o sofrimento. Com a cessação do desejo vem a felicidade". Sabemos, deste modo, que nada desejar é o caminho para a verdade. Isto é o que significa "nada desejar".

4. "Estar de acordo com o Dharma" significa:

Que a Inteligência a que chamamos Dharma é pura em sua essência e é o princípio da vacuidade em tudo que se manifesta. Está além das manchas e dos apegos. Nela não há nem eu nem outro. Diz o sutra: "No Dharma não há seres sencientes, pois ele está livre da mancha do ser. No Dharma não há "eu", pois ele está livre da mancha do eu". O entendimento e a confiança nesta verdade tornam as ações dos sábios conformes ao Dharma.

A essência do Dharma é o não desejar e, assim, os sábios estão prontos para a generosidade do corpo, da vida e das propriedades. Em nada lamentam e são livres da má-vontade. Sua compreensão da natureza tríplice da vacuidade, os leva para além da parcialidade e do apego. Devido à sua vontade de limpar as manchas dos seres, eles se adaptam a eles sem se apegar à forma. Esta é a fase do benefício próprio em suas vidas. Mas eles sabem também como ajudar aos demais e louvar a verdade do Despertar. Como é com a virtude da generosidade, assim também com as outras cinco virtudes. Os sábios praticam as seis virtudes transcendentes afastando os pensamentos confusos sem esperarem pelos resultados meritórios destas ações. Isto é o que significa "estar de acordo com o Dharma".

Um cipreste no jardim



Um monge perguntou a Joju:
"Porque Bodhidharma veio do Oeste?"
Joju respondeu:
"Um cipreste no jardim."

Fukanzazengi - 10º comentário de Coupey

Dizem também que Bodhidharma teve que praticar zazen em Shaolin durante nove anos para poder transmitir a mente-de-Buda.






Shaolin é o nome da gruta onde Bodhidharma praticava defronte a uma parede. Muitas lendas circulam em torno do nome de Bodhidharma. Diz-se, por exemplo, que ele percorreu o norte da China a pé, atravessou o rio Yangzi Jiang sobre juncos, passou nove anos sem se mover... Seguramente tudo isso é um exagero. Parece que viveu muitos anos, 110 ou 115, e que chegou à China por volta dos anos 500, à época onde o budismo existia pelos sutras. Ele quis fazer compreender que a verdadeira prática de Buda se fazia através do corpo. Não com a cabeça, não sobre o papel. Então sentou-se em zazen numa caverna no norte da China durante longos anos.

Mestre Deshimaru frequentemente falava da paciência de Bodhidharma, dizendo que era um bravo homem, corajoso e não um aventureiro, que não partiu para se divertir, viver aventuras ou fazer turismo. O mesmo se passou com o Mestre Deshimaru quando chegou na França,em Paris. Ele afirmava nunca ter ido visitar a Notre Dame nem museu algum. Para ele a única coisa que contava era praticar. Durante os primeiros anos, ele viveu em um depósito e lá praticou o zazen por muito tempo sobre o cimento. Chegou sem conhecer ninguém e não trazia nenhuma carta de apresentação (1), o que é impensável hoje: todos os mestres que vieram do Japão e se instalaram no ocidente foram enviados pela sua organização.

Bodhidharma também não conhecia ninguém ao chegar na China. Ele simplesmente permaneceu numa gruta no monte Suzan (onde lhe chamavam de 'o brâmane que olha o muro'). Ele veio sem  nada. Apenas com seu corpo. E, com seu corpo, praticou zazen. E assim transmitiu a essência. Ele não teve um dojo. Mas, finalmente, não há necessidade de dojo, nem de templo, nem de escritos ou sutras, para transmitir a verdadeira essência do budismo, do Dharma.

Mestre Deshimaru dizia que os sutras são como "escritos sobre a areia à beira do mar". Penso que nehum cristão diria isso sobre a Bíblia... Pois é muito diferente, a religião cristã está baseada em um livro. O budismo, sobretudo o zen, não está baseado em nada. Nem na cabeça da direita, nem na cabeça da esquerda, nem na cabeça do meio. Nem nos dois lados de uma folha de papel, nem mesmo numa folha (2).

1 - Mestre Tokuda que, como o Mestre Deshimaru, foi discípulo do Mestre Kodo Sawaki , também chegou ao Brasil de mãos vazias, sem nada trazer.
2 - Isto vem de uma frase de Fuyo Dokai: "Peço-vos que rejeiteis as duas cabeças e também, a  do meio", que significa não se deixar aprisionar nem pelo dualismo, nem pelo monismo.

11 setembro 2010

A vida de Buda - Documentário feito pela BBC - legendado

A Vida do Buda from Cexa on Vimeo.

Fukanzazengi - 9º comentário de Coupey

Devemos prestar atenção ao fato que mesmo o Buda Shakyamuni praticou zazen durante seis anos.

Essa é a tradução que conhecemos. Na relidade, Mestre Dogen não diz Buda, mas Jetavana. Jetavana era o sobrenome que às vezes se dava a Buda. Era também o nome do mosteiro que lhe deram em Saravasti, na Índia, onde ele pregava com frequencia. Era seu lugar favorito. Diz a história que ele lá teria passado dezenove anos, isto é, dezenove verões, dezenove estações de chuva, praticando zazen com seus discípulos.

Buda nasceu com um espírito desperto. E, apesar disso, desperto ou não, praticou seis anos sob a árvore de Bodhi (alguns dizem seis dias, pouco importa). O que conta é que, se bem que já desperto, isto é, se bem que sua verdadeira natureza já fosse desperta, ele sentou-se em lótus, em total imobilidade, coluna vertebral ereta e praticou zazen não apenas em seis anos, mas durante toda a sua vida. Sentimos ainda sua influência. A prova é que 2500 anos mais tarde, praticamos exatamente a mesma coisa. Cemeçamos e terminamos nossa prática sentados, sob a árvore de Bodhi.

04 setembro 2010

Fukanzazengi - 8º comentário de Coupey


Algumas pessoas ficam orgulhosas de suas compreensões, e acham que estão ricamente agraciadas com a sabedoria do Buda. Crêem que já ganharam o caminho, iluminaram suas mentes, e ganharam o poder de tocar os céus. Crêem que estão perambulando no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o caminho absoluto, que está além da iluminação mesma.



Creio não ser necessário comentar essas frases. Mestre Dogen nos fala do espírito de mushotoku - sem objeto. Nada a obter. Nada a obter do zazen. Mais além. Ele aqui evoca as pessoas que só pensam nelas mesmas, que só funcionam a partir de suas próprias lógicas. Todos conhecemos esse tipo de gente, mesmo na sangha, mesmo nós mesmos de tempos em tempos...E, nesse momento, uma grande fenda nos separa do Caminho ou de toda verdadeira prática religiosa.

27 agosto 2010

Hannya Shingyo

Fukanzazengi - 7º comentário de Coupey

O espírito se perde na confusão

É certo que a palavra espírito possui inúmeros significados, mas, para simplifcar, podemos falar do "pequeno" espírito e do "verdadeiro" espírito. O verdadeiro espírito significa o espírito que não se apega a nada, que não corre atrás de seus desejos seguindo seus interesses pessoais, que não foge mais. É tão simplesmente ser na condição normal. Poucas pessoas têm um tal espírito, pois basta ser a favor disso ou contra aquilo para que nosso espírito se perca na confusão.

Em lugar de ser a favor disso ou contra aquilo, observem mais em vocês mesmos. Uma coisa pequenina no começo, uma distância pequenina, e, em seguida, a difereça aparece e torna-se cada vez maior. Todos podemos constatar, mesmo na nossa vida quotidiana, nas nossas relações de casal, por exemplo. Uma coisa torna-se duas, torna-se três, e o céu e a terra se encontram separados por milhões de quilômetros. Essa separação nada mais é do que nosso karma que se levanta e, com ele, os bonno, as ilusões. E, por certo, essas ilusões criam complicações em nosso espírito e o mergulham na confusão. O karma carrega-nos lá para onde estamos. Mas nós não estamos amarrados, aprisionados por esse karma, pois podemos mudá-lo a partir do momento presente.

O espírto não se divide. É preciso ter o espírito amplo, não encerrá-lo numa camisa de força e reduzi-lo a golpes de porretes e de proibições sem fim. Também uma ordenação autêntica de um monge ou de uma monja não comporta nenhuma proibição ou obrigação, pois nada mais é do que a transformação do karma de cada um.

23 agosto 2010

Baikaryu Eisanka

Fukanzazengi - 6º comentário de Coupey

Se manifestarmos a menor preferência ou a menor antipatia, o espírito se perde na confusão.

Quando existe a menor preferência - o menor pensamento de amor - ou a menor antipatia - o menor pensamento de raiva, desprezo - a verdade se esvanece. Ou melhor, como diz Dogen, "o espírito se perde na confusão". Os kanji japoneses para esta frase são shi shu, que quer dizer "perdido", e shin, "espírito". Não é a verdade que é perdida, mas o espírito. Eis aí nosso ensinamento: tanto quanto possível, não percam seus espíritos.

A seu modo de ver as coisas Jinshu expressava "uma pequena qualquer coisa", uma pequena preferência, ou mesmo uma ligeira antipatia pela poeira. O pensamento de Eno quanto a isso era absolutamente perfeito, nada de preferência, nada de antipatia, nada, mu. E a partir do momento em que afirmava que não existia espelho e, portanto, nada a limpar, ele jamais mudou dessa posição, e isso ao longo de toda a sua vida de monge e de mestre. Seu espírito estava exato no começo e, pois, exato no meio e exato no fim.

27 julho 2010


doc Zen soto - I. Ici et Maintenant - 5/5
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Fukanzazengi - 5º Comentário de Coupey



Contudo, o fato é que se houver a menor diferença desde o começo, entre você e o caminho, o resultado será uma separação maior ainda que aquela entre ceú e terra.

Essa frase do Fukanzazengi não é difícil de entender. Se uma distância da espessura de um fio de cabelo é criada, o Si não coincide mais com o ego. Ou buda, Deus, não coincide mais com o eu. A relação entre buda e eu é não-dois – não dois, mas um, e, finalmente, nem mesmo um. No começo a separação entre buda e nosso pequeno ego desaparece, depois não há mais um, não há mais subjetivo, nem sujeito, nem objeto.

É a fé verdadeira. Mas alguns em suas práticas criam uma distância cada vez maior entre buda e eles. Se no início existir uma pequenina diferença, se não se manifesta um autêntico sho shin, espírito do iniciante, em seguida, mil quilômetros separarão buda e eu. Criamos confusão em nosso espírito, criamos um sujeito que criou seu objeto.

Mas isso não quer dizer, ao contrário do que se ouve na religião cristã e às vezes em certas escolas zen, que é preciso se desembaraçar do ego. No livro de um mestre zen que vive hoje em dia nos Estados Unidos, li à repetição que a finalidade de nossa prática consistiria em reduzir o tamanho de nosso ego até que ele desaparecesse. Isto é completamente infantil. Li também um livro sobre a religião cristã que diz a mesma coisa, que é importante se desembaraçar do ego tornando-o cada vez menor.

Gonyo era um dos discípulos de Joshu, um monge muito sério.
Um dia, disse a seu mestre:
- Vim com nada. Que devo fazer em tal situação?
Muitos mestres, naquela época, teriam golpeado o monge, “Paf! Desperte, idiota!” Mas Joshu, que era muito doce, simplesmente respondeu:
- Jogue fora! (este “Jogue fora!” é semelhante ao “nenhum espelho, nenhuma poeira” de Eno).
Gonyo não compreendeu o que queria dizer seu mestre:
- Mas acabo de dizer que vim sem nada! O que quereis que jogue fora?
Joshu, que não pretendia ser malicioso, nem intelectual, e ainda menos brilhante, simplesmente respondeu:
- Nesse caso, jogue fora! Jogue fora tudo isso!

O espírito de Gonyo separava o céu e a terra. Depois de anos e anos de prática ele tinha a impressão de ter conseguido diminuir seu ego, e por isso, dizia a Joshu: “Veja, Mestre, não tenho mais nada!”

Talvez Gonyo quisesse mostrar que havia compreendido alguma coisa: “Mestre, observa-me! Eu também joguei tudo fora, compreendi...” Porém, reconhecer sua própria sabedoria ou compreensão, sua própria natureza de buda, nada mais é do seguir os passos dos outros. O zen não tem traços, odor e, se alguém é “muito zen”, não o é de fato... Dizer “eu nada tenho” ou “tive o satori” é, paradoxalmente, uma posição orgulhosa que obstrui o espírito. Os mestres frequentemente se confrontaram com isso. Um dia, tive uma conversa com alguém que me disse:
- Tive o satori!
- E daí? O que você vai fazer com seu satori?
- Ah, nada...
- Então não precisava tê-lo tido...

Além disso, se pensarmos no tamanho de nosso ego, é melhor tê-lo grande do que pequeno... Mestre Deshimaru frequentemente dizia; “Tenho um super-ego, tão grande quanto o cosmo. Meu ego é o maior do mundo!” Nesse momento, nenhum sujeito, nenhum objeto... É a mesma coisa que Buda diz, “Quando tive o satori, todos os seres tiveram o satori. Comigo, toda a terra despertou.”

O cão de Joshu

Um monge perguntou ao mestre Zen chinês Joshu:
- O cão tem ou não natureza-Buda?
Joshu respondeu:
Mu.
Comentário de Mumon:

Para realizar o Zen, devemos ultrapassar a barreira dos patriarcas. A iluminação sempre surge depois da estrada do pensamento ser bloqueada. Se você não ultrapassar a barreira dos patriarcas ou se a estrada de seu pensamento não estiver bloqueada, o que quer que você pense, o que quer que você faça, será como um fantasma emaranhado. Você pode perguntar, "Qual é a barreira dos patriarcas?" Esta única palavra, Mu, é o que ela é.

Essa é a barreira do Zen. Você verá Joshu face a face se você passar através dela. Então você poderá trabalhar de mãos dadas com toda a linhagem dos patriarcas. Isso não é alguma coisa agradável de ser feita?

Se você quiser vencer essa barreira, você deve fazer penetrar em todos os ossos de seu corpo, em todos os poros de sua pele, esta pergunta: "O que é Mu?" e carregá-la dia e noite. Não creia que é simplesmente o símbolo negativo querendo dizer nada. Não é o nada, oposto da existência. Se você quer realmente vencer essa barreira, você deve sentir como se estivesse bebendo uma bola de ferro quente que você não bode nem engolir nem cuspir.

Então seu conhecimento inferior de antes desaparece. Como um fruto que amadurece na estação, sua objetividade e sua subjetividade tornam-se unas. É como um mudo que teve um sonho. Ele sabe mas não pode contar.

Quando ele penetra nessa condição seu ego-concha é esmagado e ele pode sacudir o céu e mover a terra. Ele é como um grande guerreiro com uma espada afiada. Se um Buda se coloca em seu caminho, ele o abaterá; se um patriarca lhe opõe obstáculo, ele o matará; e ele será livre no seu caminho de nascimento e morte. Ele pode entrar em qualquer mundo como se estivesse em seu próprio pátio de recreio. Eu lhe direi como fazer com esse koan:

Apenas concentre toda a sua energia neste Mu, e não permita nenhuma interrupção. Quando você penetrar este Mu e não houver interrupção, o que você terá alcançado será como vela que arde e ilumina todo o universo.

Tem um cão natureza-Buda?
Esta é a questão mais séria de todas.
Se você disser sim ou não,
Você perde sua própria natureza-Buda.

18 julho 2010

Fukanzazengi - 4º comentário de Coupey

O Caminho está completamente presente onde estás. Porque ir aqui ou acolá para praticar?

O Caminho está onde estamos. Porque ir aqui ou acolá? Não há um discípulo que não conheça essa lição. Encontramo-la por toda a parte. No Shinjinmei, por exemplo, a estrofe 34 nos diz:

“Se vos expressardes livremente, isso se torna natural.
No corpo, não há qualquer lugar aonde ir ou permanecer.”

Queremos sempre ir a algum lugar. Partir em férias, para a montanha, para o mar, para o exterior. E, se não pudermos, mudar, de casa, para qualquer coisa melhor... Ou, ao contrário, queremos sempre permanecer, ficar onde estamos, não nos mexermos. Queremos ficar no mesmo lugar e não escalar a montanha, chegar ao cume. Queremos permanecer em nosso conforto. Isto é difícil de ultrapassar. Alguns que se consideram maus, querem tornar-se bons; outros que se acham bons demais querem ser percebidos como um pouco malvados...

O lugar que ocupamos durante o zazen não mede mais do que um metro quadrado. Apesar disso, pela prática correta, se não seguirmos nossos pensamentos pessoais, esse metro quadrado contém o universo inteiro. Então, onde querem ir? Onde querem ficar?

Antes de termos encontrado a prática, o mestre, o Caminho, queremos ir procurar em países longínquos. Alguns foram buscar os traços de Don Juan Matus, o sábio mexicano de Carlos Castañeda. Outros partiram para a Índia, para o Tibete, para o Japão. Mestre Deshimaru dizia, “Bem, de acordo, vocês querem ir ao Japão? Então vão como turistas ou em viagem de negócios, mas não percam seu tempo para ir lá para buscar o Caminho. Se quiserem visitar os templos, carreguem uma câmera fotográfica. Entrem pela porta da frente, atravessem o templo, passem ali uns dez a quinze minutos, isso basta... e saiam pelo outro lado!”

Venerar o que é mais elevado em nós mesmos nos faz praticar lá onde estamos. Um ditado taoísta muito conhecido nos diz: “O grande sábio vive na rua, o pequeno sábio entra na montanha”. Não venerem o dojo, nem a estátua de Buda, nem a foto do mestre sobre o altar, mas venerem o que há de mais elevado em vocês mesmos, o que está além de todo conceito pessoal.

Então porque ir aqui ou acolá para praticar?

Essa ideia é repetida em muitos sutras. No Sutra do Lotus, por exemplo, está dito que a verdade está bem próxima, bem perto, que ela não é nem complicada, nem longínqua, mas que nós simplesmente não somos capazes de vê-la... Com efeito, queremos sempre buscar longe. Queremos sempre definir – definir o satori, por exemplo. Mas defini-lo é dele nos afastarmos. Queremos sempre escapar de onde estamos, apenas evitar o aqui, evitar o agora. E, depois, inversamente, queremos voltar sobre os nossos próprios passos, mas não podemos mais, e então sentimos remorsos, pois pensamos que teria sido melhor... Eu frequentemente ouvi antigos praticantes dizerem que “na época do Mestre Deshimaru era melhor”. Mas os que não conheceram o Mestre Deshimaru crêem que na época de tal ou qual discípulo do Mestre Deshimaru era melhor... Um dia, alguém me disse que era melhor a época do dojo de Keller do que agora na rua Tolbiac. É a verdade que se afasta. É niho, dois elementos. Ni quer dizer “dois”; ho quer dizer “dharma, existência”.

04 julho 2010

Fukanzazengi - 3º Comentário de Coupey (continuação)

Mestre Sosan escreveu: “Não procure a verdade. Contente-se em parar os ken”. Ken quer dizer “opinião, julgamento”. Ken vem de nosso ego individual, de nosso pequeno si, e é esse ego que separa ilusão e realidade. Cada um, evidentemente, tem suas opiniões, seus gostos, seus desgostos, mas é importante realizar que isso é apenas pessoal. Podemos então compreender que não há espelho: ku. E, portanto, não há lugar onde a poeira possa se depositar.

Finalmente o debate entre as posições de Eno e Jinshu toca numa questão de consciência: enquanto para Eno trata-se de girar a consciência em 180 graus, para Jinshu trata-se mais de progredir dia após dia. Jinshu foi o primeiro discípulo de Konin. Ele compreendia absolutamente tudo – como fazer as cerimônias, do que tratava esse ou aquele sutra, por exemplo – mas nunca se tornaria num verdadeiro mestre. Eno foi esse verdadeiro mestre, e Konin o reconheceu ao lhe transmitir seu kesa que é a essência secreta passando entre o mestre e o discípulo – kesa e tijela.

Em uma história zen, um mestre manda seu discípulo trepar num mastro de dez metros de altura. Quando ele chega ao topo, o mestre lhe diz, “Não acabou! Continue a subir!” Jinshu subiu em um mastro de dez metros e ele subiu dez metros. Eno, por sua vez, subiu onze metros em dez... Isto quer dizer que ele não subiu em nada. Eis nosso ensinamento.

Apesar disso, eu sempre tive um fraco por Jinshu por duas razões: primeiro, porque ele ensinava a prática do zazen dia e noite. Venham praticar no dojo, e como dizia Mestre Joshu, “Se em dez anos vocês não encontrarem o verdadeiro Caminho, podem cortar minha cabeça e dela se servirem como uma pia”; em seguida, porque fiquei impressionado ao saber que foi graças a Jinshu que o povo chinês ficou dispensado da obrigação de se prostrar diante dos pais. Anteriormente, quando se desejava falar com seu pai ou sua mãe, era necessário antes se prostrar no solo diante deles... Essa era a tradição e foi graças a Jinshu que esse gesto encontrou sua verdadeira dimensão – o que se chama sanpai: toca-se o solo com a testa, em respeito ao buda, ao coração de todo homem, mulher, criança, animal.