...não pensemos nem no bem, nem no mal, nem no certo, nem no errado.
Os oito caminhos (ou Nobre Caminho Óctuplo) sobre os quais Buda falou pouco depois de seu despertar, nos ensinam que devemos ter a compreensão correta, o pensamento correto, a visão correta. O que isso significa? É , por exemplo, observar sem pensar em qualquer coisa ou em qualquer pessoa. Mas quando observamos qualquer coisa ou qualquer pessoa com a ideia de "isso é bom" ou "isso é mau", assumimos um ponto de vista moralista que bloqueia toda a fluidez da mente: não é mais a condição normal, a compreensão e o pensamento corretos, mas apenas o pensamento subjetivo. Ser capaz de fazer a distinção imediata entre o que é bom e o que é mau é fundamental. É a mente de buda.
Então observem apenas uma vez, não duas. E, evidentemente sem julgamento, sem ideia pessoal, sem análise. Está aí o funcionamento da mente do homem desperto, pois, para ele o momento presente é totalmente completo. Observem uma vez, e o instante pode tornar-se eternidade. Isto é muito diferente da ótica moralista. Mestre Deshimaru disse um dia a alguém, " Não sente num zafu moralista". Apesar disso, um de seus discípulos disse um dia a algumas pessoas que ele era um mestre moralista, que seu ensinamento era moralista. Quando lhe contaram essa história, ele ficou com uma raiva louca, ou pelo menos pareceu ficar, lembro-me bem, foi no refeitório de Pertigny. Ele gritou, "Eu não sou moralista!" e, em seguida, pegou um kyosaku para bater no discípulo. No fim, todos ficaram contentes... Ríamos à socapa, entusiasmados porque nosso mestre não era moralista...
Apesar disso, não ser moralista não quer dizer evidentemente que é preciso ir contra a moral. Um homem sábio, o que quer que deseje, permanece sempre, automatica e inconscientemente, no domínio da moralidade. Mas se vocês tentarem seguir a moralidade dos outros, isto é, viverem atrás de um modelo, não serão livres e nada farão senão se enganarem. Assim é que o homem comum, que frequentemente proclama alto e bem forte a moralidade, comete muitos erros nesse campo.
No tempo de Confúcio, vivia escondido nas montanhas um ladrão muito conhecido chamado Toseki. Ele roubava não importava o que nem de quem, roubava os ricos e os bons cidadãos. Confúcio verdeiramente desejava encontrar aquele ladrão, que pensava poderia converter à "boa moral". Um dia, o ladrão, por intermédio de um de seus homens, fez saber a Confúcio que ele poderia vir vê-lo na montanha e que alguém o conduziria até ele. Depois de um longo périplo, pois era preciso se assegurar que as autoridades não seguiam Confúcio e seu guia, chegaram onde se achava o ladrão. Mas muito rapidamente Toseki disse a Confúcio, "Pare, pare! Você é um homem pueril, infantil. Você está preso à moral, você vê apenas um lado. Você está um pouco confuso, Confúcio! Exponha seu pensamento a quem quer escutá-lo, mas não a mim, não aqui. Adeus, não volte mais!" E Confúcio foi despachado. Sem dúvida, ele ficou marcado pelo resto da sua vida com essa experiência, foi um grande choque e um grande desafio para ele. Mas não para a verdade.
Um dia, fui cercado de gente que queria roubar minha mobilete. Era uma Solex velha que quase não andava... Eram duas pessoas. Eles chegaram numa mobilete muito bonita, mas mesmo assim queriam roubar a minha... Ao fim eu os apanhei e isso acabou mal para eles... E eu me vi com duas mobiletes! Na manhã seguinte, no genmai, eu contei essa história ao Mestre Deshimaru. Ele gostou muito e me fez repeti-la pelo menos dez vezes...
Ao fim, eu disse:
- Sim, mas Sensei, eu roubei, mesmo assim...
Ele respondeu:
- É o que, roubar?
- Não sei, é o que...?
- Está correto o objeto que troca de lugar.
Então, se Mestre Deshimaru fosse visitar esse ladrão, ele teria, talvez, podido mudar profundamente sua mente, o que Confúcio, através da moral, absolutamente não conseguiria fazer. E nunca teria podido dizer a Toseki, roubar, é apenas um objeto que troca de lugar...
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