23 janeiro 2011

Fukanzazengi - 21º Comentário de Coupey

Deixando tudo de lado, não pensemos nem no bem, nem no mal, nem no certo, nem no errado.

Durante o zazen, não pensem "isto é certo, aquilo é errado". Não tomem nenhuma posição. Observem apenas seus pensamentos. Concentrem-se em sua postura, na sua expiração. A maior parte das pessoas, hoje em dia, utiliza apenas o cérebro frontal e esquece completamente seu cérebro instintivo, primitivo. Assim, um dos maiores problemas de nossa civilização moderna é que todos tornam-se doentes da cabeça, sofrimento não tanto físico, como mental. Não falo apenas das pessoas que estão internadas em hospitais psiquiátricos, mas de todo o mundo. O que me leva a pensar na quinta estrofe do Shinjinmei:



"Na nossa consciência, a luta entre o verdadeiro e o falso
Desemboca na doença da mente".

Quando vocês praticam o zazen, vocês aprendem, através da postura e da respiração abdominal, a colocar o cérebro frontal em repouso e a pensar com o hipotálamo, com o corpo, com o hara. E, assim, vocês retornam ao que o Mestre Deshimaru chamava de condição normal. Cada um possui seu próprio ritmo e para alguns isso pode levar muito tempo. Outros, ao contrário, aí chegam rapidamente. Isso não quer dizer que aprofundarão sua prática verdadeiramente. A maior parte das pessoas pratica durante anos, compreende os ensinamentos, tem um pequeno satori... e aí permanece. Mas quando paramos, começamos a recuar. Diz-se que aquele que, depois de se ter engajado no Caminho, interrompe a prática, não mais reencontrará o Caminho nesta vida.

É a partir da condição normal que se começa a praticar verdadeiramente o zazen. Mestre Deshimaru falava disso com frequência. "O desabrochar do ser humano, dizia, está na diminuição, na liquidação do subconsciente", ou se preferirem, da pessoa superficial. É preciso que o subconsciente se eleve e saia. Assim, torna-se claro, simples, e o karma se dissolve. Reencontrando através da condição normal  nossa natureza original, descobrimos nossa natureza original, que não deve ser confundida com um grande ego. Muitas pessoas, frequentemente fora dessa prática, creem que praticando o zazen perdem sua individualidade. Mas não é o caso. Ao contrário, nós a encontramos, nós a desenvolvemos e, assim, desabrochamos.

O que é a condição normal? Podemos defini-la como ku soku ze shiki, shiki soku ze ku: o vazio é a forma e a forma é o vazio. "Vazio" não é uma boa palavra, pois não há nada a "encher". Não permaneçam no ku, não permaneçam no shiki. Eis a condição normal, a mais elevada verdade. Se vocês fizerem isso, estarão completamente na realidade do momento presente. Isto pode ser mais verdadeiro? É preciso sempre fluir, como o rio. A sabedoria não pode funcionar senão nesse movimento.

Quando na vida não temos nenhum desejo, vivemos como os devas, temos tudo. Nesses momentos, não é difícil de praticar "ku é shiki" e "shiki é ku". Mas quando estamos em dificuldades, porque nossa mente fica doente por conta das dificuldades que aí encontra, é muito mais difícil de estar na condição normal e praticar ku soku ze shoki, shiki soku ze ku... Por isso é importante praticar o zazen quando se está mal. É uma grande ocasião de observarmos nossos bonno e a maneira que interpretamos e recebemos as coisas que nos fazem mal à cabeça, de nos observarmos objetivamente e compreendermo-nos a nós mesmos e também aos outros. Não é preciso fugir das dificuldades, mas, ao contrário, nos servirmos de cada coisa como um meio para praticar o Caminho e nos liberarmos profunda e verdadeiramente. Por isso que o Mestre Unmon dizia, "Cada dia é um bom dia".

Um monge (uma monja) não é infeliz, pelo menos essa é minha experiência. Tenho e tive em minha vida sérias dificuldades e, como com todo o mundo, acontece de eu sofrer. Mas esse sofrimento, hoje em dia, não mais me faz infeliz. Ao contrário, ele me interessa, ele me oferece uma ocasião e um instrumento, um meio de observar o que se passa. Agora, quando as coisas vão mal, eu quase posso dizer que esfrego as mãos, e não é masoquismo! Quando as coisas vão bem, ao contrário, eu presto bastante atenção... Mas quando vão mal faço logo o melhor de mim para não mostrar, mas depois isso me intriga verdadeiramente e me incita a observar a mim mesmo, como se eu fosse lançado contra o zafu... Antes de conhecer essa prática, os sofrimentos que experimentava eram abafados, mas duravam anos às vezes. Hoje em dia, eu constato que embora a dor seja particularmente viva, através dessa prática ela passa mais rápido. Então eu prefiro "passar por maus momentos" e  deles me desembaraçar rapidamente. E, particularmente, seu eu puder fazê-lo com zazen.



Um comentário:

KARAM VALDO disse...

sobre a individualidade. Acredito que o caminho da vida é nos tornarmos um indivíduo diante da diversidade de forças existentes em nós mesmos. enquanto um indivíduo, não perdemos a individualidade, mas podemos nos reconhecer enquanto unidade com os outros e com o mundo exterior e interior.