30 setembro 2010
"O Cipreste no Jardim" de Joju
CASO PRINCIPAL
Um monge perguntou a Joju, "Qual o significado da vinda do Ancestral [Bodhidharma] da Índia? (1)
Joju disse, "O cipreste no jardim". (2)
O monge disse, "Mestre, por favor não ensine usando um objeto". (3)
Joju disse, "Eu não estou lhe mostrando um objeto". (4)
O monge disse, "Qual o significado da vinda do Ancestral da Índia?" (5)
Joju disse, "O cipreste no jardim". (6)
Notas:
(1) De novo?
(2) Abra seus olhos.
(3) Do que ele está falando?
(4) O velho homem tenta colocar as coisas no lugar.
(5) De novo?
(6) Porque mesmo se importar? Deixe-o continuar decepcionando a si mesmo.
Fukanzazengi - 11º comentário de Coupey
... transmitir a mente-de-Buda
Quando Dogen fala de "transmissão", não creio que se trate de "shiho", tal como conhecemos hoje em dia, isto é, da transmissão oficial em papel - que, aliás, não existia naquela época. A transmissão aqui tratada é a transmissão da mente de Buda. É graças aos nove anos durante os quais Bodhidharma esteve sentado em frente à parede de sua gruta, que nós hoje praticamos à frente de uma parede. Eu não sei se Buda estava ou não sentado de frente para a árvore de Bodhi (ele é representado assim em desenhos antigos), mas Bodhidharma, seguramente sentava-se de frente para uma parede. E assim nós, praticantes do zen soto, fazemos a mesma coisa, diferentemente de outras escolas onde se sentam uns de frente aos outros. Nada mudou. É exatamente a mesma prática. E é isso que importa.
Se Bodhidharma não houvesse existido, o zen, tal como o conhecemos hoje, não existiria. À nossa prática, não se chega por alguma coisa. Isso é particularmente difícil de aceitar pela maioria das pessoas e frequentemente é por isso que muitos a deixam: descobrem que realmente não há nada, que é outra coisa que se passa. No zen de Bodhidharma, não há graus, não há etapas a vencer. É verdadeiramente o confronto ou encontro com suas vísceras - vísceras dos seres humanos. Os primeiros anos são fáceis. Cinco anos, fácil; dez anos, um pouco mais difícil; quinze, vinte anos, não é nada fácil. É preciso ficar ainda mais vigilante do que no começo, pois o caminho torna-se cada vez mais perigoso. Como o velho salmão que depois de haver descido a correnteza, vai regressar e subir o rio para por seus ovos e morrer. A descida não foi tão difícil, mas a subida torna-se cada vez mais difícil - há cada vez menos água..., cada vez mais pedras... E, além disso, há ursos à beira do rio prontos para abocanhá-lo. Podemos perceber esses ursos por toda a parte em nossas vidas: homens, celibatários, mulheres, solitárias, honrarias, posições a conquistar... Muitos salmões não conseguem chegar ao alto, nem chegam mesmo a colocar a ponta de seu nariz no ponto de partida, não reencontram a fonte e perdem a vida. A mesma coisa vale para os praticantes: trata-se da mais elevada aspiração espiritual e, se ela é fácil, não é autêntica.
Ainda que, nas imagens que representam Bodhidharma na sua caverna, ele é visto sentado defronte a uma parede, isto nada mais é do que uma imagem. Ainda que nossa prática comece e termine com zazen, ela não se limita apenas ao zazen. É como apertar constantemente o mesmo ponto de acupuntura. Todos os dias. E no fim desse pequeno ponto se encontra o universo todo, o satori, a verdade cósmica. O zen que Bodhidharma ensinou consiste simplesmente em harmonizarmo-nos com a vida cósmica, com a natureza, com o homem, os animais, natural e inconscientemente. O nome Bodhidharma foi bem escolhido por seu mestre Hannyatara. Bodhi quer dizer "satori" e Dharma, "ordem cósmica". Cada grande mestre, seja Cristo, Sócrates ou Bodhidharma, procurou este verdadeiro Dharma: ho.
19 setembro 2010
O Tratado de Bodhidharma - As duas entradas
Muitas são as formas de entrada no Caminho, mas elas podem ser resumidas a duas: a entrada pelos princípios e a entrada pela prática.
A entrada pelos princípios consiste em realizar o princípio essencial apoiando-se na doutrina. Consiste em crer na imanência, em todos os seres, de uma natureza única e verdadeira, que o véu irreal das impurezas nada mais faz senão mascarar. Pelo abandono do falso e o retorno ao verdadeiro, concentrando-se na contemplação mural, descobre-se que não existem nem eu, nem outro, e que o profano e o santo se revelam iguais e uno. Nisto colocando firme confiança, e dela não se apartando, torna-se silenciosamente uno com o princípio, das palavras não se é escravo, e se é livre da consciência discriminativa. Tudo é sereno e além da ação. Esta é a entrada pelo princípio.
A “entrada pela prática" inclui quatro práticas, que resumem todas as outras. Quais são elas? São:
1) [Saber] se livrar do ódio;
2) estar de acordo com as condições;
3) nada desejar; e,
4) estar em perfeita harmonia com o Dharma.
1. O que é saber como se livrar do ódio?
Quem se disciplina no Caminho, quando encontra condições adversas, deverá pensar assim: "Por incontáveis eras no passado vaguei por multitudes de existências, apegando-me à trivialidade e desprezando o essencial. Criei com isso inúmeras situações propícias ao ódio, à má-vontade e às ações não-saudáveis. Mesmo que nesta vida transgressões não fossem feitas, ainda assim os frutos das ações maléficas do passado se manifestariam. Nem os seres luminosos, nem os homens poderiam saber o que a mim está reservado. De boa vontade e com paciência aceitarei os males que a mim sobrevierem e deles não me lamentarei. Nos sutras é dito que não devo me agitar pelos males que surgem, pois, quando com inteligência as coisas são penetradas, os fundamentos da causalidade são conhecidos". Quando tais pensamentos surgem num homem, com a Inteligência ele estará de acordo, fazendo do ódio o melhor uso possível e colocando-o à serviço do Caminho.
2. Aceitar o karma significa:
Nos seres produzidos pelas condições do karma, nenhuma substância imutável pode ser encontrada, e a alegria, bem como o sofrimento, são também resultados de ações intencionais do passado. Se vêm a riqueza, o louvor, etc., estes são resultados de ações passadas que, devido à causalidade, afetam minha vida no presente. Esgotada a força das ações, os resultados que agora desfruto se acabam. Por que, então, alegrar-me com eles? Ocorrendo o ganho ou a perda, que eu aceite o karma. O coração nada sabe de aumentos ou diminuições. Na harmonia silenciosa com o Caminho o vento do prazer não me abala. Isso é o significado de aceitar o karma.
3. Nada desejar significa:
Neste mundo, os homens continuamente confusos, apegam-se sempre aqui e ali. A isto se chama desejo. Os sábios, porém, compreendem a verdade, e em nada se assemelham aos ignorantes. Serenamente seus corações repousam no não-criado, enquanto o corpo se move de acordo com as leis da causalidade. Todas as coisas são vazias e nada vale a pena buscar. Lá onde está o mérito do brilho, também está o demérito da escuridão. Este mundo tríplice, no qual convivemos por tão longo tempo, é como uma casa em chamas. Tudo o que tem um corpo sofre e ninguém sabe realmente o que é a paz. Os sábios nunca se apegam a nada, pois conhecem intimamente esta verdade. Com os pensamentos serenos nada desejam. Assim diz o sutra: "Quando há o desejo, há o sofrimento. Com a cessação do desejo vem a felicidade". Sabemos, deste modo, que nada desejar é o caminho para a verdade. Isto é o que significa "nada desejar".
4. "Estar de acordo com o Dharma" significa:
Que a Inteligência a que chamamos Dharma é pura em sua essência e é o princípio da vacuidade em tudo que se manifesta. Está além das manchas e dos apegos. Nela não há nem eu nem outro. Diz o sutra: "No Dharma não há seres sencientes, pois ele está livre da mancha do ser. No Dharma não há "eu", pois ele está livre da mancha do eu". O entendimento e a confiança nesta verdade tornam as ações dos sábios conformes ao Dharma.
A essência do Dharma é o não desejar e, assim, os sábios estão prontos para a generosidade do corpo, da vida e das propriedades. Em nada lamentam e são livres da má-vontade. Sua compreensão da natureza tríplice da vacuidade, os leva para além da parcialidade e do apego. Devido à sua vontade de limpar as manchas dos seres, eles se adaptam a eles sem se apegar à forma. Esta é a fase do benefício próprio em suas vidas. Mas eles sabem também como ajudar aos demais e louvar a verdade do Despertar. Como é com a virtude da generosidade, assim também com as outras cinco virtudes. Os sábios praticam as seis virtudes transcendentes afastando os pensamentos confusos sem esperarem pelos resultados meritórios destas ações. Isto é o que significa "estar de acordo com o Dharma".
Um cipreste no jardim
Um monge perguntou a Joju:
"Porque Bodhidharma veio do Oeste?"
Joju respondeu:
"Um cipreste no jardim."
Fukanzazengi - 10º comentário de Coupey
Dizem também que Bodhidharma teve que praticar zazen em Shaolin durante nove anos para poder transmitir a mente-de-Buda.
Shaolin é o nome da gruta onde Bodhidharma praticava defronte a uma parede. Muitas lendas circulam em torno do nome de Bodhidharma. Diz-se, por exemplo, que ele percorreu o norte da China a pé, atravessou o rio Yangzi Jiang sobre juncos, passou nove anos sem se mover... Seguramente tudo isso é um exagero. Parece que viveu muitos anos, 110 ou 115, e que chegou à China por volta dos anos 500, à época onde o budismo existia pelos sutras. Ele quis fazer compreender que a verdadeira prática de Buda se fazia através do corpo. Não com a cabeça, não sobre o papel. Então sentou-se em zazen numa caverna no norte da China durante longos anos.
Mestre Deshimaru frequentemente falava da paciência de Bodhidharma, dizendo que era um bravo homem, corajoso e não um aventureiro, que não partiu para se divertir, viver aventuras ou fazer turismo. O mesmo se passou com o Mestre Deshimaru quando chegou na França,em Paris. Ele afirmava nunca ter ido visitar a Notre Dame nem museu algum. Para ele a única coisa que contava era praticar. Durante os primeiros anos, ele viveu em um depósito e lá praticou o zazen por muito tempo sobre o cimento. Chegou sem conhecer ninguém e não trazia nenhuma carta de apresentação (1), o que é impensável hoje: todos os mestres que vieram do Japão e se instalaram no ocidente foram enviados pela sua organização.
Bodhidharma também não conhecia ninguém ao chegar na China. Ele simplesmente permaneceu numa gruta no monte Suzan (onde lhe chamavam de 'o brâmane que olha o muro'). Ele veio sem nada. Apenas com seu corpo. E, com seu corpo, praticou zazen. E assim transmitiu a essência. Ele não teve um dojo. Mas, finalmente, não há necessidade de dojo, nem de templo, nem de escritos ou sutras, para transmitir a verdadeira essência do budismo, do Dharma.
Mestre Deshimaru dizia que os sutras são como "escritos sobre a areia à beira do mar". Penso que nehum cristão diria isso sobre a Bíblia... Pois é muito diferente, a religião cristã está baseada em um livro. O budismo, sobretudo o zen, não está baseado em nada. Nem na cabeça da direita, nem na cabeça da esquerda, nem na cabeça do meio. Nem nos dois lados de uma folha de papel, nem mesmo numa folha (2).
1 - Mestre Tokuda que, como o Mestre Deshimaru, foi discípulo do Mestre Kodo Sawaki , também chegou ao Brasil de mãos vazias, sem nada trazer.
2 - Isto vem de uma frase de Fuyo Dokai: "Peço-vos que rejeiteis as duas cabeças e também, a do meio", que significa não se deixar aprisionar nem pelo dualismo, nem pelo monismo.
11 setembro 2010
Fukanzazengi - 9º comentário de Coupey
Devemos prestar atenção ao fato que mesmo o Buda Shakyamuni praticou zazen durante seis anos.
Essa é a tradução que conhecemos. Na relidade, Mestre Dogen não diz Buda, mas Jetavana. Jetavana era o sobrenome que às vezes se dava a Buda. Era também o nome do mosteiro que lhe deram em Saravasti, na Índia, onde ele pregava com frequencia. Era seu lugar favorito. Diz a história que ele lá teria passado dezenove anos, isto é, dezenove verões, dezenove estações de chuva, praticando zazen com seus discípulos.
Buda nasceu com um espírito desperto. E, apesar disso, desperto ou não, praticou seis anos sob a árvore de Bodhi (alguns dizem seis dias, pouco importa). O que conta é que, se bem que já desperto, isto é, se bem que sua verdadeira natureza já fosse desperta, ele sentou-se em lótus, em total imobilidade, coluna vertebral ereta e praticou zazen não apenas em seis anos, mas durante toda a sua vida. Sentimos ainda sua influência. A prova é que 2500 anos mais tarde, praticamos exatamente a mesma coisa. Cemeçamos e terminamos nossa prática sentados, sob a árvore de Bodhi.
04 setembro 2010
Fukanzazengi - 8º comentário de Coupey
Algumas pessoas ficam orgulhosas de suas compreensões, e acham que estão ricamente agraciadas com a sabedoria do Buda. Crêem que já ganharam o caminho, iluminaram suas mentes, e ganharam o poder de tocar os céus. Crêem que estão perambulando no reino da iluminação. Mas o fato é que quase perderam o caminho absoluto, que está além da iluminação mesma.
Creio não ser necessário comentar essas frases. Mestre Dogen nos fala do espírito de mushotoku - sem objeto. Nada a obter. Nada a obter do zazen. Mais além. Ele aqui evoca as pessoas que só pensam nelas mesmas, que só funcionam a partir de suas próprias lógicas. Todos conhecemos esse tipo de gente, mesmo na sangha, mesmo nós mesmos de tempos em tempos...E, nesse momento, uma grande fenda nos separa do Caminho ou de toda verdadeira prática religiosa.
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