09 novembro 2014

Samsara e Nirvana

Não há a menor diferença entre Samsara e Nirvana. Não há a menor diferença entre Nirvana e Samsara.

Qualquer que seja o fim do Nirvana, isso é o fim do Samsara. Não há sequer uma leve distinção entre os dois.
(Nagarjuna, Investigação do NirvanaMulamadhyamakakarika (25-18-19), a partir de tradução para o inglês de Batchelor, disponível em http://www.stephenbatchelor.org/index.php/en/verses-from-the-center)

Krishna e Arjuna antes da batalha de Kurukshetra


O consagrado diretor Peter Brook e o grande dramaturgo Jean-Claude Carriére dão vida ao principal épico religioso da civilização indiana, o Mahabharata ("A Grande História dos Bharatas", em tradução literal), que narra a guerra ocorrida há mais de 5.000 anos entre Pandavas e Kauravas, duas famílias com laços de parentesco muito próximos, pela posse de um reino no norte da Índia. Os momentos que antecedem o confronto final, conhecido como Batalha de Kurukshetra, compõem o trecho mais famoso do poema, conhecido como Bhagavad Gita ("Canção do Divino Mestre"). No decorrer da narrativa são apresentadas lendas e personagens da mitologia hindu, noções filosóficas, como a busca da iluminação, o karma e o dharma, e a proposta ética de um correto modo de vida.

A parte aqui apresentada é o diálogo entre Khrisna e Arjuna logo antes do início da batalha. No poema, esse é o trecho conhecido como Bhagavad Gita.

21 setembro 2014

O corpo e mente de Buda (segundo Hongji)


O Dharmakaya

Quando uma flor cai, é outono.
Onde não há romance é o mais romântico.
O homem de madeira dá o passo para trás e o cordão de ouro é
cortado.
Claramente não há nenhuma oportunidade para arrastar o boi de ferro. 



O Nirmanakaya

Lançados os dados sobre a mesa eu confio que a minha sorte vai prevalecer.
O vento sopra e a relva se curva, lua crescente no céu claro.
Bloqueando a rua, obstruindo a pista, este ridículo saco de pele.
Quando poderia Maitreya nunca mais aparecer?

23 agosto 2014

Macieira



Não vês que a macieira floresce
para morrer na maçã?
(Neruda)

27 julho 2014

Nascimento e morte



Pergunta 10: Disse um mestre:
“Não lastimeis nascimento e morte. Há um modo imediato de ser livre do nascimento e da morte, a saber, conhecer o princípio de que a natureza da mente é permanente.  Isto significa que, porque este corpo já está no nascimento, é levado para a morte, mas a mente-natureza não perecerá. Deveis reconhecer que tendes em vosso corpo a mente-natureza, que não é afetada por nascimento e morte. Esta é natureza inerente. O corpo é uma forma temporária;  morre aqui e nasce ali, e não é fixo. A mente é permanente: não muda através do passado, futuro ou presente.  Entender isto é ser livre de nascimento e morte. Aqueles que reconhecem este princípio acabam com nascimento e morte para sempre. Assim, quando vosso corpo termina, entrais no oceano da Natureza. Quando fluís para dentro do oceano da natureza, atingis uma maravilhosa virtude, assim como todos os tathagatas. Mesmo que vos assegureis disto agora, porque vosso corpo é o resultado das ações deludidas das vidas passadas, não sois como todos àqueles que não reconhecem este princípio estarão no domínio do nascimento e da morte para sempre. Por conseguinte, deveis vos apressar a entender que a mente-natureza é permanente. Se simplesmente passardes toda a vossa vida sentados ociosamente, o que podereis esperar”.
Pergunta: Uma afirmação como esta está de acordo com a senda de todos os Budas e ancestres?

Resposta: A visão que mencionasses não é, de modo algum, o ensinamento de Buda, mas sim a visão do herético Senika. Ele disse: Há uma alma no corpo e esta alma, ao encontrar condições, reconhece o bem e o mal, o certo e o errado. Discernir o padecer e o coçar, conhecer a dor e o prazer também é capacidade desta alma. No entanto, quando o corpo é destruído, a alma sai e nasce em outro mundo. Assim, parece estar morta aqui, mas como há nascimento em outro lugar é permanente, sem morte.

Seguir este ponto de vista e considerá-lo ensinamento de Buda é mais tolo do que agarrar uma telha ou uma pedra e considerá-la ouro. Uma ignorância vergonhosa como essa não pode ser comparada a nada. O Professor Nacional Huizhong, da Grande Tang, criticou profundamente isto. Aceitar o ponto de vista errado de que a mente é permanente e que a forma perece, considerando isto igual ao inconcebível ensinamento de todos os Budas, ou criar as causas de nascimento e morte, desejando-se separado de nascimento e morte - não é tolice? É profundamente lamentável! Entendei isso apenas como o ponto de vista errado dos hereges e não deis ouvidos a isso.

Não posso deixar de ser compreensivo; deixai-me resgatar-vos de vossa visão errada. Deveis saber que no darma-de-buda sempre foi dito que corpo e mente são não-separados, natureza e características não são dois. Isto era conhecido tanto na Índia quanto na China.

Desse modo, não há nenhum lugar para o equívoco. Na realidade, o ensinamento sobre a permanência diz que todas as coisas são permanentes, sem dividir corpo e mente. O ensinamento sobre a cessação diz que todas as coisas cessam, sem separar natureza e características. Como podeis dizer que o corpo perece, mas a mente é eterna? Não é contra o autêntico princípio? Não apenas isso, deveis entender que nascimento-e-morte é, em si mesmo, o nirvana. O nirvana não se explica fora de nascimento-e-morte. Mesmo que entendais que a mente é eterna, separada do corpo, e suponhais equivocadamente que a sabedoria de Buda está separada de nascimento-e-morte, esta mente do entendimento ou do reconhecimento ainda nasce e perece e não é permanente. Não será efêmera?

Deveis saber que o ensinamento de que corpo e mente são um está sempre sendo explicado no darma-de-buda. Então, como pode a mente sozinha deixar o corpo e não cessar, quando cessa o corpo? Se corpo e mente às vezes são não-separados e não não-separados algumas outras vezes, o ensinamento de Buda seria falso. Ademais, pensar que nascimento-e-morte deve ser rejeitado é o equívoco de ignorar o darma-de-buda. Deveis vos abster disso.

Deveis saber que o chamado "portão do darma de toda a realidade da mente-natureza", no darma-de-buda, inclui o mundo fenomenal inteiro, sem separar a natureza das características ou o nascimento da morte. Nada, nem mesmo o bodi ou o nirvana, estão fora da mente-natureza. Todas as coisas e todos os fenômenos são somente uma mente – nada está excluído ou não-relacionado. Ensina-se que todos os portões do darma são igualmente uma mente, e não há nenhuma diferenciação. E assim que os budistas entendem a mente-natureza. Como podeis diferenciar isso em corpo e mente e separar nascimento-e-morte de nirvana? Vós já sois o filho de Buda. Não deis ouvido às línguas dos homens loucos, que citam visões heréticas.
Dogen. Sobre o empenho do caminho (Bendo-wa). In: A lua numa gota de orvalho. São Paulo: Siciliano, p. 166-168, 1993.

O grito do corvo de Ikkyu


ninguém compreende o meu não não
Zen Zen
nem mesmo aquele sombrio e estridente
grito do corvo sacou

13 julho 2014

O raio e a oferta - dois poemas de Ikkyu


Como o orvalho efêmero,
a aparição súbita,
ou o lampejo fugaz do raio
- mal aparece, já sumiu -
assim somos todos nós.


Queria oferecer
Algo pra você.
Mas no zen
Não temos.

11 maio 2014

A prática


Na grande estrada dos Budas ancestrais, 
há sempre prática insuperável, contínua e sustentada. 
É o círculo do caminho e nunca é cortado. 
Entre aspiração, a prática, a iluminação e nirvana, 
não há brecha de um momento; 
a prática contínua é o círculo do caminho. 
Sendo assim, a prática contínua é imaculada, 
não é forçada por você ou por outros. 
O poder desta prática contínua confirma a ti e aos outros. 
Isso significa que a tua prática afeta toda a terra 
e todo o céu nas dez direções. 
Apesar de não ser notado por outras pessoas ou por ti mesmo, é assim.
(Dogen)

13 abril 2014

O que é Zen (5, final): Prática diária, preceitos, sentando com outros



A prática diária: Seja constante

O período de zazen que estamos recomendando é de 20 minutos. Você pode achar que vai querer fazer mais, ou menos, tudo bem. O que importa é a constância. Para manter a sua prática constante, lembre-se do que o famoso anúncio da Nike diz: "Apenas faça!" Não se preocupe com a tentativa de chegar a algum lugar ou estado de espírito. O zazen de cada dia será um pouco diferente, assim como o resto de sua vida. Praticamos firmeza na nossa meditação diária, estejamos alertas, sonolentos ou focados, simplesmente praticamos todos os dias, com pontos altos e pontos baixos. Quando fizermos uma misturada na nossa cabeça, apenas dizemos: " Ok, de volta à minha almofada!” Quando estivermos sentados, podemos nos dar conta que estamos em outro lugar. Naquele instante, respiremos fundo e reconheçamos que, naquele momento de realização, voltamos para o agora. Como diz um antigo manual de meditação, assim que nos dermos conta de um pensamento, ele vai desaparecer! Quando estamos pensando em uma coisa, ficamos perdidos nela, perdidos no pensamento sobre "x". Mas quando nos tornamos conscientes de nosso pensamento, então ele passa para um plano secundário. O pensamento real de "x" se vai, e há apenas consciência dele ou começamos um novo pensamento com base nessa percepção. De qualquer forma, o pensamento original se foi. Se praticarmos diariamente, logo seremos capazes de ficar mais vezes nesse espaço de consciência pura, sem um objeto. Apenas respirando, apenas estando presente: chamamos isso de estarmos naturalmente unificados.

Zazen é uma forma que nos permite praticar a não forma do vazio sem limites. A liberdade que se coloca à nossa disposição através da forma é um dos grandes paradoxos da vida. Quando nos organizamos e criamos uma estrutura, também criamos os meios para nos livrarmos da estrutura. A forma nos ajuda organizando e direcionando nossas energias. Mas podemos viver nossa forma com ânimo leve, com respeito e apreço por seus dons. Essa disciplina sutil – que sedimenta, unifica, deixa – se fluir, é chamada de o portão do dharma da paz e alegria .

Além do zazen e das reverências, há outros aspectos da prática Zen que nos ajudam no caminho. Um deles é a criação de um altar em casa, o que incentiva a renovação do respeito e devoção. Quando colocamos alguma coisa em um altar é para reencontrá-la, guardá-la com estima. Tradicionalmente, nos mosteiros zen, o altar no zendo (sala de meditação) tem como foco uma estátua de Manjusri, o Bodhisattva que representa a sabedoria transcendente. Manjusri segura uma espada que corta as ilusões, limpando, dessa forma, nossas mentes. Ao colocarmos essa imagem em nosso altar, desejamos assumir uma forte energia que nos permita cortar nossas ilusões, nossa ignorância, nossa ganância e nossa raiva. Desejamos clarearmo-nos. Para o seu altar em casa, coloque uma estátua ou imagem de qualquer buda ou bodhisattva que lhe evoque a aspiração de perceber as qualidades - sabedoria, compaixão, paz, que ele ou ela encarna. Você pode colocar uma tigela de incenso e incenso (que é uma boa maneira de marcar o seu tempo de zazen), uma flor, que evoca a beleza transitória, um pouco de água, um elemento de nutrição, e uma vela para iluminar o espaço.

Os Preceitos

Finalmente, porque todas essas práticas levam à realização da nossa interdependência e inter-relação com todos os seres, assumimos a prática dos dezesseis preceitos do Bodhisattva. Esses preceitos não são mandamentos, ao contrário, eles são princípios orientadores para vivermos uma vida de liberdade e serviço. Os preceitos são merecedores de uma vida inteira de estudo e prática. De fato, em algumas tradições Zen, eles fazem parte do estudo formal de koans, com cada preceito apreciado a partir de várias perspectivas. Torne-os seus, tenha intimidade com eles. Ao invés de simplesmente tentar segui-los, incorpore-os da mesma maneira em que você "se torna" o zazen.

Sentado com os Outros

Eu lhe encorajo a intensificar e experimentar a prática zen. Mas, por agora, há mais uma coisa para manter em mente. Embora estejamos tentando lhe dizer o que você precisa para conseguir um início sólido para o estabelecimento de sua própria prática diária, o Zen não é uma prática solitária. Como recitamos ao final de nossa liturgia, "Que possamos perceber juntos o Caminho do Buda".  Sentar-se com os outros, estudar com os outros, trabalhar com outras pessoas, conversar com outras pessoas, tudo isso é parte integrante da vida do zen. Então eu lhe encorajo fortemente a se juntar com os outros sempre que possível. Vá a um centro de meditação Zen ou de um grupo semelhante e sente-se com outras pessoas.

Vamos deixar com Mestre Dogen a última palavra :
O dharma está completamente presente em cada pessoa, mas sem a prática, não se manifesta; sem realização, não é atingido. da paz e alegria.
(Roshi Pat Enkyo O’Hara)

10 março 2014

O que é Zen (4): Postura, respiração, o Eu original


Postura


Sua postura ao sentar-se é de vital importância. Sente-se no terço anterior de sua almofada ou cadeira, de modo que seus quadris estejam acima de seus joelhos e que seu abdômen esteja livre para se mover para dentro e para fora sem forçar a parte inferior das costas. Suas orelhas devem estar alinhadas com os ombros, sua cabeça equilibrada delicadamente em seu pescoço, seus olhos ligeiramente abertos, olhando para baixo a cerca de um metro à sua frente. Seu queixo não está apontando nem para cima nem para baixo, mas está ligeiramente inclinado para dentro.  Coloque a ponta da língua logo atrás dos dentes no céu de sua boca. Balance de um lado para o outro até encontrar o seu centro.

A respiração


Agora preste atenção na respiração. Respire naturalmente. Inspirando, deixe a respiração entrar completamente no seu corpo até que seu abdômen inferior  se expanda e, então, expirando suavemente, deixe o ar escapar através de suas narinas. Observe como a respiração parece viajar pelas principais avenidas de seu tronco. Sua barriga deve se distender e retrair naturalmente com cada respiração. Deixe a respiração encher seu abdômen como se fosse um balão. Mais tarde, você poderá notar que até mesmo as plantas de seus pés estão inspirando e expirando. Quando você relaxar na respiração, você pode começar a contar silenciosamente cada ciclo completo de respiração, contando "um" na expiração, "dois " na próxima expiração, e assim por diante até "dez". Quando atingir o "dez", recomece com o "um”. Quando você perceber que você parou de contar, e for pego pensando, simplesmente inspire novamente e volte para o "um".

O Eu original


No Genjokoan (Realizando o ponto fundamental , Mestre Zen Dogen escreveu:

Quando procuramos o Dharma pela primeira vez, estamos longe
de seus arredores.
Quando já tenhamos transmitido corretamente
o Dharma para nós mesmos, somos nosso eu original
naquele momento.


O ensinamento de Dogen Zenji nos recorda nossa separação inicial do que é nosso. Quando começamos a procurar o Dharma, há um "eu" que o procura  “por ali”. Mas o Dharma já vive em nós, e requer apenas que dele nos demos conta. É o que ele quer dizer na segunda frase: "tenhamos transmitido corretamente o Dharma para nós mesmos”, somos nosso eu original naquele momento.

Eu acho que todos nós ansiamos por sentirmo-nos  como um todo e completos, em viver nossas vidas plena e vigorosamente, a cada momento. Mas algo nos bloqueia. O treinamento Zen é uma forma de vermos que, o tempo todo, nós temos o que precisamos. Isto é chamado a realização do eu original.
(Roshi Pat Enkyo O’Hara)

25 fevereiro 2014

O que é Zen (3): Zazen


Escolha um lugar para sentar


É melhor reservar um lugar para praticar o zazen regularmente. Seja um quarto ou apenas um canto, o espaço deve ser limpo e organizado. Coloque um colchonete no chão (um cobertor dobrado serve) e sobre ele um zafu (1), um tipo de almofada confortável para sentar ou um banco. Se sentar no chão for muito difícil, simplesmente use uma cadeira.

Preparando-se para sentar


Quando você for fazer zazen, use roupas folgadas e limpas. Ao começar um período de sentar-se, é tradicional fazer uma reverência para um altar, oferecer uma vareta de incenso, e fazer mais uma reverência. Então, quando você estiver diante de seu assento, faça uma reverência em direção à sua almofada, banco, ou cadeira, e outra para fora. Esses atos nos ajudam a perceber nossa intenção e respeito. O incenso é oferecido com a intenção de que aquela sessão seja dedicada a todos os seres, a toda a criação, e não apenas para si mesmo. A reverência de pé no sentido de nossa almofada e para fora, atualiza o nosso respeito para com a nossa prática e para aqueles que, presentes ou não, praticam com a gente. O ato físico de se curvar para a reverência, de dobrar o corpo para baixo, colocando a nossa cabeça em uma posição tradicionalmente respeitosa de vulnerabilidade, dá ao ego uma grande oportunidade de se deixar levar. Quando você estiver sentado - seja de pernas cruzadas, de joelhos ou em uma cadeira – adote a postura de zazen: coloque as mãos sobre o colo ou coxas, na posição do mudra cósmico, sua mão direita segurando a sua esquerda, com as palmas para cima, com os seus polegares mal se tocando e formando um círculo (2).

Faça isso, contando sua respiração, mantendo a sua postura e sentado quieto, durante um período de zazen de 20 minutos. Observe que os estímulos para se mexer - coçar seu nariz, puxar sua orelha - geralmente são maneiras de se afastar das energias de seu corpo. Em vez de se mexer, fique com esses estímulos, observe-os, e traga o foco de volta para a respiração. Aprenda a observar como esses impulsos somem, apenas para serem substituídos por outros, como demonstra a segunda nobre verdade: a causa do sofrimento é o desejo. Todas as ideias disparatadas, pensamentos, impulsos, tudo vai e vem, e ainda assim você se senta. E pouco a pouco a conversa cai fora e seu corpo, respiração e mente se tornam uma coisa só. Zazen é tão simples! Nós nos concentramos em nossa postura e na contagem de nossa respiração, e isso desenvolve o samadhi , uma mente unificada. Mas a prática não é sobre como alcançar o "dez". Trata-se de treinar o corpo e a mente. Deixar o corpo se aquietar, deixar a respiração se aquietar, deixar a mente se aquietar. Não se preocupe em saber se a sua prática está funcionando, não julgue o seu desempenho, não conte histórias para você ou encontre outras maneiras de evitar aquele exato momento. Essas são apenas formas de separar-nos de nossa mais profunda intenção e de nosso zazen. Quando você fizer zazen, apenas faça zazen. Isto basta.
(Roshi Pat Enkyo O’Hara)
(1) Zafu 









(2) Vejam vídeos na barra lateral do blog

15 fevereiro 2014

O que é Zen (2): A Prática



Há um termo na tradição celta que me soa como algo fundamental sobre a prática zen. Os celtas falam de “lugares finos”, lugares como cavernas ou poços ou outros locais especiais, onde a fronteira entre o mundano e mágico é permeável. Para mim, a prática Zen oferece um tipo de “lugar fino”, um “lugar” onde podemos descobrir que não há, fundamentalmente, nenhuma separação entre nós e os outros; que o que buscamos está sempre muito perto, sempre bem aqui. Narra a parábola da casa em chamas do Sutra do Lótus, que a única saída para a nossa ganância, raiva e ignorância é através de uma “porta estreita”. A porta estreita, o “lugar fino”, ou qualquer uma de inúmeras metáforas, nos aponta no sentido da nossa própria realização. Uma porta, um portão, ou um limiar, indica que há esforço, movimento, investimento na transformação.


No coração da prática do Zen está o zazen, a meditação sentada. Um mestre disse que escutar e pensar são como estar do lado de fora do portão, e que o zazen é como voltar para casa e sentar-se em paz. O zazen é realmente uma prática muito simples e não requer instruções complicadas. Quando estudamos os antigos manuais de meditação Zen, sempre nos surpreendemos como são breves e simples. Ao mesmo tempo em que falam da possibilidade de alcançar a liberdade e naturalidade de um tigre nas montanhas ou de um dragão na água, as instruções reais são muito concretas. Sentar na postura correta e cuidar do corpo, da respiração e da mente.
(Roshi Pat Enkyo O’Hara)

01 fevereiro 2014

O que é Zen (1)


A palavra "Zen" é empregada de forma tão descuidada no mundo comercial, no mundo do design, no mundo esotérico e na cultura popular em geral, que, para alguém que desconheça seu sentido como uma tradição espiritual autêntica, tornou-se demasiado vaga para adquirir tal significado.

O verdadeiro Zen consiste na prática de retornar ao Eu real aqui-e-agora-neste momento, regressando à naturalidade, à intimidade e à simplicidade de nossa verdadeira natureza. A prática Zen não é nos afastarmos da nossa vida como ela é; é sobre entrar em nossa vida como ela é, com toda a sua vivacidade, beleza, sofrimento, alegria e tristeza. O Zen é um caminho de despertar: despertar para quem realmente somos, e despertar a vontade de servirmos aos outros e assumirmos a responsabilidade por tudo que é vida.
(Roshi Pat Enkyo O’Hara)

14 janeiro 2014

Kshanti paramita - Tolerância


As Seis Perfeições (Paramitas)
(Do livro “A essência dos ensinamentos de Buda” – Thich Nhat Hanh)

As seis paramitas são ensinamentos do Budismo Mahayana. Paramita é uma palavra que pode ser traduzida como "perfeição" ou "realização perfeita". O ideograma chinês para este termo significa "atravessar para a outra margem", que é a margem da coragem, da paz e da libertação. As perfeições devem ser praticadas em nossa vida diária. Estamos atualmente na margem do sofrimento, da raiva e da depressão, e queremos atravessar para a margem do bem-estar. Para atravessar, é preciso fazer alguma coisa, e é a isso que chamamos de perfeição. Assim, voltamos para nós mesmos, praticamos a respiração consciente e olhando nosso sofrimento, nossa raiva, nossa depressão, e sorrimos. Ao fazer isso, superamos a dor e atravessamos. Devemos praticar as "perfeições" todos os dias.

Todas as vezes que damos um passo consciente, temos a oportunidade de sair da terra da tristeza para a terra da alegria. A Terra Pura está disponível aqui e agora. O Reino de Deus é uma semente dentro de nós. Se soubermos plantar essa semente em um bom solo, ela se tornará uma árvore, onde os pássaros virão se refugiar. Pratiquem a travessia para a outra margem sempre que sentirem necessidade. O Buda disse: "Não fique esperando que a outra margem venha até você. Se quiser atravessar para chegar à margem da segurança, do bem-estar, da coragem e da ausência de raiva, terá que nadar ou remar. Você precisa fazer um esforço." Esse esforço é a prática das Seis Perfeições.

(1) Dana paramita - Doação, generosidade, oferta.
(2) Shila paramita - Os preceitos ou treinamentos da atenção plena.
(3) Kshanti paramita - Tolerância, a capacidade de acolher, suportar e transformar a dor infligida a você por seus inimigos e também pelas pessoas que o amam.
(4) Virya pammita - O esforço, energia, perseverança.
(5) Dhyana paramita - A meditação.
(6) Prajna paramita - A sabedoria, compreensão, insight.

Praticar as seis perfeições ajuda a atingir a outra margem - a margem da liberdade, da harmonia e dos bons relacionamentos.

(3) Kshanti paramita - Tolerância, a capacidade de acolher, suportar e transformar a dor infligida a você por seus inimigos e também pelas pessoas que o amam.


terceira pétala da flor é a tolerânciakshanti paramita. A tolerância é a capacidade de receber, aceitar e transformar as coisas. Kshanti às vezes é traduzida também por paciência ou resignação, mas acho que "tolerância" é uma palavra que denota melhor o ensinamento de Buda. Quando praticamos a tolerância, não precisamos sofrer nem nos resignarmos, mesmo quando precisamos aceitar o sofrimento ou a injustiça, quando alguém diz ou faz algo que nos deixa com raiva, ou quando talvez algum tipo de injustiça é cometido contra nós. Mas se o coração for grande o bastante, não sofreremos.

O Buda oferece uma linda imagem sobre isso. Se pegarmos um punhado de sal e colocarmos em uma tigela com água, a água ficará salgada demais para beber. Mas a mesma quantidade de sal colocada em um grande rio não afetará sua água, e as pessoas ainda poderão bebê-la (lembrem-se de que esse ensinamento foi dado há 2.600 anos, quando ainda era possível beber água dos rios!). Devido à sua imensidão, o rio tem a capacidade de receber e transformar. O rio não sofre por causa de um punhado de sal. Se o seu coração for pequeno, uma palavra ou ação injusta fará você sofrer, mas se o coração for grande, e se tiver compreensão e compaixão, a palavra ou ação injusta não terá o poder de lhe causar sofrimento, porque você terá a capacidade de receber, aceitar e transformar rapidamente. O que conta aqui é a sua capacidade. Para poder transformar o sofrimento, o coração precisa ser grande como um oceano. Outra pessoa talvez sofra, mas se um bodhisattva ouvir as mesmas palavras desagradáveis não sofrerá. Tudo depende da forma de receber, aceitar e transformar. Se você guardar uma dor por muito tempo, é porque ainda não aprendeu a prática da tolerância.

Quando Rahula, o filho de Buda, fez dezoito anos, o Buda fez uma linda palestra sobre o Darma, em que falava sobre como praticar a tolerância. Shariputra, o tutor de Rahula, estava presente e ouviu atentamente, absorvendo os ensinamentos. Doze anos mais tarde, Shariputra teve a oportunidade de repetir esse ensinamento para uma congregação de monges e monjas. Foi no dia seguinte ao término de um retiro de três meses, durante uma estação chuvosa, quando todos os monges estavam se aprontando para ir embora e seguir em diferentes direções pregando os ensinamentos. Naquele dia, um monge disse ao Buda: "Senhor, esta manhã, quando o Venerável Shariputra ia partir, eu perguntei a ele onde ia, e em vez de responder à minha pergunta, ele me jogou no chão e nem sequer pediu desculpas."

O Buda perguntou a Ananda: "Shariputra já está muito longe?" e Ananda disse: "Não, Senhor, ele partiu há apenas uma hora." Então Buda pediu a um noviço que alcançasse Shariputra, convidando-o a voltar. Quando o noviço voltou acompanhado de Shariputra, Ananda convocou todos os monges que ainda estavam por lá. A seguir, o Buda entrou e perguntou formalmente: "Shariputra, é verdade que esta manhã quando você ia sair do mosteiro um irmão lhe fez uma pergunta, e você não respondeu? É verdade que em vez de responder você jogou o irmão no chão e nem sequer pediu desculpas?" E Shariputra respondeu a Buda diante de todos os monges e monjas da congregação.

"Senhor, eu me lembro do discurso que o senhor fez há doze anos para o monge Rahula, quando ele fez dezoito anos. O senhor ensinou-o a contemplar a natureza da terra, da água, do fogo e do ar, para desenvolver as virtudes do amor, da compaixão, da alegria e da equanimidade. Apesar de seu ensinamento ser dirigido a Rahula, eu também aprendi com ele, e tenho tentado observar e praticar este ensinamento.”

"Senhor, eu tenho tentado praticar como a terra. A terra é grande e aberta, e tem a capacidade de receber, aceitar e transformar. Quando as pessoas jogam sobre a terra substâncias puras e perfumadas, como por exemplo flores, perfumes ou leite fresco, ou mesmo quando jogam nela substâncias repugnantes como excremento, urina, sangue, catarro ou cuspe, a terra recebe tudo da mesma maneira, sem apego nem repulsa. Não importa o que jogamos na terra, ela sempre acolhe, aceita e transforma tudo aquilo que recebe. Eu faço o que posso para ser como a terra, a tudo recebendo sem resistir, sem me queixar, nem sofrer.”

"Senhor, eu pratico a atenção plena e a bondade amorosa. Um monge que não pratica a atenção plena ao corpo no corpo e às ações do corpo nas ações do corpo, poderia derrubar outro monge e deixa-lo lá deitado, sem pedir desculpas. Mas eu não costumo ser grosseiro com meus colegas, empurrando-os e indo embora sem pedir desculpas.”

"Senhor, eu aprendi a lição dada a Rahula, ou seja, que praticasse para me tornar como a água. Quando alguém derrama uma substância perfumada ou impura na água, ela recebe as duas coisas da mesma maneira, sem apego, sem aversão. A água é imensa, fluida, e tem a capacidade de receber, conter, transformar e purificar todas as coisas. Eu fiz o melhor que pude para me assemelhar à água. Um monge que não pratica a atenção plena, que não tenta se assemelhar à água, poderia ser grosseiro com seus colegas, empurrando-os e indo embora sem pedir desculpas, mas eu não sou assim.”

"Meu Senhor, eu tenho praticado me assemelhar ao fogo. O fogo queima tudo, tanto o que é puro como o que é impuro, o belo e o repugnante, sem apego nem aversão. Se jogarmos flores ou seda no fogo, elas queimarão. Se jogarmos roupas velhas ou substâncias mal cheirosas, o fogo aceitará tudo da mesma maneira e queimará da mesma forma. Ele não discrimina. Por quê? Porque o fogo é capaz de receber, consumir e queimar todas as coisas que lhe são oferecidas. Eu tenho tentado ser como o fogo. Consigo queimar as coisas negativas para transformá-las. Um monge que não pratica a atenção plena ao olhar, ouvir e contemplar, poderia ser grosseiro com seus colegas, empurrando-os e indo embora sem pedir desculpas, mas eu não sou assim.”

"Senhor, tenho tentado praticar para ser como o ar. O ar carrega todos os cheiros, bons e maus, sem apego nem aversão. O ar tem a capacidade de transformar, purificar e soltar todas as coisas. Senhor Buda, eu contemplei o corpo no corpo, o movimento do corpo no movimento do corpo, as posições do corpo nas posições no corpo, as sensações nas sensações e a mente na mente. Um monge que não pratica a atenção plena poderia jogar seu colega no chão, empurrando-o e ir embora sem pedir desculpas, mas eu não sou assim.”

"Meu Senhor, eu sou como uma criança da casta dos 'intocáveis', que não tem nada para vestir, nenhum título ou medalha para pendurar nos trapos rotos. Tenho tentado praticar a humildade, porque sei que a humildade tem o poder da transformação. Todos os dias eu tento aprender. Um monge que não pratica a atenção plena poderia ser grosseiro com seus colegas, empurrando-os e indo embora sem pedir desculpas, mas eu não sou assim."

Shariputra continuou com seu discurso, o "Rugido do Leão", mas o outro monge, arrependido, descobriu o ombro direito e se ajoelhou, pedindo perdão: "Senhor, eu violei a Vinaya (regras de disciplina monástica). Por raiva e por ciúmes, eu disse uma mentira para desacreditar meu irmão mais velho no Darma. Eu imploro à comunidade que me permita praticar o Começar de Novo." Diante do Buda e de toda a Sangha, ele se prostrou três vezes para Shariputra. Quando Shariputra viu seu irmão prostrado, inclinou-se e disse: "Eu não tenho sido hábil o bastante, e por isso criei o mal-entendido. Eu sou também responsável por isso, e peço a meu irmão que me perdoe." A seguir ele também se prostrou três vezes diante do outro monge, e os dois se reconciliaram. Ananda pediu a Shariputra para ficar para uma xícara de chá antes de partir novamente em sua jornada.

Reprimir nossa dor certamente não é o ensinamento da tolerância. Temos que recebê-la, aceitá-la e transformá-la. A única forma de fazer isso é tornando o nosso coração maior. Nós contemplamos em profundidade para compreender e perdoar, caso contrário ficaremos aprisionados pela raiva e pelo ódio, e acharemos que a única forma de nos sentirmos melhor é castigar a outra pessoa. A vingança é um alimento não-saudável. A intenção de ajudar os outros, ao contrário, é extremamente saudável.

Para praticar a kshanti paramita, precisamos das outras perfeições. Se a nossa prática da tolerância não abarcar a compreensão, a generosidade e a meditação, estaremos apenas tentando esconder nossa dor, empurrando-a para o fundo da consciência. Isto é perigoso. Este tipo de energia irrompe mais tarde, destruindo a nós e os outros. Se praticarmos a contemplação em profundidade, nosso coração crescerá sem limites e nós sofreremos menos.

10 janeiro 2014

Dogen: para este ano de prática contínua

"Na grande estrada dos budas ancestrais há sempre prática insuperável, contínua e sustentada. Ela forma o círculo do caminho e nunca é cortada. Entre a aspiração, a prática, a iluminação e o nirvana, não há brecha de um momento;... a prática contínua é o círculo do caminho. Sendo assim, a prática contínua é indivisível, não é forçada por você ou por outras pessoas. O poder desta prática contínua confirma você, assim como os outros. Significa que a sua prática afeta toda a terra e o céu inteiro nas dez direções. Apesar de não ser notado por outras pessoas ou por você mesmo, é assim”.

08 janeiro 2014

Mudança de horários de prática em Einin-ji (Templo do Cuidado Amoroso)

Os horários de prática em Eininji em 2014:
 
De 2ª a 6ª das 7 às 7h30 da manhã: zazen* seguido de recitação matinal;
2ª, 3ª e 5ª das 20h30 às 21h10: zazen*;
6ª às 12h30: zazen*;
4ª às 21h: zazen e fala do darma ou meditação guiada;
2ª das 18h30 às 20h: zazen e seminário apenas para os participantes da atividade da 4ª anterior.

Lembrar que o horário de entrada na casa vai até 10 minutos antes do horário do zazen, e que a entrada no zendô deve acontecer até no máximo 5 minutos antes do início do zazen – evitar ficar em conversas na antessala ou do lado de fora.

*Não haverá horário específico para iniciantes, os que sentirem necessidade de orientação quanto à postura ou à prática devem comparecer nas quartas-feiras e depois esclarecerem suas dúvidas no seminário de segunda e/ou solicitarem dokusan comigo, através de agenda a ser preenchida com meu assistente. No momento não há outros instrutores ou preceptores de prática autorizados a ensinar em Eininji. As sessões de zazen são inteiramente silenciosas antes, durante e depois, sem recitações, comentários, instruções ou qualquer outra forma de manifestação verbal.


  • Rua Saint Roman, 16 - Copacabana
  • Rio de Janeiro