Eis uma história. Dongshan [Liangjie] disse a Yunju: Há muito tempo, Nanquan perguntou a um monge que estava dando uma palestra sobre o Sutra da Descida de Maitreya, “Quando Maitreya descerá?”
O monge respondeu: "Ele está atualmente no palácio celestial, e vai nascer no futuro".
Nanquan disse: “Não há Maitreya no céu, nem há Maitreya aqui embaixo na terra."
Em seguida, Yunju perguntou: "Se simplesmente não há Maitreya no céu e não há Maitreya aqui no chão, eu quero saber quem concedeu seu nome [Maitreya]".
Dongshan imediatamente sacudiu seu assento de meditação e disse: "Mestre [Yunju Dao] ying".
Mestre Dogen disse: Não há Maitreya no céu, e não há Maitreya aqui embaixo na terra. Maitreya não é Maitreya, [e desta forma] Maitreya é Maitreya. Ainda que isto seja assim, não querem todos ver Maitreya?
Dogen levantou o hossu e disse: Vocês se encontraram com Maitreya. Já o tendo encontrado, digam-me todos rapidamente se Maitreya existe ou não existe.
Dogen abaixou seu hossu, desceu do seu assento, e circulou pelo zendô.
(Dogen, Eihei Koroku, Fala do Salão do Dharma
#61)
Atravessei mares e rios, transpus montanhas e vadeei regatos, Para encontrar mestres, buscar o Caminho e penetrar nos segredos do Zen. Desde que pude discernir o caminho de Sôkei*, Soube que nascimento-e-morte não é a coisa à qual eu estava ligado. Andar é Zen, sentar-se é Zen; Quer falando, quer ficando em silêncio, quer se movendo, quer permanecendo quieto, a Essência está sempre em repouso; Mesmo quando ameaçada com espadas e lanças, ela jamais abandona seu sereno caminho. Mesmo venenos não conseguem perturbar sua calma.
(Yoka Daishi (613-713) Shodoka, Poema da Iluminação, Trad. Ricardo M. Gonçalves)
*Sôkei é a localidade onde ficava situado o mosteiro do Sexto Patriarca Hui-Neng.
Recomenda-se ganhar a margem inteira, mas definitivamente
evitar a criação de uma oposição frontal. Pelo lado claro [compreendendo as
diferenças] vocês merecem trinta golpes; pelo lado escuro [fundindo em unidade]
vocês merecem trinta golpes. Vocês já alcançaram isso. A todas as pessoas não
falta, nem mesmo um pouco. Porque vocês não percebem isso? Iluminação não
inveja iluminação, mas [vocês não conseguem perceber] simplesmente porque
vocês estão presos por sons e cores. Quando os sons e cores prendem a
iluminação, não estão sons e cores presos pela iluminação? Embora isto seja
assim, liberar os seus corpos em sons e cores, abrindo suas mãos no meio de
sons e cores, permanecendo lá empregando seus próprios esforços, certamente vocês podem
realizar o pilar firme do Zen e vocês podem perceber o Zen Nirgrantha, ainda
que, nem mesmo em sonhos, vocês vejam um Zen ancestral ou o Zen Tathagata*. Como
isto é muito doloroso!
Quando vocês erroneamente vestem o manto de sons e cores e
buscam vantagens através de formas externas, vocês terão em suas casas pinturas
da deusa da boa fortuna, mas vocês também estarão nutrindo a deusa da pobreza.
Quando sem expectativa, de repente vocês quebram o balde
laqueado ao estilo dos antepassados, levantam a cabeça e golpeiam seus peitos
[numa expressão não mediada], de repente vocês atingem a realização do caminho.
Quando uma pessoa realiza o caminho, o eu e o outro, juntos, realizamos o
caminho. Em uma manhã de realizar o caminho, o corpo passado e o corpo futuro, juntos,
realizam o caminho. Por exemplo, é como [atravessando um rio] em um barco ou
uma ponte, o eu e os outros andarem juntos, alcançando e penetrando o caminho.
Voltado para o leste ou voltado para o oeste, ao mesmo tempo não há paralisação
e não há obstrução de um e de outro. Alguém voltado para o leste e alguém
voltado para o oeste podem usar esse único barco. O barco é o mesmo, mas as
pessoas são diferentes. Indo para o leste ou para oeste, cada pessoa chega a
seu destino. Esta é a característica da iluminação. Quando realizamos o
caminho, não realizamos com algo mais, realizamos apenas com sons e cores.
Quando estamos iludidos, não estamos iludidos com algo mais, estamos iludidos
apenas com sons e cores. Uma pessoa iludida e uma pessoa iluminada utilizam ao mesmo
tempo um barco, e cada uma delas não é obstruída.
Nos tempos antigos, certa vez um monge perguntou a Fayan,
"Como eu posso transcender as duas palavras, som e cor?"
Fayan disse, "Grande assembleia, se vocês entenderem o
ponto desta questão deste monge, não é difícil transcender o som e a cor".
Como podemos investigar essa circunstância [da história]?
Com seus ouvidos, ouçam o alaúde sem cordas, e com os seus olhos, vejam a árvore sem
sombra. Grandes praticantes têm conhecido tal princípio. No entanto, há um
ponto que vocês precisam entender em detalhes. Com seus ouvidos, [também] ouçam
o alaúde que tem cordas, com os seus olhos, vejam a árvore que tem sombra.
Vocês já são assim. Agora eu pergunto à grande assembleia, que coisas vocês
chamam de sons e cores? Onde estão os sons e cores agora?
(Dogen Eihei Koroku, Fala do Salão do Dharma #52)
*Nirgrantha Jnatiputra, também conhecido como Mahavira. é o nome
do fundador do jainismo, contemporâneo
com Buda Shakyamuni. A tradição Jain enfatiza o ascetismo e renúncia ao mundo,
por isso, aqui, "Zen Nirgrantha” pode ser uma expressão de Dogen para a
prática que tenta rejeitar o reino de som e cores. " Pilar firme do Zen "
é uma expressão original que aqui pode implicar apenas na compreensão ou
meditação em silêncio, sem expressão aberta e partilha do ensinamento no mundo
fora do salão do Dharma. Por isso, essa frase pode ser interpretada como
dizendo que a rejeição do reino de sons e cores é outra forma de apego ao reino
de sons e cores. "Zen ancestral" tradicionalmente refere-se à pratica
como ela funciona na atividade diária normal. "Zen Tathagata" refere-se
à pratica baseada nos ensinamentos dos sutras. (Comentário de Taigen Dan Leighton)