Existiu, uma vez, na China antiga um grande mestre Zen: Kiss. Seus ensinamentos eram muito severos e duros. Um cidadão de nome Hun, acompanhado de alguns amigos, veio vê-lo um dia. Mestre Kiss não lhes concedeu permissão de entrar no dojo: "Vocês não podem sentar no dojo". Durante uma semana, um mês, eles fizeram zazen do lado de fora. Um dia, Mestre Kiss levou um balde de água fria e jogou sobre suas cabeças. Descontentes, decidiram partir e se foram, pensando que aquele Mestre era estúpido e louco. Apenas Hun permaneceu.
"Venho de longe. Caminhei mais de cinco mil quilômetros. Estou aqui para encontrar o Caminho. Porque deveria partir por causa de um golpe de água fria? Como poderia me escapar?"
Mestre Kiss respondeu-lhe:
"Você é uma pessoa engraçada! Veio até aqui para procurar o Caminho, que maravilha! Em nossa época não é comum encontrar pessoas como você vindo em procura do Caminho. Pensava que você tivesse vindo até aqui como um hippie, mas você é corajoso!"
Hun permaneceu no templo e tornou-se em seguida cozinheiro ou tenzo. A maior parte dos monges estavam cansados, pois o Mestre Kiss mostrava-se muito duro e severo para seus unsui. Muitos pareciam subnutridos. Hun, o tenzo, pensava que durante os sesshins era essencial dar uma boa alimentação aos monges. Assim, durante a ausência do Mestre, roubou a chave da despensa, pegou a comida, e preparou-a para todos os discípulos.
Mestre Kiss chegou no momento da refeição e, vendo o espetáculo, ficou rubro de cólera.
"De onde pegaram toda essa comida?"
E, imediatamente, chamou o tenzo em seu quarto:
"Quem lhe deu isso?"
Hun respondeu:
Perdão, Mestre. Durante sua ausência, peguei a chave da despensa e levei as provisões que preparei para todos os discípulos".
Mestre Kiss lhe gritou:
Você não passa de um ladrão! Saia daqui! Fora! Que eu não mais lhe veja!"
Mas Hun errava sempre em volta do templo. Transformado em mendigo, pedia e pedia, sem cessar, permissão para ali voltar:
"Eu vos suplico, Mestre. Perdoai-me! Permiti que retorne ao templo".
Mestre Kiss jamais abria a porta!
Então Hun se pôs em zazen no jardim do templo.
Mestre Kiss veio ao seu encontro e lhe disse:
"Você não pode fazer zazen aqui. Este jardim é do templo. Você me pede para se servir dele e deve me pagar. Muito caro. Você tem que me dar muito dinheiro!"
E Hun, novamente, se pôs a mendigar e entregou todo o dinheiro a Mestre Kiss... Ao fim, ficou totalmente esgotado de cansaço. Então Mestre Kiss olhou-o longa e profundamente. Disse-lhe:
"Agora você verdadeiramente procura o Caminho. Entre!"
Mestre Kiss deu-lhe o shiho, e Hun tornou-se em seguida o godo do dojo. Hun conhecia o segredo do Soto Zen. Ele havia compreendido a contradição do ensinamento do Mestre.
As pessoas que procuram o Caminho não se cansam jamais, não param jamais. São duras e fortes. Seguem apenas uma só e única luz. Seus corpos podem se partir, mas o espírito guarda toda sua força seguindo o sistema cósmico. As contradições incluem todas as coisas. É preciso abandoná-las: ir além! Se não podemos abraçar as contradições, nossa personalidade se amesquinha. Tal é a verdadeira educação Soto Zen. O mestre tudo compreende, ele observa o espírito de seu discípulo. Se o discípulo tem a fé, a linha de separação, a dualidade, a diferença e as oposições cedem lugar à unidade entre mestre e discípulo.
"O Mestre é o mestre,
o discípulo é o discípulo.
Mas o Mestre é também o discípulo,
o discípulo é igualmente o Mestre".
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