23 abril 2008

Zazen

"Explicar um metro é inferior a praticar um centímetro. Explicar um centímetro é inferior a praticar um milímetro."
Daiji Kanchu (780-862)

19 abril 2008

Hokyo Zanmai - 7º Comentário de Deshimaru (final)


Os princípios fundamentais da lógica Zen são radicalmente distintos daqueles da dialética que, de Patão a Hegel e Marx, regeram a filosofia ocidental. Chamam-se Go I (Go: cinco; I: princípios), e articulam dois termos em conco etapas. Seja A o primeiro termo: os fenômenos (shiki), a noção de oblíquo ou de diferença; B, o segundo termo: a essência ou o vazio (ku), a noção de reto ou de igualdade. Tem-se sucessivamente:
1. A entra em B
2. B entra em A
3. B é B
4. A é A
5. A e B se interpenetram

O quinto princípio resume, sintetiza e ultrapassa os quatro outros. Os Go I constituem uma chave para compreender o sentido profundo dos textos Zen tradicionais.
Por exemplo, no Sandokai, encontra-se:
“A escuridão existe na luz.
A luz existe na escuridão”.
Mas a escuridão é a escuridão, e a luz é a luz.
Ou bem, pode-se dizer: as ilusões tornam-se satori e o satori torna-se ilusões. Isto dito, as ilusões são ilusões, e o satori é o satori!
O quinto princípio, que engloba a totalidade das relações, é Hishiryo. E, na vida quotidiana, o homem é homem, a mulher é mulher, mas, no amor, o homem entra na mulher, a mulher entra no homem, e os dois se interpenetram.
Um dia, um monge perguntou ao Mestre Fuyodo Kai: “Explicai-me, suplico, “Meia-noite é a verdadeira luz. A alvorada não é clara”. Mestre Fuyodo Kai respondeu com este poema:
“Neste barco já cheio de mercadorias,
Não se pode colocar a lua.
O pescador vivia nos espessos canaviais”.
O pescador é o pescador, mas, nos canaviais espessos e densos, ele não pode ver claramente o despertar do dia. Esse barco, cheio de mercadorias, apesar disto, carrega consigo a lua e sua luz. Porque levá-la? Ela já lá está naturalmente, inconscientemente. É meia-noite, a lua brilha, inconsciente e natural.O pescador vive num meio escuro. Como poderia perceber o sol através da espessa cortina dos canaviais?
“Esse barco navegando à noite,
Sob a claridade da lua,
Num sulco luminoso de prata.
O mar brilha,
Sob a claridade da lua,
E a paisagem banha-se na lua”.


Apresentação de ... SOZAN e .... TOZAN
Fig. 1. Os GO I

Fig. 2 Uma aproximação dos GO I

06 abril 2008

Hokyo Zanmai - 7º Comentário de Deshimaru (cont.)

Existiu, uma vez, na China antiga um grande mestre Zen: Kiss. Seus ensinamentos eram muito severos e duros. Um cidadão de nome Hun, acompanhado de alguns amigos, veio vê-lo um dia. Mestre Kiss não lhes concedeu permissão de entrar no dojo: "Vocês não podem sentar no dojo". Durante uma semana, um mês, eles fizeram zazen do lado de fora. Um dia, Mestre Kiss levou um balde de água fria e jogou sobre suas cabeças. Descontentes, decidiram partir e se foram, pensando que aquele Mestre era estúpido e louco. Apenas Hun permaneceu.

"Venho de longe. Caminhei mais de cinco mil quilômetros. Estou aqui para encontrar o Caminho. Porque deveria partir por causa de um golpe de água fria? Como poderia me escapar?"


Mestre Kiss respondeu-lhe:


"Você é uma pessoa engraçada! Veio até aqui para procurar o Caminho, que maravilha! Em nossa época não é comum encontrar pessoas como você vindo em procura do Caminho. Pensava que você tivesse vindo até aqui como um hippie, mas você é corajoso!"


Hun permaneceu no templo e tornou-se em seguida cozinheiro ou tenzo. A maior parte dos monges estavam cansados, pois o Mestre Kiss mostrava-se muito duro e severo para seus unsui. Muitos pareciam subnutridos. Hun, o tenzo, pensava que durante os sesshins era essencial dar uma boa alimentação aos monges. Assim, durante a ausência do Mestre, roubou a chave da despensa, pegou a comida, e preparou-a para todos os discípulos.


Mestre Kiss chegou no momento da refeição e, vendo o espetáculo, ficou rubro de cólera.


"De onde pegaram toda essa comida?"


E, imediatamente, chamou o tenzo em seu quarto:


"Quem lhe deu isso?"


Hun respondeu:


Perdão, Mestre. Durante sua ausência, peguei a chave da despensa e levei as provisões que preparei para todos os discípulos".


Mestre Kiss lhe gritou:


Você não passa de um ladrão! Saia daqui! Fora! Que eu não mais lhe veja!"


Mas Hun errava sempre em volta do templo. Transformado em mendigo, pedia e pedia, sem cessar, permissão para ali voltar:


"Eu vos suplico, Mestre. Perdoai-me! Permiti que retorne ao templo".


Mestre Kiss jamais abria a porta!


Então Hun se pôs em zazen no jardim do templo.


Mestre Kiss veio ao seu encontro e lhe disse:


"Você não pode fazer zazen aqui. Este jardim é do templo. Você me pede para se servir dele e deve me pagar. Muito caro. Você tem que me dar muito dinheiro!"


E Hun, novamente, se pôs a mendigar e entregou todo o dinheiro a Mestre Kiss... Ao fim, ficou totalmente esgotado de cansaço. Então Mestre Kiss olhou-o longa e profundamente. Disse-lhe:


"Agora você verdadeiramente procura o Caminho. Entre!"


Mestre Kiss deu-lhe o shiho, e Hun tornou-se em seguida o godo do dojo. Hun conhecia o segredo do Soto Zen. Ele havia compreendido a contradição do ensinamento do Mestre.


As pessoas que procuram o Caminho não se cansam jamais, não param jamais. São duras e fortes. Seguem apenas uma só e única luz. Seus corpos podem se partir, mas o espírito guarda toda sua força seguindo o sistema cósmico. As contradições incluem todas as coisas. É preciso abandoná-las: ir além! Se não podemos abraçar as contradições, nossa personalidade se amesquinha. Tal é a verdadeira educação Soto Zen. O mestre tudo compreende, ele observa o espírito de seu discípulo. Se o discípulo tem a fé, a linha de separação, a dualidade, a diferença e as oposições cedem lugar à unidade entre mestre e discípulo.


"O Mestre é o mestre,

o discípulo é o discípulo.

Mas o Mestre é também o discípulo,

o discípulo é igualmente o Mestre".