07 fevereiro 2008

Hokyo Zanmai - 3º Comentário de Deshimaru

Seu sentido não está nas palavras,
mas um instante decisivo o faz aparecer.


Este poema expõe as diferenças entre a consciência e a linguagem. Nossa consciência difere de nossa linguagem, da maneira de nos expressarmos. Se queremos beber um café ou comer um bolo, pedimos ao garçom o que queremos. O garçom, não comete, por assim dizer, nenhum erro, e para isso as palavras bastam. Mas no Zen, dizer, "tomemos um chá", pode tornar-se um koan e encobrir um significado profundo. Em um templo Zen, se um Mestre nos pede para sentarmo-nos, este "sentem-se", dito pelo Mestre, pode ser um koan em si mesmo. Um outro exemplo: o kwatz dos Mestres Zen está muito longe do canto dos corvos. Nos templos Zen, durante os mondos, o Mestre pronuncia às vezes a palavra kwatz ou a palavra to, "silêncio".
No Zen, uma linguagem verdadeira, exata e simples, se cria. Esta linguagem é como os sons dos templos: sino do despertar, madeira dos chamados, som das claquetes, madeira do mokugyo, gongo, tambor do samu, metal da cozinha. Criam-se sons e, às vezes, essa linguagem pode ser poema ou canto. Assim, alguns sutras tornam-se poemas, como o Shin jin Mei, o Hokyo Zanmai e o Shodoka, mas a verdadeira essência do espírito não pode ser expressa em palavras. Os mudos não podem falar e, apesar disso, podem explicar de um modo profundo sua consciência e seu espírito. Se sentem necessidade, fazem gestos. No Zen também, encontram-se muitos gestos! O que é o Zen? Um estalar de dedo!
Os haikai japoneses não são verdadeiramente poemas, mas frases de Zen, sentenças breves. Expressar a natureza, a estação, ao ritmo de 5-7-5, em francês ou português, torna-se praticamente impossível. Eis aqui um haikai:
"Um velho charco
Uma rã mergulha
O ruído da água".

Este poema tão pequeno, muito profundo, tem apenas três versos.

Mestre Bassho, ao visitar um velho templo, ficou muito impressionado por uma cena de uma calma profunda:
"Um velho charco, a floresta, o zazen do monge
no dojo e, subitamente, nesta

agradável tarde de primavera,
uma rã salta na água.
Plof!"

O som da água rompeu a imobilidade da atmosfera!

E, após o mergulho da rã, tudo voltou ao silêncio!

O sentido profundo desse haikai é o silêncio perfeito. Açambarcados pela vida quotidiana, não podemos sentir nem os barulhos nem o verdadeiro silêncio.
Mas, pela prática do Zen, podemos experimentar esse verdadeiro silêncio
Esse poemas Zen atingem uma grande profundidade. Matéria do não-consciente, os versos, autênticos, surgem anteriores à nossa vida e nossa morte, eles vêm do túmulo, anteriores à matéria, ao espírito, e compreendem o cosmo ilimitado, infinito, eterno. O silêncio é tudo e vem automaticamente, naturalmente, inconscientemente.
No templo de Avallon, compus estes haikai:
"Após o zazen
Queimo algum incenso
Uma noite de primavera".

"Sob as nuvens sem consciência
Revolvo a terra do campo e semeio o grão
Próximo à aldeia do moinho".

Como na pintura sumi-e deve-se compreender o espaço, durante uma conversa devemos integrar o silêncio.
"Sobre a areia da praia,
Traços de passos.
Longo é o dia da primavera".


Uma peça muito decorada torna-se pesada, enquanto uma peça sóbria é sinal de pura beleza. Assim , no haikai, como nas respostas do mondo, a expressão deve ser breve. Durante o mondo, às vezes, há apenas uma palavra em minhas respostas: "Não!", "Concordo!", ou então dou uma longa explicação. Um Mestre pode responder com o kwatz ou com as mãos dando uma bofetada. Mas, em todos os casos, o sentido da resposta é muito profundo.


Eis aqui um outro haikai de Bassho:

"Silêncio
A voz da cigarra
Penetra a rocha".

É o sabor do Zen. Se vocês considerarem apenas as palavras, o alcance é bem curto.
"Tranquilidade.
Uma folha do castanheiro cai
Na água clara".

É preciso ir por detrás das palavras. Está dito no Zazenshin:
Tori Tonde Tori No Gotoshi
"O pássaro voa no céu,
Ele tem a verdadeira liberdade do pássaro".

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