02 julho 2007

Sandokai - 16º Comentário de Deshimaru

O absoluto funciona junto com o relativo,
Como duas flechas se encontrando no meio do ar.
Recebendo estas palavras, deveis
Compreender a grande realidade.
Não julgueis por quaisquer padrões.


É preciso tocar diretamente o espírito do Buda. Como tocá-lo? Nele entrando, diretamente! Pelo zazen! Buda fazia zazen sob a árvore Bo. Ele se despertou. Satori. Ele transmitiu a Mahakashyapa a essência e o método desse satori.

E, em seguida, esta transmissão foi efetuada de Mestre a discípulo praticando o zazen. Um discípulo que faz zazen tem em si a capacidade e a possibilidade do despertar.

Ao ler um sutra é preciso compreender seu sentido, não depender das palavras. I shin den shin!

Também é uma transmissão secreta do espírito do Mestre ao do discípulo: “a transmissão secreta do Zen”.

Apenas entre duas pessoas: o Mestre e o discípulo. Nenhuma outra pessoa pode intervir. Segredo absoluto, direto, inexplicável pelas palavras e pela linguagem. Transmissão simbolizada, confirmada pelo kesa, pela tigela ou por um certificado.

Um discípulo não poderá mudar esse segredo segundo suas próprias idéias. Ele deverá, à sua vez, retransmiti-lo à geração seguinte. Como a chama de um archote que passa de mão em mão. Tal é a essência do Buda que foi transmitida até mim. Esses versos são os versos maiores do Sandokai. Pode-se dizer que eles aí introduzem a conclusão.

Duas flechas se encontrando em pleno ar, uma metáfora chinesa. É a história de Kisho e Hiei, à qual também faz referência o Hokyo Zanmai. As pontas das flechas se encontram. A caixa e sua tampa se ajustam perfeitamente.

Prática e princípio se ajustam da mesma forma. Substância e ação, escuridão e luz, fonte e afluentes, unidade e diferenças, ku e shiki se encontram, coincidem e se penetram mutuamente. A caixa, a tampa, as duas são necessárias.

A utilidade e posição de cada termo são diferentes. Mas quando os dois se ajustam perfeitamente, o equilíbrio se realiza. Entre homem e mulher, por exemplo. O sexo do homem e o da mulher são opostos. Um penetra, o outro recebe. Mas para realizar sua utilidade, eles devem se encaixar, coincidir perfeitamente. E, por este ato, a utilidade do ser humano se realiza. É a unidade, não apenas um lado nem o outro, mas os dois em um. Do mesmo modo, além do pensamento e do não pensamento, Hishiryo.

Não devemos apegar-nos à superfície das palavras, mas compreender a fonte, o sentido profundo, a grande realidade.

Um Mestre Zen, encolerizado com seu discípulo, diz-lhe: “Deves sair! Não! Não pela porta! Não! Não pela janela!” Por onde? É um koan! Outro exemplo:

Mestre Obaku tornou-se célebre e sua velha mãe cega desejava encontrá-lo. Obaku viajava a maior parte do tempo. A mãe esperava seu filho perto de um barco, prestando alguns serviços às pessoas que por lá passavam, e emitindo os bilhetes do barco. Também fazia massagens nas pessoas cujos pés e tornozelos estavam doloridos. Esperava, assim, reencontrar seu filho um dia. Os pés de Obaku tinham cicatrizes características. Obaku chegou à margem do rio. A mãe, por intuição, agarrou o pé de seu filho e o reconheceu. “Diz-me o teu nome, penso que sou sua mãe... Tu és Mestre Obaku...” Ele passou sem responder, mas um passante advertiu a mãe de que aquele homem era mesmo o Mestre Obaku. Ela correu até ele, tentando alcançá-lo antes que o barco partisse. Mas o barco já havia começado sua travessia e mãe caiu na água ao tentar juntar-se a seu filho. Então Obaku disse, “A família que criou um filho que se tornou um verdadeiro monge, renascerá no céu”. A maioria das pessoas achava que Obaku não era um homem normal, mas um ser um pouco louco. Obaku, entretanto, tinha visto sua mãe subir ao céu naquele exato instante. A atitude de Obaku parece estranha, mas é preciso compreender a fonte de suas ações e de sua história. Ele ensinou como um grande mestre pode educar sua família no caminho da realização do satori. É o ponto escondido, obscuro... (continua).

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