Pergunta 10: Disse um mestre:
“Não lastimeis nascimento e morte. Há um modo imediato de ser livre do nascimento e da morte, a saber, conhecer o princípio de que a natureza da mente é permanente. Isto significa que, porque este corpo já está no nascimento, é levado para a morte, mas a mente-natureza não perecerá. Deveis reconhecer que tendes em vosso corpo a mente-natureza, que não é afetada por nascimento e morte. Esta é natureza inerente. O corpo é uma forma temporária; morre aqui e nasce ali, e não é fixo. A mente é permanente: não muda através do passado, futuro ou presente. Entender isto é ser livre de nascimento e morte. Aqueles que reconhecem este princípio acabam com nascimento e morte para sempre. Assim, quando vosso corpo termina, entrais no oceano da Natureza. Quando fluís para dentro do oceano da natureza, atingis uma maravilhosa virtude, assim como todos os tathagatas. Mesmo que vos assegureis disto agora, porque vosso corpo é o resultado das ações deludidas das vidas passadas, não sois como todos àqueles que não reconhecem este princípio estarão no domínio do nascimento e da morte para sempre. Por conseguinte, deveis vos apressar a entender que a mente-natureza é permanente. Se simplesmente passardes toda a vossa vida sentados ociosamente, o que podereis esperar”.
Pergunta: Uma afirmação como esta está de acordo com a senda de todos os Budas e ancestres?
Resposta: A visão que mencionasses não é, de modo algum, o ensinamento de Buda, mas sim a visão do herético Senika. Ele disse: Há uma alma no corpo e esta alma, ao encontrar condições, reconhece o bem e o mal, o certo e o errado. Discernir o padecer e o coçar, conhecer a dor e o prazer também é capacidade desta alma. No entanto, quando o corpo é destruído, a alma sai e nasce em outro mundo. Assim, parece estar morta aqui, mas como há nascimento em outro lugar é permanente, sem morte.
Seguir este ponto de vista e considerá-lo ensinamento de Buda é mais tolo do que agarrar uma telha ou uma pedra e considerá-la ouro. Uma ignorância vergonhosa como essa não pode ser comparada a nada. O Professor Nacional Huizhong, da Grande Tang, criticou profundamente isto. Aceitar o ponto de vista errado de que a mente é permanente e que a forma perece, considerando isto igual ao inconcebível ensinamento de todos os Budas, ou criar as causas de nascimento e morte, desejando-se separado de nascimento e morte - não é tolice? É profundamente lamentável! Entendei isso apenas como o ponto de vista errado dos hereges e não deis ouvidos a isso.
Não posso deixar de ser compreensivo; deixai-me resgatar-vos de vossa visão errada. Deveis saber que no darma-de-buda sempre foi dito que corpo e mente são não-separados, natureza e características não são dois. Isto era conhecido tanto na Índia quanto na China.
Desse modo, não há nenhum lugar para o equívoco. Na realidade, o ensinamento sobre a permanência diz que todas as coisas são permanentes, sem dividir corpo e mente. O ensinamento sobre a cessação diz que todas as coisas cessam, sem separar natureza e características. Como podeis dizer que o corpo perece, mas a mente é eterna? Não é contra o autêntico princípio? Não apenas isso, deveis entender que nascimento-e-morte é, em si mesmo, o nirvana. O nirvana não se explica fora de nascimento-e-morte. Mesmo que entendais que a mente é eterna, separada do corpo, e suponhais equivocadamente que a sabedoria de Buda está separada de nascimento-e-morte, esta mente do entendimento ou do reconhecimento ainda nasce e perece e não é permanente. Não será efêmera?
Deveis saber que o ensinamento de que corpo e mente são um está sempre sendo explicado no darma-de-buda. Então, como pode a mente sozinha deixar o corpo e não cessar, quando cessa o corpo? Se corpo e mente às vezes são não-separados e não não-separados algumas outras vezes, o ensinamento de Buda seria falso. Ademais, pensar que nascimento-e-morte deve ser rejeitado é o equívoco de ignorar o darma-de-buda. Deveis vos abster disso.
Deveis saber que o chamado "portão do darma de toda a realidade da mente-natureza", no darma-de-buda, inclui o mundo fenomenal inteiro, sem separar a natureza das características ou o nascimento da morte. Nada, nem mesmo o bodi ou o nirvana, estão fora da mente-natureza. Todas as coisas e todos os fenômenos são somente uma mente – nada está excluído ou não-relacionado. Ensina-se que todos os portões do darma são igualmente uma mente, e não há nenhuma diferenciação. E assim que os budistas entendem a mente-natureza. Como podeis diferenciar isso em corpo e mente e separar nascimento-e-morte de nirvana? Vós já sois o filho de Buda. Não deis ouvido às línguas dos homens loucos, que citam visões heréticas.
Dogen. Sobre o empenho do caminho (Bendo-wa). In: A lua numa gota de orvalho. São Paulo: Siciliano, p. 166-168, 1993.