"Quando eu houver partido, alguns de vocês se recolherão nas florestas e montanhas para meditar, enquanto outros beberão vinho e desfrutarão da companhia de mulheres. Os dois tipos de Zen são bons. Mas se alguém quiser se tornar monge profissional, e sair tagarelando por aí sobre o "Zen como o Caminho", considere-se desde já meu inimigo".
(Ikkyu, monge Zen, 1394-1491, a seus discípulos, em anos próximos à sua morte).
25 fevereiro 2012
Quando eu houver partido...
Fukanzazengi - 52º Comentário de Coupey
Não fiquem nem um pouco surpresos por um dragão de verdade...
Não nos enganemos com o que é verdadeiro e o que não é, com o que é uma imitação
Eis uma história da China antiga: Sekko colecionava dragões de papel. Seu quarto estava cheio de pinturas de dragões. Ele adorava aquilo. Um dia, um dragão que passava no céu (o céu é ku, o vazio) achou que ia fazer Sekko feliz indo visitá-lo em sua casa, pois assim ele poderia ver um dragão de verdade. Ele enfiou a cabeça pela janela, mas Sekko não ficou nada feliz. Teve tanto medo que caiu desmaiado.
O dragão simboliza muitas coisas. É a realidade, o dragão real, não de papel. E a realidade é também nossa natureza original. Logo, poderíamos dizer que o dragão somos nós ou, ao menos, nós quando estamos em zazen.
Então lhes peço, nobres amigos da prática, peço-lhes imediatamente, a partir da experiência pessoal de vocês (e se o zazen não for uma experiência pessoal, não sei o que seja), a partir da sua experiência do vivido, não tenham medo do dragão, não tenham medo da verdadeira prática do zazen. Não tenham medo de se confrontarem com vocês mesmos, sem se mexerem. Não durmam durante o zazen. Não fujam do zazen pelos seus pensamentos. Nem por seus não-pensamentos. Pois é este o verdadeiro dragão, e esse dragão pode também amedrontar.
09 fevereiro 2012
08 fevereiro 2012
Fukanzazengi - 51º Comentário de Coupey
Sinceros praticantes Zen, não fiquem nem um pouco surpresos por um dragão de verdade, ou gastem muito tempo inutilmente apalpando apenas uma pequena parte do elefante.
Não gastem muito tempo inutilmente apalpando apenas uma pequena parte do elefante. Mestre Dogen faz aqui uma alusão a uma história contada no Sutra do Nirvana sobre as diferentes formas do elefante.
Um rei traz um elefante para junto de um grupo de cegos e deixa que o apalpem. Pede, em seguida, que descrevam o que acreditaram sentir. As respostas obtidas são muito variadas. Um pensa que sua tromba era um cano para água. Outro, que sua orelha era um grande leque; um outro, que sua perna era um pilar; um outro, que seu dorso era um trono etc. Cada um percebeu apenas a parte que havia tocado. E essas respostas, todas bastante diferentes, são, ao cabo, sinal de uma experiência pessoal bem limitada, ou simplesmente comum. Não é o olho do Caminho que enxergou, mas a palma da mão que interpretou. E com a palma não se alcança a totalidade do elefante.
Essa história representa a mente comum e não a mente do olho mais elevado, o olho de buda - e a diferença é grande entre o olho de Buda e o olho da mente comum. Dizemos sempre que não há diferença, mas não nos esqueçamos da diferença, e assim poderemos deixar cair o olho comum e enxergarmos através do olho do despertar.
Assim, Dogen falando a seus discípulos lhes diz: "Não fiquem nem um pouco surpresos por um dragão de verdade, ou gastem muito tempo inutilmente apalpando apenas uma pequena parte do elefante". Não temamos o dragão exterior, nem os demônios interiores. Se voltarmos nossos olhares para nós mesmos e olharmos lá onde nosso coração encontra-se na sombra (como o elefante no escuro), podemos iluminar nossa escuridão pessoal. Cada um de nós tem pontos de sombra. A maior parte das pessoas os evita. Mas nosso trabalho nessa prática não é evitá-los, tampouco analisá-los - não estamos no médico, estamos onde é preciso ter coragem de caminhar. Para cortar com nosso passado, com nosso futuro. Então não passaremos o resto de nossas vidas sem jamais esclarecer nossas mentes e, desse modo, todas as mentes.
Muitas vezes me coloquei essa questão: como enxergar os pontos de sombra no interior de nossos corações? Eu me impus essa coisa, esse "trabalho", observando-me diretamente. E acabei por me dizer que isso era impossível ou, pelo menos, muito difícil. Ao tentar verdadeiramente enxergar meus cantos negros, escuros, compreendi que isso queria simplesmente dizer tornar-me íntimo comigo mesmo. É pela intimidade com nós mesmos que é zazen, que podemos encontrar o verdadeiro eu, que não é nosso pequeno ego, aquele que exclui o outro, mas aquele eu que tudo abarca. Não tenhamos medo de olhar sob uma ótica mais elevada, a partir de uma visão mais ampla, cada coisa que encontrarmos, cada pessoa com a qual nos relacionarmos e também com cada objeto senciente ou não senciente.
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