Nossos corpos são como o orvalho nas relvas, e nossas vidas como o lampejo do raio, que num só momento se vai embora.
Forma e substância é o corpo, o corpo humano, vosso corpo. O destino, o destino daquele que nasceu e vai morrer.
"Não tenho tempo agora de praticar o Caminho, tenho que ganhar a vida, tem minha mulher, meus filhos, minha casa..." E depois? Depois? Os dias, os meses, os anos se escoam e nossa vida se acaba. Talvez, ao fim da vida, tenhamos conseguido aquilo que queríamos: dinheiro, posição, títulos, família, casa... Mas foi por isso que nascemos? Simplesmente por isso? Simplesmente para nos alimentarmos, dar uma boa impressão aos outros, de nossa posição, de nossos títulos, de nosso dinheiro, de nossa bela esposa, de nossos belos filhos? É tudo? É por isso que nos nutrimos?
Seguramente a grande maioria dos seres humanos quer isso. A mente comum quer isso. Mas, ao fim das contas, ninguém é profundamente comum e permanecer ou tornar-se comum não é desculpa. Nós não podemos dizer que não somos bastante inteligentes, que não temos uma posição tão elevada para poder praticar. A prática, a compreensão do Caminho, o satori, nada têm a ver com a posição de cada um, sua posição na sociedade, seus títulos, sua conta bancária. A prática do caminho é uma questão do coração. É uma prática do coração. É, para começar, libertar nossos corações das amarras impostas por nossa mente, nosso cérebro ignorante.
Mas não levamos isso a sério. Seguramente entendemos, mas agora é tarde demais, vamos morrer. Acabou e morremos com o coração ainda nas sombras, pois não aprendemos pela prática como retirar essa sombra, essa obscuridade. Não aprendemos. Não compreendemos como observar nossos pontos de sombra e, desse modo, durante toda uma vida até o túmulo, o coração permance aprisionado por ideias e conceitos equivocados.
Mujô. Impermanência. Tudo é mujô. Cada vez que um mestre ordena um monge, uma monja, um boddhisattva, ele lê a "Ação de graças". Esse texto evoca aquele que procura se dar um nome, construir belas coisas, "edificar um pagode aos sete tesouros mais alto que os trinta e três paraísos". Apesar disso, isso não é importante. Não se trata de construir (juntar nomes, títulos, dinheiro, uma mulher, duas mulheres, três mulheres, casas, automóveis...), mas de demolir. De retirar.
Frequentemente no han (a madeira pendurada à entrada dos dojos que batemos ao fim do zazen) está inscrita uma frase retirada do Sutra do Nirvana: "Se aqui e agora não resolvemos o problema da vida e da morte, quando poderemos fazê-lo?" É interessante que seja justamente esta frase que esteja escrita, pois quando escutamos a madeira sabemos que o zazen está quase acabado... Certamente foi por isso que o Mestre Deshimaru disse um dia, "Quando ouvimos soar essa madeira, devemos temer o tempo que passa". Nesse instante devemos esquecer tudo. Abandonar tudo. Pois depois será tarde demais. Pode parecer austero demais, mas não é. É apenas que, para aquele que anda no Caminho, doshin (a mente do Caminho) é primordial e todo o resto secundário. Entretanto, abandonar não quer dizer abandonar nosso trabalho, abandonar nossa esposa, nossa família, nossos filhos. Nada disso. Isso quer mais dizer algo claro, leve, sem peso e sem entraves, isto é, não ficar preso na aparência das coisas. E também nos interrogarmos sobre a correção de nossa própria prática.
Agora, quando estiverem sentados em zazen, escutem bem esse "toc". Ele lhes fala, ele nos fala mas a amior parte das pessoas não o escutam, enquanto o kyosakuman golpeia a madeira, eles pensam em outra coisa... "Toc, toc, toc..." E aquilo se acelera, "Toc, toc, toc, toc..." Como sua vida, como nossa vida.
Nenhum comentário:
Postar um comentário