27 novembro 2011
Fukanzazengi - 46º Comentário de Coupey
Ainda que digam que há tantas almas quanto homens, todos negociam o Caminho da mesma maneira, praticando zazen.
Esta é a tradução do Mestre Deshimaru. [A que usamos diz, "Devemos pois, nos devotar completa e exclusivamente, isto é, estarmos completamente absortos na prática do zazen"]. Eis a do Mestre Gudô Nishijima: "Ainda que hajam miríades de distinções e milhões de diferenças, devemos simplesmente praticar zazen e buscar a verdade". Vejam uma outra forma de dizer a mesma coisa, "Vocês podem ouvir falar das dez mil distinções ou das mil diferenças, mas o que quer que ouçam, pratiquem zazen simples e honestamente e persigam a verdade". Eu gosto muito da simplicidade dessa frase. Não se trata de filosofia. Mestre Dogen nos pede simplesmente que pratiquemos o zazen, sejamos monge (monja), leigo, deus ou demônio.
Porque zazen? Todo o Fukanzazengi explica. Porque individualmente, praticar o zazen faz examente decrescer e mudar nosso karma, inconsciente e automaticamente. Mas também para a civilização, para a sociedade, para o povo - eu penso que o Mestre Dogen sempre teve isso em mente. Pois o zazen cria uma revolução interior que assenta as bases de uma autêntica civilização.
No Shobogenzo, o Mestre Dogen dá boas razões de praticar zazen. Razões muito profundas, às vezes intelectuais, às vezes não. Mas aqui, é muito mais simples...
"O pássaro selvagem canta insconscientemente.
A flor inconsciente desabrocha.
Sobre o rochedo coberto de musgo,
Um homem continua em zazen".
21 novembro 2011
Fukanzazengi - 45º comentário de Coupey
Os Budas e patriarcas, tanto neste país, quanto na Índia e na China, todos preservaram cuidadosamente a mente de Buda e incentivaram assiduamente o treinamento Zen. Devemos pois, nos devotar completa e exclusivamente, isto é, estarmos completamente absortos na prática do zazen.
O Fukanzazengi está verdadeiramente escrito para o mundo inteiro e não dirigido para um mundo de clérigos ou monástico. Aqui neste parágrafo, quase o último, Mestre Dogen apresenta ao povo japonês e a todos os povos do mundo, e de todos os tempos, o zen soto que ele recebeu de seu mestre Nyojô na China.
Por exemplo, ele fala nessa passagem que "devemos nos devotar completa e exclusivamente...na prática do zazen". Ele não fala do fato de ter ou não alguém sido ordenado. Ele também não compara o zazen com a meditação de Buda sob a árvore de Boddhi. Ele evoca simplesmente o zazen para todo o mundo, para aqueles, diz ele, que querem estar "completamente absortos na prática do zazen". É shikantaza.
Shi quer dizer "estado de concentração"; kan, "estado de observação"; e taza, "sentar correto, justo". Shikan siginifica, pois, "concentração, observação". Mas não concentração e observação simultâneas. Frequentemente eu ressalto que os mestres zen falam da simultaneidade. Entretanto, não penso que esse seja o caso. Quando vocês estão em concentração, vocês não estão em observação, e vice-versa. Às vezes estamos concentrados em nossa postura, às vezes observamos apenas os pensamentos que nascem e morrem como ondas, sem querer suprimi-los (pois isso é impossível, como tampouco é possível parar uma onda).
Eis o que o Mestre Nyojô disse um dia a seu discípulo Dogen: "Praticar zazen com um mestre é abandonar o corpo e a mente. É shikantaza, sem queimar incenso, sem veneração, sem recitar o nome de Amitaba, sem ler sutras".
E eis um poema do Eheikoroku:
"Reunidos para o zazen da noite, vemos a manhã chegar.
É a melhor parte enão temos vontade de dormir.
Assim podemos compreender o verdadeiro bendô, a verdadeira prática do Caminho.
Keisei, a voz do vale, chega aos meus ouvidos, a luz da lua vem aos meus olhos.
Também, a propósito do zazen, nada há a que devamos dirigir nossa atenção".
16 novembro 2011
Por que razão é este filho de Buda chamado Bodhisattva Contemplador dos Sons do Mundo
Nessa altura, o Bodhisattva Intenção Inesgotável
Tu que possuis o olhar verdadeiro,
colocou a questão em verso:
Honrado Pelo Mundo,
dotado de maravilhosas características,
pergunto-te agora uma outra vez,
por que razão é este filho de Buda chamado
Bodhisattva Contemplador dos Sons do Mundo?
dotado de maravilhosas características,
pergunto-te agora uma outra vez,
por que razão é este filho de Buda chamado
Bodhisattva Contemplador dos Sons do Mundo?
O Honrado Pelo Mundo, dotado de maravilhosas características, respondeu também em verso ao Bodhisattva Intenção Inesgotável:
Escuta as ações do Contemplador dos Sons do Mundo,
quão prontamente ele responde nas várias direções.
O seu juramento é vasto como o oceano;
passam os kalpas mas ele
permanece além da compreensão.
Ele serviu muitos milhares de milhões de Budas,
afirmando o seu grande e puro voto.
Eu descrevê-lo-ei resumidamente para ti -
ouve o seu nome, observa o seu corpo,
conserva-o em mente,
não deixando passar o tempo em vão,
pois ele pode varrer as penas da existência.
Supõe que alguém concebe o desejo de te magoar
e te empurra para um grande poço de chamas.
Pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e o poço de chamas transformar-se-á num lago!
Se fores arrastado à deriva no vasto oceano,
ameaçado por dragões, peixes e vários demônios,
pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo,
e as ondas não te poderão afogar!
Supõe que estás no pico do Monte Sumeru
e alguém te empurra.
Pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e ficarás suspenso no ar como o sol!
Supõe que és perseguido por homens mal intencionados,
que te querem atirar desde uma montanha de diamante.
Pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e não poderão sequer destruir um dos teus cabelos!
Supõe que estás rodeado de bandidos impiedosos,
cada um brandindo uma faca para te ferir.
Pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e de imediato serão tomados de compaixão!
Supõe que tens problemas com as leis de um reino,
enfrentas uma punição e estás prestes a perder a vida.
Pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e a espada do executor quebrar-se-á em pedaços!
Supõe que estás preso com cangas e correntes,
os pés e as mãos presos com grilhões e algemas.
Pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e essas cadeias cairão, deixando-te livre!
Supõe que com pragas e ervas venenosas
alguém tenta fazer-te mal.
Pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e o mal recairá sobre o seu causador.
Supõe que encontras rakshasas malignas,
dragões venenosos e vários demônios.
Pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e nenhum se atreverá a fazer-te mal!
Se fores cercado por feras,
com as suas assustadoras presas e garras,
pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e elas fugirão a correr amedrontadas.
Se fores ameaçado por lagartos,
cobras, víboras, escorpiões,
com o seu veneno que queima como fogo,
pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e elas ao ouvirem a tua voz desaparecerão por si mesmas.
Se as nuvens trouxerem tempestade
e caírem relâmpagos, granizo e chuvas copiosas,
pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e nesse momento as nuvens dissipar-se-ão
Se os seres viventes ficarem fatigados ou em perigo,
abatidos por imensuráveis sofrimentos,
o poder do Contemplador dos Sons do Mundo
pode salva-los dos sofrimentos do mundo.
Ele é dotado de poderes transcendentais
e pratica largamente os meios expeditos da sabedoria.
Através das terras nas dez direções,
não existe região onde ele não se manifeste.
Em muitos tipos diferentes de circunstâncias adversas,
nos reinos do inferno, dos espíritos esfomeados ou das bestas,
os sofrimentos do nascimento, da velhice e da morte -
todos estes ele limpa pouco a pouco.
[Então, Intenção Inesgotável, com o coração repleto de alegria, entoou estes versos:]
Tu que possuis o olhar verdadeiro,
o olhar puro,
o olhar da grande e abrangente sabedoria,
o olhar da piedade,
o olhar da compaixão -
constantemente te imploramos e olhamos com reverência.
A sua pura luz, livre de impureza,
é um sol de sabedoria que dissipa todas as trevas.
Ele pode extinguir o vento e o fogo da desgraça
e trazer em toda a parte luz ao mundo.
Os preceitos do seu corpo compassivo
abalam-nos como a tempestade,
a maravilha da sua mente piedosa
é como uma grande nuvem.
Ela faz chover o doce orvalho,
a chuva do Dharma,
para apagar as chamas dos desejos mundanos.
Quando estiveres preso ou aterrorizado no meio de um exército,
pensa no poder do Contemplador dos Sons do Mundo
e o ódio em todas as suas formas será dissipado.
O Contemplador dos Sons do Mundo tem um som maravilhoso,
um som puro,
como o som de Brahma ou o som da vaga do oceano,
superior aos sons do mundo;
daí que se deva pensar nele constantemente,
sem nunca dar lugar à duvida!
Contemplador dos Sons do Mundo,
sábio puro,
para os que sofrem, em perigo de morte,
ele pode oferecer ajuda e conforto.
Dotado de todos os benefícios,
ele vê os seres viventes com olhos compassivos.
O oceano de bênçãos por ele acumulado é imensurável;
por isso se deve inclinar a cabeça perante ele!
Nessa altura o Bodhisattva Suporte da Terra (Dharanindhara) levantou-se de imediato do seu lugar, avançou e disse ao Buda, “Honrado Pelo Mundo, se existirem seres viventes que ouçam este capítulo sobre o Bodhisattva Comtemplador dos Sons do Mundo, sobre a liberdade das suas acções, sobre a sua manifestação de uma Passagem Universal e sobre os seus poderes transcendentais, deve saber-se que os benefícios ganhos por essas pessoas não serão poucos!”
Quando o Buda pregou este capítulo sobre a Passagem Universal, uma multidão de oitenta e quatro mil pessoas na assembleia conceberam a determinação de atingir o estado incomparável de anuttara-samyak-sambodhi.
14 novembro 2011
Fukanzazengi - 44º comentário de Coupey
Praticar o caminho de todo coracão é, isto mesmo, a iluminação em si. Não existe separação entre a prática e a iluminação, ou entre o zazen e a vida quotidiana.
Todos devemos praticar com uma única mente. Assim, quando nos concentramos na prática, na postura, na respiração, na mente, isso é o Caminho. Mestre Dogen, como o Mestre Deshimaru, afirmava que isso é o satori. Não temos que ir buscar em outro lugar o despertar, senão aqui e agora. Pois não há qualquer dualidade entre zazen e satori, mas unidade. A prática é satori. Não há que se esperar o que quer que seja: já está feito.
Ainda que não haja diferença alguma entre aquele que inicia a prática e aquele que pratica há muitos anos, para esse último não existe nem mesmo separação entre a prática do zazen e a vida quotidiana. Prática e iluminação nos acompanham por toda a parte. No dojo e fora dele. Onde quer que estejamos. E progredir torna-se então uma questão de quotidianidade, não uma questão de inteligência ou estupidez. Quotidianidade aqui significa a "natureza imediata e a verdade fundamental de nossa vida de todos os dias". É genjô, ou koan da vida quotidiana, como comer, como falar, como sentar-se, como ir ao banheiro, como dormir. Nesse lugar encontra-se o despertar, a grande liberdade. E nesse lugar, não se requer inteligência alguma.
08 novembro 2011
Oceano
Buda disse:
"Os elementos se juntam e formam este corpo. Na hora da aparição, os elementos aparecem. Na hora da desaparição, os elementos desaparecem. Quando os elementos aparecem, eu não digo "eu" apareço. Quando os elementos desaparecem, eu não digo "eu" desapareço. Os momentos passados e os momentos futuros não surgem sequenciadamente. Os elementos passados e os elementos futuros não surgem alinhados. Esse é o significado do samadhi do mudra do oceano".
Cuidadosamente investigue essas palavras do Buda."
(Dogen, Samadhi do mudra do oceano. Shobogenzo)
Fukanzazengi - 43º Comentário de Coupey
Portanto, não se deve discriminar entre o inteligente e o não-inteligente.
Ser ou não inteligente, nada conta no Caminho. O significado profundo do zazen não pode ser apreendido pelo mental. Ele está além dos sentidos, além do pensamento. Todos podem praticar, mesmo um tolo. Frequentemente ouvimos as pessoas dizerem, "Ah, eu ainda não estou pronto..." Isto é um absurdo. Todo mundo está pronto. Desde o momento em que temos duas pernas e as possamos cruzar, alías não temos nem mesmo necessidade das duas pernas. Precisamos de um corpo, mas é tudo. Afinal a verdade mais elevada existe em nosso corpo, isto é, aqui e agora. Portanto não sigam o mental, sigam o corpo, seus corpos.
Na época de Buda, media-se a inteligência em função da capacidade que se tinha ou não de se lembrar das coisas e sobretudo, seguramente, das palavras de Buda, como hoje temos os sutras.
Culanpataka, um discípulo de Buda, era considerado um estúpido completo pois não conseguia se lembrar de nada, algo como nós hoje em dia... Então, um dia, Buda lhe colocou uma vassoura nas mãos e lhe disse, "Faça isto. Apenas isto!" E foi por aquela única ação de varrer que Culapantaka tornou-se um arhat.
Para praticar o caminho é preciso simplesmente se investir totalmente com o corpo no momento presente. Nossa prática, shikantaza, não tem nada a ver com a inteligência, pois ela não tem finalidade. Portanto, não há necessidade de aprendermos uma técnica, não há necessidade de possuirmos um saber ou competências especiais. Não há necessidade de habilidade, de memória, de atitudes, de talento, de especialização, de qualificação, de graus, de shihô, não há mesmo necessidade de ordenação, não há necessidade de rakusu. Apenas um bom zafu e coragem. Muita coragem.
Não é preciso ser inteligente para se ter coragem. A coragem, por exemplo, de virmos ao dojo regularmente, ainda que ninguém ou nada nos encorajem a isso. A coragem de virmos, mesmo e sobretudo, quando estamos em dificuldade, e quase sempre estamos. O Mestre Deshimaru nos encorajava às vezes dizendo, "Se vocês praticarem zazen, vocês se tornarão grandes líderes". Eu não diria isso. Eu falaria mais do esforço, do esforço na boa direção, esforço correto, nas palavras do Buda.
Seguramente na vida social, é muito importante ser inteligente se queremos tornar-nos, por exemplo, chefe de Estado ou general. Mas no mundo de hishiryo, pouco importa a inteligência, estamos além do pensamento. Kodo Sawaki disse um dia algo como, "É preferível ser tolo do que inteligente, pois o inteligente nada mais é que um tolo que se ignora". O tolo também pode fazer zazen sem duvidar. Isso é importante no zen soto, diferentemente do rinzai, onde a dúvida é acentuada. A dúvida até a explosão... Entre nós, a prática começa ali onde não duvidamos mais, não duvidamos do zazen. Não procuramos atingir o cume da montanha como no rinzai. E, quando nos observamos e nos esquecemos de nós mesmos, todas as dúvidas se vão. Fazer zazen sem duvidar permite que entremos rapidamente no Caminho. Enquanto que o inteligente, aquele que coloca em questão o que se faz no dojo ou fora do dojo, aquele que pesa o bem e o mal, avança muito lentamente. Frequentemente, além disso, ele avança até um nível e depois começa a recuar. Pensamentos demais.
O homem que desenvolve seu cérebro frontal está sempre construindo, mas o budismo não é uma construção. Quando em nossa mente construímos, fabricamos, edificamos, a verdade desaparece. O budismo é o contrário, tudo o que produzimos em nossa mente deve ser destruído, bonno, ilusão. E isso é possível em zazen, pela respiração, pelo sopro que expulsa tudo. E não é preciso nunca nos desencorajarmos pelo fato de que tão logo tudo é expulso, tudo retorna: é a condição humana.
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