30 agosto 2008

Hokyo Zanmai - 14º Comentário de Deshimaru


[como] o vajra de cinco pontas.
No Hokyo Zanmai encontram-se cinco metáforas: o espelho precioso, o bebê, o Ying-Yang, a planta de cinco sabores e, agora, o vajra. O que significam?
A metáfora do espelho precioso remete à sabedoria da consciência Alaya, refletindo os fenômenos do cosmo tão claramente quanto um grande espelho circular (na China antiga os espelhos eram feitos de prata polida).
A do bebê evoca a sabedoria que observa a igualdade de todas as coisas depois de haver negado todas as diferenças entre os elementos.
A metáfora do Ying-Yang diz respeito à sabedoria que reconhece as faculdades de todos os seres vivos, a fim de estabelecer o dharma ao aportar uma solução para as dúvidas dos homens.
A metáfora da planta de cinco sabores corresponde à sabedoria que desenvolve faculdades elaboradas, a fim de fazer o bem a todos os seres.
Por fim, o vajra realiza a síntese da quatro sabedorias precedentes. Em tempos antigos, era uma arma de cerca de vinte centímetros de comprimento. As extremidades representavam os cinco dedos. Pode ser vista na mão esquerda de algumas estátuas de Buda, particularmente entre os tibetanos. Esse cetro de diamante simboliza a condição desperta (Bodhi) que corta todas as ilusões (bonnos). A sabedoria profunda (Maka Hannya) é, pois, representada por um objeto que tem cinco dedos nas suas duas extremidades. A mão, que participa ativamente da vida quotidiana, pode tornar-se sinal de iluninação, manifestação de energia, símbolo de sabedoria.

23 agosto 2008

Hokyo Zanmai - 13º Comentário de Deshimaru

Como o gosto da planta de cinco sabores

Este verso é muito curto. Ele diz respeito à sabedoria que permite desenvolver faculdades elaboradas para benefício de si-mesmo e de outros. Esta planta, Tisso em japonês, possui os cinco sabores: doce, salgado, apimentado, ácido, amargo. A polpa e a casca têm um gosto agridoce, as sementes e os caroços são amargos, e o conjunto tem um sabor ligeiramente salgado. Esta planta é igualmente composta de cinco cores: o caule é vermelho, a flor é amarelo e branca, os frutos no começo são verdes, e vermelhos e roxos quando maduros.
Mas, em definitivo, o gosto dessa planta é único e quase inexistente. Na cozinha zen, no Japão, a comida tem um gosto simples e leve. Diferentes sabores se combinam para formar uma ausência de sabores, que é o "gosto do Zen". A planta Tisso não tem sabor, possuindo os cinco sabores, enquanto que a água, igualmente sem sabor, não tem gosto algum. Da mesma forma, o Buda e o bebê são Hishiryo, mas apenas o Buda possui as cinco sabedorias.

10 agosto 2008

Hokyo Zanmai - 12º Comentário de Deshimaru


SHURI - Hexagrama do fogo
Ao duplicar o trigrama do fogo,
as linhas exteriores e interiores interagem.
Empilhadas, tornam-se três,
permutadas, tornam-se cinco.

Mestre Sozan emprega aqui uma metáfora baseada no sistema de adivinhação do I Ching.
No método de adivinhação bastante antigo do I Ching, usam-se cinqüenta varetas de milefólio cuja manipulação, segundo regras muito simples, produz uma série numérica que, por sua vez, dá origem a um hexagrama.
Cada hexagrama – há sessenta e quatro no total – combina traços , Yang ― ou Yin – –, e consiste na superposição de dois dos oito trigramas básicos.
Quando se joga o I Ching, as seis linhas que se obtêm interagem: há uma interdependência total entre o oráculo, o julgamento do hexagrama e a situação do consulente que manipulou as varetas, naturalmente, automaticamente, inconscientemente. O oráculo age como um espelho, ele manifesta a situação aqui e agora do consulente, no cosmo. E, assim fazendo, ele influencia a consciência e a interação.
Não obstante, o motivo do estabelecimento de três resulta em cinco. Com efeito, uma das regras muito simples que regem o I Ching diz respeito ao número de varetas que sobram depois da manipulação. Ora, se sobram cinco varetas, contam-se quatro e a quatro é atribuído o valor numérico três.
O hexagrama do fogo representa o quinto Go I, ou seja a interpenetração da essência e dos fenômenos, do vazio e da forma, de Buda e das existências etc. E a causa do estabelecimento das três bases do Go I (os dois termos da relação que os une) se transforma ela própria e resulta nos cinco princípios.
Se o ser se harmoniza com o cosmo, a consciência pessoal torna-se consciência cósmica. E o cérebro, que influencia o futuro para a eternidade, torna-se natureza de Deus ou de Buda. O cérebro, em zazen, torna-se calmo e disponível para receber a sabedoria verdadeira e profunda. Dogen nos diz no Fukanzazenji: “Pensar sem pensar...” Como se pensa sem pensar? Não-pensamento (Hishiryo). Isto em si é a arte essencial do zazen. Hishiryo é o pensamento do hipotálamo e do corpo, e não do cérebro frontal.
Hishiryo é sem nuvem e sem escuridão.
As zonas frontais do cérebro e o córtex, que correspondem às faculdades mentais e à atividade intelectual, entram em repouso, enquanto as camadas profundas do cérebro, ou o “cérebro primitivo”, e o tálamo-hipotálamo, sede da intuição, despertam-se e entram em atividade.

05 agosto 2008

Hokyo Zanmai - 11º Comentário de Deshimaru (final)

Buda não parte em direção aos fenômenos, Buda não permanece, Buda não se apega, as ações de Buda são estáveis, elas não engendram movimentos. Buda proferia seus sermões a inumeráveis pessoas, mas, na realidade, não eram sermões, mas palavras livres. As palavras do Buda são muito profundas, e sem noção alguma de categorias, palavras ilimitadas, e esta profundeza é o infinito do cosmo. Da mesma forma, os bebês não têm medo de nada, eles são livres, livres de falar. Como o Buda. Mas as palavras das crianças são gugu... dadá...
Nossa consciência deve se equilibrar entre o córtex, o cérebro profundo e o tálamo.
Em zazen, o cérebro frontal e o córtex entram em repouso, enquanto as camadas profundas, ou cérebro primitivo, e o tálamo estão ativos. O tálamo é influenciado pelos impulsos recebidos do sistema nervoso autônomo. Este sistema recebe informações procedentes dos músculos e dos cinco órgãos dos sentidos. Os músculos, em zazen, estão em estado de tônus forte, correto, exato, e exercem uma influência sobre os nervos.
Os cinco sentidos se acalmam. O cérebro chamado intelectual, sempre ativo na vida quotidiana, conhece um tempo de repouso. No mesmo momento, a casca primitiva e o tálamo entram numa forte atividade. Essas regiões do cérebro podem ser vistas, à luz da filosofia budista tradicional, como o armazém de sementes de memória. Quando pensamos em qualquer coisa, uma conexão neuronal se cria, gerando uma “ação” que se torna uma “semente” de memória no tálamo. Durante o zazen, o cérebro frontal estando em repouso, as sementes armazenadas no tálamo vêm à superfície. Podemos compreender, pelos mecanismos dos sonhos durante o sono, essas elevações das sementes armazenadas. Mas, em zazen, o cérebro não dorme, ele está engajado numa atividade exata e intensa quando nossa postura está correta. No começo do zazen, o cérebro pré-frontal e frontal entra numa fase de repouso. A consciência pessoal se esvanece e, a partir do cérebro primitivo, as lembranças antigas escondidas e armazenadas se elevam. Estas “elevações” param e depois se retomam... É o estado de Hishiryo. O cérebro está em unidade com o sistema cósmico.
..wawa... muku muku..., estas palavras correspondem ao que os bebês japoneses fazem. Mas eles não podem indicar seu objeto porque sua linguagem não apenas é sem precisão, mas também sem adorno, sem complicação. Depois, eles desejam falar e usam uma linguagem direta, não racional, não ordenada, e, às vezes, esta linguagem vai direto à fonte. É idêntico ao Zen, direto, simples e sem complicação. O Zen vai diretamente à realidade. Devemos apontar diretamente na na natureza de Buda, sem desvio, ir além do mundo da linguagem e do pensamento, além do mundo dos sentidos, estar em fusão com o sistema cósmico: é a consciência cósmica.
O Mestre pergunta ao discípulo:
- O que fazes?
O discípulo responde:
- Não faço nada.
O Mestre:
- Tu fazes o zazen mushotoku.
O discípulo, então, lhe responde:
- Se eu tivesse respondido zazen, isto quereria dizer que eu fazia zazen.
O Mestre lhe replica:
- Tu fazes alguma coisa, porque esse “não fazer nada?”
O discípulo então lhe diz:
- Mesmo dez mil Budas não poderiam compreender...
O quê significa este mondo?
Mesmo se respondermos com a linguagem, ao final, esta linguagem não é exata. Não se pode atingir o fundo da questão. Falar do fogo não faz com se sinta o calor. Falar do frio não nos refrescará.
Ainda que nossas palavras estejam corretas, o que quer que se possa dizer, isto não pode ser explicado pela linguagem. Às vezes o silêncio é mais forte que a eloqüência. Os bebês não podem falar. O Buda pode falar, ele explicou numerosos sutras e proferiu numerosos sermões, mas ele disse finalmente: “Eu não posso explicar tudo, acabei de falar, mas meus sermões não estão terminados, eles não são a verdade total”.
O Zen é plantar uma flor sobre a pedra...
É a mais elevada, a maior das sabedorias.