29 março 2007

Sandokai - 15º Comentário de Suzuki

Os quatro elementos retornam à sua fonte
Assim como uma criança retorna à sua mãe.
O fogo esquenta, o vento se move,
A água é úmida, a terra é dura.

De acordo com o pensamento budista, os quatro elementos são fogo, vento, água e terra. Embora não seja uma descrição perfeita, dizemos que cada um desses quatro elementos tem sua natureza própria. A natureza do fogo é purificar. O vento faz com que as coisas amadureçam. Não sei por que, mas a natureza vento estimula as coisas a se tornarem mais maduras. O vento tem uma atividade mais orgânica, enquanto a atividade do fogo é mais química. A natureza da água é conter coisas. Onde quer que você vá, há água; a água contém tudo. Isto é o contrário da maneira habitual de pensar sobre a água. Ao invés de dizer que há água no tronco da árvore, dizemos que a água contém o tronco das árvores, como também as folhas e os galhos. Assim, água é algo que é tão vasto que tudo, incluindo nós mesmos, existe. A solidez é a natureza da terra. "Terra" aqui não quer dizer propriamente terra, mas a natureza sólida das coisas.

De acordo com o Budismo, quando você examina uma coisa até a menor unidade imaginável, a menor unidade imaginável é chamada gokumi. Embora às vezes seja chamada de "átomo", na realidade não é o átomo porque o átomo não é a unidade final. Não conheço os termos adequados, mas de acordo com minha compreensão da física moderna, a unidade menor, final não tem peso ou tamanho. É apenas energia elétrica.

É bastante estranho, mas o Budismo tem uma idéia semelhante. Embora gokumi contenha os quatro elementos - fogo, vento, água e terra - não é algo sólido. Quando você chega a este ponto, vemos que a natureza é apenas vacuidade. Os quatro elementos não são apenas matéria. Eles são energia ou potencial ou prontidão. Isto é gokumi. A estes quatro elementos adicionamos a qualidade da vacuidade. Assim, fogo, vento, água e terra são todos vazios. Ainda que sejam vazios, desta vacuidade esses quatro elementos passam a existir. E tão logo esses quanto elementos passam a existir, exatamente aqui está a unidade final gokumi. Esta é a compreensão budista do ser. Parece que estejamos falando apenas sobre matéria, mas esses elementos não apenas matéria. Eles são tanto matéria quanto espírito. A mente que pensa está incluída. Do mesmo modo, a vacuidade inclui tanto a matéria quanto o espírito, tanto a mente quanto o objeto, tanto mundo subjetivo quanto o mundo subjetivo. A vacuidade é o ser final que nossa mente pensante não pode alcançar.

Cada um desses quatro elementos, assim, resume sua própria natureza, isto é, dirige-se à vacuidade. "Como uma criança retorna à sua mãe". Sem mãe não há criança. Se a criança está aqui significa que a mãe está aqui. Se a vacuidade está aqui significa que os quatro elementos estão aqui. E ainda que os quatros elementos estejam aqui, não há nada senão uma formação momentânea da vacuidade final.

09 março 2007

Intervalo com Mestre Dogen

“Estudar o caminho de Buda, é estudar a si mesmo. Estudar a si mesmo é esquecer-se de si mesmo. Esquecer-se de si mesmo, é ser despertado por todas as existências. Ser despertado por todas as existências é despojar-se de seu próprio corpo e de seu próprio espírito, bem como do corpo e do espírito do outro. Nenhum traço de realização permanece, e este não traço continua incessantemente”.

07 março 2007

Sandokai - 13º Comentário de Deshimaru

Dentro da luz, há escuridão,
Mas não tente entender esta escuridão.
Dentro da escuridão, há luz,
Mas não procure por esta luz.


O corpo e o espírito constituem uma unidade. A saúde do corpo depende de nossa felicidade. Um espírito inquieto, e o corpo será frágil, sem atividade. Tristes, nós choramos, mas a tristeza não é forma. Ela se exterioriza sob a forma de lágrimas. A tristeza torna-se lágrimas, o corpo se coloca em uníssono com o espírito. As combinações do espírito se manifestam na mão, no corpo, enquanto que, inversamente, as atitudes do corpo se projetam no espírito.

Um espírito chora e o universo chora...

Todas as existências do cosmo nada mais são do que um único e mesmo corpo. Compreender, dar-se conta de que o corpo é o todo, que a fonte do espírito é una, é o verdadeiro satori, o despertar mais elevado. O próprio universo se transforma no "Rei do Samâdhi", nirvana, espírito do Buda. É assim: no Zen, nosso espírito, nosso corpo, todos os elementos, todas as existências e todas as ilusões resumem-se em ku. E, na realidade, não há nem ilusões nem desilusões, nem correto nem falso, nem escuridão nem luz.... A luz total é toda a escuridão, e toda escuridão torna-se luz.

O escuro que abrange a luz não é tão escuro, pois tudo é luz, tudo é natureza de Buda, tudo é consciência cósmica. Uma vez que o ego é negado, abandonado, o verdadeiro ego aparece. Este verdadeiro ego se realiza no indivíduo. A individualização real só pode se dar no abandono do ego.

A individualização é San, o abandono Do.
Além dos dois: Kai.
Além de Do: Kai.
Além de Ku: Kai.
Além das shiki: Kai.
Além de San Do: Kai.
Além do abandono do ego: Kai.

Na luz não podemos ver a escuridão... e na escuridão não podemos ver a luz. Não podemos ver o lado luminoso porque tudo é sombrio, e vice-versa.

A fonte do espírito é clara, mas, na escuridão, tudo é sombrio, ela também parece escura. Esta fonte não está oculta, nós apenas a consideramos escura. Assim podemos dizer que na escuridão existe a luz.

A luz é o mundo das diferenças, na escuridão reina a identidade. O claro torna-se escuro e o escuro torna-se claro. A natureza Buda torna-se existência humana e, assim, as existências humanas têm a natureza Buda, natureza original. Mas as existências humanas não realizam a Existência Humana... Este é um grande koan!

Nenhuma diferença, apesar disso, entre os seres humanos e Buda... Uma história:

Mestre Reyu gostava de dizer: "Quando educava Daian com a idade de vinte anos, esta educação era de uma jovem vaca. Ela comia tudo... Todas as ervas do campo. Ela não se incomodava em invadir o terreno vizinho. Ela ia por toda a parte onde queria, seguindo seu próprio caminho, e não havia jeito de me seguir. Era realmente difícil educá-la, no entanto eu desejava transformá-la. Foi nesse período difícil que nos tornamos íntimos. Minha vaca foi ficando muito bonita e, às vezes, eu aplicava-lhe uns golpes de bastão. Mesmo quando eu a golpeava, ela não tinha o menor medo, nem o menor rancor".

Num primeiro momento, um treinamento duro e severo é necessário. Tal é a prática do zazen. Receber o kyosaku, concentrar-se no comportamento na vida quotidiana... e isto até a morte. Mas o tempo passa e a vaca começa a compreender o espírito de seu Mestre. As dúvidas desaparecem, ela fica sem ansiedade, e, neste momento preciso, começa um segundo estágio. Sem dúvida nem ansiedade. O Mestre e a vaca nada mais são do que um único corpo. Um gesto dos dedos ou da mão e a vaca logo entende. A educação torna-se fácil.

Durante o período da educação, o discípulo deve se conformar exatamente com as instruções do Mestre, ajustar seu comportamento ao dele. Este período termina após o shiho. O comportamento pode, então, ser de uma forma diferente que aquela do Mestre. Mas nunca o discípulo esquece a origem, a fonte do Mestre.

Esse é um ponto muito importante. Dogen escreveu no Gakudo jin shu: "O dharma pode acionar o eu. O eu pode acionar o dharma. Quando o eu é capaz de colocar em ação o dharma, é o eu que está forte e o dharma que está fraco. Ao contrário, quando o dharma é que coloca em ação o eu, é o dharma que está forte e o eu que está fraco".

O dharma modifica o ego, o ego modifica o dharma...

Retomemos...

Desde sempre, há na lei búdica dois princípios. Mas quem não é verdadeiro herdeiro do budismo, deles não tomará conhecimento. Se não se conhecem as modalidades de estudo do Caminho, como alguém poderia discernir o verdadeiro do falso?
Realizar-se a si mesmo: apenas isso. Nosso ego é a sede das ilusões, e o dharma é, na realidade, a natureza do Buda. Um sábio que entra no jogo das ilusões não é um sábio autêntico. O Buda que segue o jogo das ilusões não será Buda. Um prisioneiro, se ele realiza o estado de Hishiryo, não é mais um prisioneiro, mas um Buda.