Não há perto nem longe.A menor dúvida vos colocaráA rios e montanhas de distância dele.Respeitosamente peço a vós que procurais o caminho,Não desperdiceis vossos dias e noites em vão.“Não há perto nem longe”. Isto é muito importante. Quando vocês se envolvem em uma prática egoísta, vocês têm alguma idéia de obter algo. Quando vocês se empenham em atingir um objetivo ou alcançar a iluminação, naturalmente pensarão “Estou longe de meu objetivo”, ou “Estou quase lá”. Mas se vocês praticam de nossa maneira, a iluminação se encontra exatamente onde vocês estão. Isto pode ser um pouco difícil de aceitar. Quando vocês praticam o zazen sem qualquer idéia de obtenção, existe realmente iluminação.
Dogen Zenji explicava que na prática auto-centrada, há iluminação e há prática: prática e iluminação são eventos que encontramos em nossas vidas. Mas quando realizamos prática e iluminação com eventos que aparecem no reino do grande mundo do dharma, então a iluminação é um evento que expressa o mundo do dharma, e a prática também é um evento que expressa o mundo do dharma. Se ambos expressam ou sugerem o grande mundo do dharma, então não necessidade de nos sentirmos desencorajados se não alcançamos a iluminação. Nem deveríamos ficar extremamente felizes se a alcançamos, porque não há diferença. A prática e a iluminação têm o mesmo valor.
Se a iluminação é importante, a prática também é importante. Quando compreendemos este ponto a cada passo, temos iluminação. Mas não haverá necessidade de ficarmos excitados com isso. Passo a passo, continuaremos a prática sem fim, apreciando a bem-aventurança do mundo do dharma. Essa é a prática baseada na iluminação, a prática além do bem e do mal, além da prática auto-centrada.
Em nosso último comentário discuti a afirmativa de Sekito, “Se você não compreende o caminho bem à sua frente, com poderia conhecer a trilha quando anda?” O que quer que vocês vejam, é o dao. Ainda que vocês pratiquem, se não compreendem isto, sua prática não funcionará. Agora ele diz que se vocês praticarem nosso caminho em seu sentido verdadeiro, não haverá nenhum problema em estar longe do objetivo ou quase lá. A prática de um iniciante ou de um grande mestre Zen não são diferentes. Mas se vocês estiverem envolvidos apenas em práticas auto-centradas, será ilusão.
No próximo verso ele nos diz que se praticarem nosso caminho com um sentido dualístico de prática e iluminação, estarão separados do dao por dificuldades tão grandes quanto aquelas de cruzar rios e montanhas.
Então, ele nos diz, “Respeitosamente peço a vós que procurais o caminho, não desperdiceis vossos dias e noites em vão” – Koin munashiku wataru koto nakare. Ko aqui significa “raio de sol” e in significa “sombra”, assim koin quer dizer “noite e dia” ou “tempo”. Wataru significa “gastar” ou “passar”. Nakare, “não”, e munashiku, “em vão”. “Não passar seus dias e noites em vão” significa, “não dêem bobeira”.
Ainda que você trabalhem muito duro às vezes, vocês podem estar gastando seu precioso tempo sem, na realidade, estarem fazendo nada. Se não sabem o que estão fazendo, podemos dizer, “Oh, vocês estão passando seu tempo em vão”. Vocês podem dizer, “Não, estou me empenhando duro para colocar dez mil dólares na minha poupança”, mas para nós isto pode não fazer muito sentido. Ainda que vocês trabalhem muito em Tassajara durante o período trabalho, isto nem sempre quer dizer que vocês estejam fazendo a coisa certa. Se vocês dão bobeira, vocês estão desperdiçando seu tempo e, ainda que trabalhem duramente, pode ser que também estejam desperdiçando seu tempo. Isto é uma espécie de koan para vocês.
“Todo o dia é um bom dia”. Este koan não quer dizer que vocês não devam se queixar caso tenham alguma dificuldade. O que ele quer dizer é “Não desperdicem seu tempo em vão”. Eu acho que a maioria das pessoas desperdiça seu tempo em vão. “Não, estou sempre ocupado”, podem dizer. Mas se dizem isto, é certo que estão gastando seu tempo em vão. A maioria das pessoas faz algo com algum sentimento de finalidade, como se soubessem o que estão fazendo. Mas mesmo assim, não creio que tenham uma compreensão adequada de sua atividade.
Quando vocês fazem algo com uma finalidade baseada em alguma avaliação do que é útil ou inútil, bom ou ruim, mais ou menos valioso, sua compreensão não é perfeita. Se vocês fazem as coisas que precisam ser feitas a despeito de serem os resultados bons ou maus, bem ou mal sucedidos, esta é a prática real. Se fazem as coisas, não por conta de Buda, ou da verdade, ou de vocês mesmos ou de outros, mas pelas próprias coisas, este é o verdadeiro caminho.
Não posso explicar isso muito bem. Talvez não devesse explicar tanto. Vocês não devem fazer as coisas só porque se sintam bem, ou deixá-las de fazer porque se sintam mal. Há algo que devem fazer, quer se sintam bem ou mal. Se não têm esse tipo de sentimento quando fazem algo, ainda não começaram nosso caminho em seu sentido verdadeiro.
Não sei porque estou em Tassajara: não é por vocês ou por mim ou mesmo por Buda ou pelo Budismo. Apenas estou aqui. Mas quando penso que tenho que deixar Tassajara dentro de duas ou três semanas, não me sinto tão bem. Não sei porque. Não creio que seja apenas porque vocês sejam meus alunos. Não tenho nenhuma pessoa em particular a quem eu ame tanto. Não sei porque tenha que estar aqui. Não é porque esteja apegado a Tassajara. Não estou esperando nada no futuro em termos de um grande mosteiro ou do Budismo. Mas não quero viver no ar. Quero estar exatamente aqui. Quero ficar de pé em meus próprios pés.
O único modo de ficar de pé em meus pés quando estou em Tassajara, é sentando. Esta é a razão pela qual estou aqui. Ficar de pé em meus pés e sentar na minha almofada preta são as coisas mais importantes para mim. Não confio em nada a não ser em meus pés e em minha almofada preta. Eles são meus amigos sempre. Meus pés são sempre meus amigos. Quando estou na cama, minha cama é minha amiga; não há nenhum Buda, nenhum Budismo, nenhum zazen. Se vocês me perguntarem “O que é zazen?”, minha resposta será, “sentar na minha almofada preta” ou “caminhar com meus pés”. Ficar neste momento neste lugar é meu zazen. Não há nenhum outro zazen. Quando estou de pé em meus pés, não estou perdido. Para mim, isto é o nirvana. Não há necessidade de viajar, atravessar montanhas ou rios. Estou exatamente aqui no mundo do dharma, então não tenho dificuldades de atravessar montanhas e rios. É assim como não desperdiçamos nosso tempo. Momento a momento, devemos viver exatamente aqui, sem sacrificar este momento pelo futuro.
Na China, ao tempo de Sekito, o Zen Budismo era muito problemático. No fundo de cada ensinamento sempre havia alguma controvérsia. Havia muitas escolas de Zen que se perdiam freqüentemente em disputas. E porque estavam envolvida em idéias de ensinamento certo e errado, ou tradicional ou herético, perdiam o foco principal de sua prática. Por isso Sekito disse, “Não desperdiceis vosso tempo em vão”. Não sacrifiquem a prática real pela prática idealística, tentando atingir algum tipo de perfeição, ou tentando descobrir a compreensão tradicional ensinada pelo Sexto Patriarca.
Os discípulos do Sexto Patriarca compilaram o Sutra do Sexto Patriarca em diversas versões e cada um dizia, “Este é o caminho do Sexto Patriarca. Aqueles que não têm este livro não são descendentes do Sexto Patriarca”. Esse tipo de compreensão do Zen prevalecia durante aquela época. Por isso Sekito disse, “Respeitosamente peço a vós que procurais o caminho, não desperdiceis vossos dias e noites em vão”. Seguir nossa prática da maneira correta é não ser aprisionado por alguma idéia, algum ensinamento ou prática egoísta.
Isso às vezes é chamado de “a prática de polir telha”. Habitualmente as pessoas polem espelhos. Se alguém começa a polir um telha, vocês rirão dele. Mas polir uma telha, a faz brilhar. Alguém pode dizer, “Oh, é apenas uma telha. Não pode ser um espelho”. É a prática daqueles que desistirão facilmente, pensando, “Não posso ser um bom aluno Zen, tenho que desistir de sentar-me em zazen”. Eles não se dão conta de que uma telha é valiosa, às vezes mais valiosa que um espelho. Ninguém pode fazer um telhado com espelhos. Telhas são muito boas para fazer telhados, tanto quanto um espelho é importante para vocês se olharem. Esta é a prática de polir telhas.
Como vocês sabem, há uma história famosa sobre Nangaku, um discípulo do Sexto Patriarca, e Baso, seu aluno. Baso estava praticando zazen, quando Nangaku passou e perguntou, “O que você está fazendo?”.
“Estou praticando zazen.”
“Porque está fazendo isto?”
“A fim de tornar-me um buda.”
“Ah, é muito bonito você tentar tornar-se um buda”, disse Nangaku, que pegou uma telha e começou a poli-la.
Então Baso perguntou, com alguma curiosidade, “O que está fazendo?”
“Quero transformar esta telha em um espelho.”
Seu aluno perguntou se era possível transformar uma telha em um espelho. Nangaku respondeu, “Você disse que fazia zazen para ser um buda, mas um buda nem sempre é alguém que alcança a iluminação. Todo o mundo é buda, quer tenha ou não se iluminado”.
Baso disse, “Quero tornar-me um buda pela prática do sentar”.
Nangaku disse, “Você fala da prática na posição sentada. Mas sentar nem sempre é Zen. O que quer que você faça será zazen”.
Baso ficou perdido. “Então qual seria a prática adequada?”
Nangaku replicou, “Se uma carroça não anda, qual seria o modo adequado de fazê-la andar – golpear a carroça ou golpear o cavalo?” Baso não pôde responder porque ainda estava engajado em praticar para atingir algo.
Então Nangaku continuou com a sua explicação. Não lhes posso contar todos os detalhes, mas, em resumo, o que ele disse foi, “Tentar imaginar o que está certo – chicotear o cavalo ou chicotear a carroça – está errado, porque a carroça e o cavalo não estão separados, eles são uma coisa só”.
A prática e a iluminação são uma coisa só, como a carroça e o cavalo. Assim, quando vocês fazem uma prática física real, isto também é iluminação. Denominamos prática baseada na iluminação “a prática real que não tem fim”, e chamamos iluminação que começa com a prática e é una com a prática, “iluminação sem começo”. Quando alguém começa a praticar, há iluminação, e onde há iluminação, há também prática. Não há iluminação sem prática. Se vocês não permanecem neste ponto realizando sua posição, vocês não estarão praticando nosso caminho. Então estarão desperdiçando seu tempo se vocês estiverem sacrificando sua prática atual por algum alcance futuro. Isto não é prática real.
Sekito também foi um discípulo direto do Sexto Patriarca e conhecia muito bem a prática do Sexto Patriarca. Então, quando Kataku Jinne e seus discípulos começaram a denunciar a escola do Norte de Jinshu, Sekito sentiu-se mal por eles estarem apegados a alguma idéia sem realizar o que fosse a prática. Sua compreensão foi levada ao Japão por Dogen Zenji cinco séculos mais tarde. Dogen estendeu este entendimento, não apenas logicamente, mas mais amplamente, com mais sentimentos e de um modo mais poético, através de sua tenaz mente pensante.
Algumas pessoas dizem que o Sandokai não é um poema tão bom porque é filosófico demais. Pode ser que seja, caso vocês não compreendam o fundo do ensinamento de Sekito e se suas mentes não penetrem suas palavras. Dizemos “ler o verso do papel” – não apenas os caracteres impressos, mas o outro lado da página. É importante que compreendamos o Sandokai de Sekito desta maneira.