24 junho 2007

Sandokai - 17º Comentário de Suzuki (cont.)

Anso wo motte o koto nakare – “mas não tome isto como escuridão”. Nakare significa “não”. Motte significa “com”. Anso significa “lado escuro” ou “perspectiva escura”. O caractere o significa “encontrar”, no sentido de tratar a pessoa que você encontra como amiga. Você encontra o modo como as nuvens encontram uma montanha. Aqui está a montanha Tassajara, há nuvens, e as nuvens oriundas do oceano encontrarão a montanha. Este tipo de relação é o. Você não deveria encontrar pessoas simplesmente com a compreensão da escuridão. Se você encontrar seu amigo com seus olhos fechados, ignorando quão velho ou elegante ele é, ignorando todas as suas características, você não encontrará seu amigo. É apenas uma compreensão unilateral, porque na escuridão há luz. Mesmo que a relação entre você e seu amigo seja muito íntima, ainda assim seu amigo é quem ele é, e você é você. Talvez a relação seja como a de marido e mulher. Marido é marido e mulher é mulher. Esta é uma relação real. Não encontre seu amigo sem a compreensão de luz ou dualidade. Uma relação estreita é escura porque, se sua relação é muito íntima, você é um com a outra pessoa. Mas ainda assim você é você e seu amigo é quem é.

O terceiro e o quarto versos são semelhantes ao primeiro e segundo. Eles dizem a mesma coisa que o primeiro e o segundo, mas de um modo diferente. “Dentro da escuridão há luz, mas não procure por esta luz”. Na escuridão, ainda que estejamos em uma relação íntima, há a dualidade de homem e mulher. Esta dualidade é a luz. Max você não deveria ver os outros com os olhos da luz apenas, porque o outro lado da luz é a escuridão. A escuridão e a luz são as duas faces de uma moeda.

Somos suscetíveis de ser dominados por idéias preconcebidas. Quando você tem uma má experiência com alguém, você pode pensar, “Oh, ele é uma má pessoa, sempre é mesquinho comigo”. Mas pode não ser assim. Você o está vendo com os olhos da luz apenas. Você deveria saber por que ele é mesquinho com você. Como a relação é tão estreita, tão íntima, ela é mais que uma relação entre duas pessoas. É apenas um. Então, quando ele está zangado, você estará zangado. Quando um está zangado, o outro ficará zangado. Você precisa entender o outro lado da luz que é a escuridão. Então, mesmo que você fique zangado, você não se sentirá tão mal. “Oh, ele está zangado comigo porque somos muito íntimos”. Quando você pensa que ele é mau, lhe é difícil mudar de idéia. Pode ser verdade que ele às vezes é mau, mas exatamente agora você não sabe se ele é bom ou mau. Você tem que ver.

Não nos devemos prender à idéia de escuridão ou luz. Não nos devemos prender à idéia de igualdade ou diferenciação. A maior parte das pessoas quando têm má vontade com alguém acha quase impossível mudar seu sentimento. Mas se somos budistas, devemos ser capazes de mudar nossas mentes de mau para bom e de bom para mau. Se você é capaz disto, “mau” não significa mau, e “bom” não mais significa bom. Mas ao mesmo tempo bom é bom e mau é mau. Compreende? Devemos entender a relação entre nós desta maneira. Eis um poema:
A mãe é a montanha azul
e as crianças são nuvens brancas.
Todo o dia estão juntas
e, no entanto, não sabem
quem é a mãe e quem são as crianças.
A montanha é a montanha e as nuvens brancas são nuvens brancas que flutuam em torno da montanha como crianças. Há a montanha azul e há as nuvens brancas, mas elas não sabem que existem nuvens brancas ou montanhas azuis. Ainda que não saibam, sabem muito bem – tão bem que não sabem.

Essa é a experiência que você terá na sua prática do zazen. Você ouvirá insetos e o córrego. Você está sentando, o córrego correndo, e você o ouve. Mesmo que você o ouça, você não tem nenhuma idéia de córrego e nenhuma idéia de zazen. Você está apenas na almofada negra. Você está ali simplesmente como uma montanha azul com nuvens brancas. Este tipo de relação é completamente esclarecido nesses quatro versos do Sandokai.

10 junho 2007

Dentro da luz, há escuridão


Sandokai - 17º Comentário de Suzuki

Dentro da luz, há escuridão,
Mas não tente entender essa escuridão.
Dentro da escuridão, há luz,
Mas não procure por essa luz.


Em primeiro lugar, falarei sobre os dois termos mei e an, “luz” e “escuridão”. A luz significa o mundo relativo, dualístico, das palavras, o mundo pensante, o mundo visível no qual vivemos. A escuridão refere-se ao absoluto, onde não há valor de troca ou valor materialista ou mesmo valor espiritual – o mundo que nossas palavras e nossa mente pensante não podem alcançar. Ao vivermos no reino da dualidade, devemos ter uma boa compreensão do absoluto, do qual podemos pensar como uma divindade. Mas no Budismo nós não temos qualquer idéia particular sobre uma divindade. O absoluto é o absoluto porque está além do nosso pensamento intelectual ou dualístico. Não podemos negar este mundo do absoluto. Muitas pessoas dizem que o Budismo é ateísmo porque não temos nenhuma idéia particular de Deus. Sabemos que há o absoluto, mas sabemos que está além dos limites de nossa mente pensante, e assim não temos muito que dizer sobre isto. É o que queremos dizer com an, “escuridão”.

Meichu ni attate an ari – “Dentro da luz há escuridão”. Isto é uma tradução literal. Mas a tradução literal não faz muito sentido. Assim devemos compreender o significado de ari, “há”. Há dois caracteres para “há” em japonês: ari e zai. Quando dizemos que há algo sobre a mesa, na Terra ou en Tassajara – algo sobre ou em alguma coisa- usamos “zai”, e quando dizemos, “Tenho duas mãos, usamos “ari”. Na realidade, dizemos, “Há duas mãos”, ou, “Há duas mãos em você”. Parte do caractere para “ari”, significa “carne” ou “pele”. Isto mostra uma relação muito estreita entre luz e escuridão, como a relação entre minha pele e eu. A frase, “Dentro da luz há escuridão”, soa mais dualística. “Tenho minha pele”, você pode dizer, ou, “Tenho minha mão”. Mas sua mão ou sua pele são partes de você, desta forma, na realidade, não é dualístico. Pele é você mesmo. Suas mãos são suas mãos. Dizemos, “Tenho duas mãos”. Mas suas mãos podem achar graça quando você diz isto. “Oh! Somos parte de você e ainda assim você diz que tem duas mãos. O que você quer dizer com isso? Quer dizer que você tem mais duas mãos além de nós?” Se possível, acho que deveria haver uma outra maneira de expressar isto em português.

Nesses versos ari quer dizer que há uma relação muito estreita entre luz e escuridão. E, na realidade, a própria escuridão é luz. A escuridão ou a claridade está dentro de sua mente. Na sua mente, você tem algum padrão ou medida de quão claro ou escuro está esta sala. Se estiver estranhamente clara, você pode dizer que a sala está clara; se estiver estranhamente escura, pode dizer que está escura. Mas você pode dizer, “Esta sala está clara” e, ao mesmo tempo, uma outra pessoa dizer, “Esta sala está muito escura”. Alguém que chega de São Francisco à noite pode dizer, “Tassajara é muito escura”. Mas alguém que chega aqui de uma caverna pode dizer, “Tassajara é muito clara, como uma grande cidade”. A idéia de luz ou escuridão está dentro de nós mesmos. Porque temos algum padrão, dizemos luz ou escuridão, mas realmente luz é escuridão e escuridão é luz.

Mesmo que digamos “escuridão”, isto não significa que não haja nada ali. Podemos ver muitas coisas quando há luz, como brancos e japoneses, homens e mulheres, pedras e árvores. Essas coisas aparecem na luz. Quando dizemos “escuridão” ou “mundo do absoluto”, que está além de nosso pensamento, você pode pensar que seja um mundo bastante diferente do nosso mundo humano, mas isto também é um erro. Se você compreende escuridão desta maneira, não é a escuridão de que estamos tratando aqui.

Alguns de vocês estão preparando comida para o casamento de Ed e Meg. Você pode arrumar as comidas separadamente, colocando-as em pratos diferentes. Isto é sopa, isto é salada, isto é sobremesa. É a luz. Mas quando você comer, as várias comidas se misturarão na sua barriga. Aí não há nenhuma sopa, nenhum pão, nenhuma sobremesa. Naquele momento todos funcionam juntos. Quando os vários itens estão nos pratos, eles não estão funcionando, desta forma não são realmente alimentos, é luz. Quando estão na sua barriga, é escuridão. Mas mesmo na escuridão, ainda há alface e sopa e tudo o mais. A comida é a mesma, apenas quando troca a sua forma começa a funcionar. As coisas acontecem deste jeito na escuridão profunda. Você se sente bem na luz, você sente como se tivesse um prato especial à sua frente, mas a comida ainda não está atingindo sua finalidade.

Quando você não sabe o que está fazendo, na realidade está agindo completamente, com uma mente cheia. Quando você está pensando, você ainda não está funcionando. Quando você começa a funcionar, tanto o lado escuro quanto o lado claro estão presentes. Quando você está realmente praticando o caminho budista, há um lado escuro e um lado claro, e a relação entre a luz e a escuridão é essa relação ari, como a relação entre sua pele e seu corpo. Você não pode realmente dizer o que é pele e o que é corpo. (continua)

03 junho 2007

Sandokai - 15º Comentário de Deshimaru

Cada existência tem sua utilidade,
Use-a qualquer que seja sua posição.
Fenômeno e essência encaixam-se perfeitamente.

A substância é a luz, a ação, a escuridão. A fonte do espírito do Buda transforma-se em ação. A substância transforma-se em ação, como a elevada montanha torna-se oceano profundo.
A fonte é uma, mas os rios são numerosos: águas claras, águas barrentas, águas calmas, águas agitadas.... ku soku ze shiki...
Ku é a fonte, mas os fenômenos aparecem aos montes, e ku torna-se shiki.
A fonte do espírito de Bodhidarma é um, mas, para seus discípulos, ela se fez pele, músculos, ossos e medula...